O globo, n.31406, 02/08/2019. Mundo, p. 22

 

Aliança extra-Otan com EUA pode ajudar indústria bélica 

Daniel Gullino

Cesar Baima 

02/08/2019

 

 

Às armas. Caça F-18 na pista do porta-aviões americano Carl Vinson em visita ao ao Rio em 2010: tipo de equipamento a que Brasil poderá ter acesso facilitado

O presidente Jair Bolsonaro comemorou a designação, pelos EUA, do Brasil como um aliado extra-Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), oficializada na noite de anteontem. Para Bolsonaro, a participação é “muito bem-vinda” e pode trazer benefícios na área militar:

—A ideia dele (o presidente dos EUA, Donald Trump) era até nos colocar, mas teria que mexer no estatuto, dentro da Otan. Já se cogita entre os integrantes essas mudanças no estatuto, mas, por enquanto, é muito bem-vinda a nossa participação como grande aliado extra - Otan. Nos facilita em algumas coisas, o mais importante é a questão de defesa.

Algumas das vantagens de ser um parceiro preferencial incluem a compra, por valores mais baixos, de equipamento descartado do Exército americano, a colaboração no desenvolvimento de tecnologias de defesa e um aumento nos intercâmbios militares conjuntos, exercícios e treinamentos, assim como acesso especial a financiamento para compra de equipamento militar.

Analistas ouvidos pelo GLOBO consideram que a designação não deverá trazer grandes impactos imediatos para o país. Mas, mais que o acesso privilegiado a equipamentos militares americanos, entre outras vantagens estratégicas, as perspectivas são boas para a indústria nacional de defesa no médio elongo prazos, a depender do efetivo desenvolvimento de projetos conjuntos na área, destaca Paulo Velasco, professor de Relações Internacionais da Uerj.

—A possibilidade de outro tipo de cooperação para além da compra de armas, treinamento e manobras conjuntas, quede algum amaneira os dois países já faziam em alguma escala, traz boas perspectivas para a indústria nacional de defesa — diz. — Podemos dar um salto qualitativo, em vez de apenas comprar equipamentos prontos, estabelecendo uma cadeia produtiva na área de defesa com o desenvolvimento conjunto de tecnologias e projetos. Os ganhos virão com o tempo, mas podem ser bastante significativos.

A perspectiva é compartilhada pelos ministérios das Relações Exteriores e da Defesa do Brasil, que em nota conjunta destacaram que “a base industrial de defesa brasileira poderá ser beneficiada pelo status de MNNA (sigla em inglês para “grande aliado não Otan”) ao integrar-se de forma mais competitiva nas cadeias globais de valor de alta tecnologia do setor”.

Esta aproximação, no entanto, não é vista com bons olhos por todos os analistas. Para o embaixador Marcos Azambuja, conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), ex-secretário-geral do Itamaraty e ex-integrante do Conselho de Desarmamento da ONU, o Brasil estaria mais bem servido se mantivesse uma distância maior dos EUA na área.

—Digo isso com muita cautela, não como uma crítica ao fato ou condenação, mas acho melhor para o Brasil escolher seus sócios, seus parceiros, que podem perfeitamente ser os EUA, em cada operação de acordo com seus interesses — considera. — Não é uma alternativa de um ou outro. É ter uma liberdade mais ampla de escolha e ação, exercer no cenário internacional de equipamentos de defesa o que melhor lhe convém naquele momento.