O globo, n.31405, 01/08/2019. País, p. 04

 

O impacto das palavras 

Bruno Góes 

Naira Trindade

Amanda Almeida 

Gustavo Maia 

01/08/2019

 

 

Combustível. Bolsonaro participa da cerimônia de assinatura do contrato de concessão da Ferrovia Norte-Sul, em Anápolis (GO): declarações devem aumentar distância entre Executivo e Legislativo

A escalada de ataques do presidente Jair Bolsonaro a adversários e instituições nos últimos dias, além da releitura de fatos históricos, vão reforçar a disposição do Congresso em tocar uma agenda própria no segundo semestre. Após o próprio presidente dizer que não vai mudar seu “jeito”, em entrevista exclusiva ao GLOBO, líderes partidários planejam atuar à revelia de Bolsonaro. A intenção é priorizar a agenda econômica e reagir pontualmente a propostas do Executivo que considerem extemporâneas. Parlamentares voltam do recesso e retomam os trabalhos na próxima semana.

Em meio à série de polêmicas provocadas por declarações de Bolsonaro, políticos aproveitam para marcar suas posições, como uma antítese do Planalto. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), gravou um vídeo em que defende a liberdade de expressão. As imagens foram exibidas em ato de apoio ao jornalista Glenn Greenwald, do site Intercept Brasil, um dos alvos do presidente da República. Bolsonaro chegou a dizer que Greenwald poderia “pegar uma cana” no Brasil por ter publicado supostas conversas entre o ministro da Justiça, Sergio Moro, e procuradores da Lava-Jato.

Parlamentares também se solidarizaram com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, por meio de mensagens e telefonemas. Apesar de documentos oficiais,negou ques e upai, Fernando Santa Cruz, desaparecido durante a ditadura militar, tenha sido morto por órgãos da repressão. Segundo o presidente, ele foi morto em um “justiçamento” da esquerda. A maioria dos líderes do centrão e os presidentes da Câmara e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), no entanto, preferiram não rebater publicamente os ataques de Bolsonaro a Santa Cruz.

Um dos principais nomes do PSDB no Senado, José Serra (PSDB-SP) afirma que as declarações recorrentes do presidente só contribuem para atrapalhara relação como Congresso. O Senado deve receber neste mês a proposta de reforma da Previdência.

— O governo parece estar dando nós em pingo d’água com declarações que só dificultam sua situação no Congresso.

O líder do DEM na Câmara, Elmar Nascimento (BA), afirma que os deputados devem se concentrar na votação da agenda econômica, independentemente das polêmicas criadas pelo governo:

— A única coisa que posso dizer sobre o presidente (Bolsonaro) é que ele não é estelionatário. Ele não mudou. Ele é a mesma pessoa que passou 28 anos na Câmara.

Na manhã de ontem, Bolsonaro disse que não está preocupado com acusações de que cometeu quebra de decoro ao dar nova versão sobre fatos ocorridos na ditadura:

—Não tem quebra de decoro. Quem age dessa maneira (acusando de quebra de decoro), perde argumento.

REFORMAS

Para o vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (PRBSP), o Congresso precisa acelerar as reformas, apesar das repercussões negativas de declarações recentes de Bolsonaro, como ataques a governadores do Nordeste e contestação de dados históricos da ditadura:

— O Congresso vai buscar cumprira agenda reformista que o país precisa par agerarem pregoe renda.

O líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL), um dos principais nomes do centrão, vai na mesma linha. Para ele, as votações seguirão em paralelo às polêmicas criadas pelo governo.

— O Congresso tem de seguir o caminho dele, sem entrar nessas polêmicas. Esse oxigênio só alimenta a discórdia e não leva para canto nenhum —afirmou Lira.

Um dos planos de Bolsonaro que provocam reação no Congresso e revelado na entrevista ao GLOBO éo de criar “pequenas Serras Peladas” no Brasil, que poderiam ser exploradas tanto por grupos estrangeiros como por povos indígenas.

— Ele demonstra querer atividade da mineração criminosa, desrespeitando povos indígenas e o meio ambiente — diz o Senador, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

No fim da tarde de ontem, Bolsonaro recebeu o ministro do STF Luiz Fux e brincou sobre a necessidade de aparar arestas.

—É o futuro presidente do Supremo. Tenho que começar a namorá-loa partir de agora —declarou, dando risada.

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PSDB acelera movimento para se descolar do Planalto 

Silvia Amorim

01/08/2019

 

 

A escalada de declarações polêmicas do presidente Jair Bolsonaro acelerou no PSDB um movimento para se descolar do Palácio do Planalto. Depois de críticas públicas a Bolsonaro feitas por dois de seus três governadores — João Doria (São Paulo) e Eduardo Leite (Rio Grande do Sul) — o partido se posicionou ontem, demarcando diferenças em relação ao presidente.

“Gente, fica a dica: ser contra a ditadura no Brasil não é ser de esquerda ou comunista. É apenas respeitar a história e ser absolutamente contra todas as atrocidades cometidas durante o período”, escreveu o partido em suas redes sociais.

Foi a primeira vez que anova direção do partido, empossada em maio, usou seus perfis paras e contrapor a uma declaração do presidente.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso reforçou ontem a ofensiva tucana. “O presidente despreza os limites do bom senso por sua incontinência verbal. Contraria documentos oficiais sobre o pai do presidente da OAB e dá vazão a rompantes autoritários. Prejuízo para ele e para o Brasil: gostemos ou não foi eleito. O que diz repercute e afeta nossa credibilidade”, escreveu FH no Twitter.

LIMITE

Lideranças nacionais do partido afirmam que o período de “observação” de Bolsonaro acabou e que a legenda passará a se manifestar contra “radicalismos” do presidente. A orientação vale também para os ministros. Paulo Guedes, da Economia, foi alvo de uma nota anteontem por reiteradas críticas à social democracia, marca do PSDB.

Há algum tempo a legenda estava acompanhando posicionamentos de Bolsonaro. Mas a avaliação era que não havia algo grave o suficiente para motivar uma reação.

— A fala sobre a ditadura mostrou que as polêmicas não eram mais rompantes de um presidente em fase de acomodação, mas uma forma de governar, um gesto político. Era hora então de tomar posição — disse um dirigente tucano.

Pesou na decisão a avaliação de que Bolsonaro continuará radicalizando o discurso e que deverá ser candidato à reeleição em 2022.

O partido acredita que, para ter chance na próxima disputa presidencial, precisa se descolar do presidente, a quem muitas de suas lideranças deram apoio em 2018, e se reconectar com o eleitorado mais moderado.

Por outro lado, os posicionamentos contra Bolsonaro trazem um efeito colateral. Atingem em cheio Doria, principal nome do PSDB para a disputa presidencial. Desde que se manifestou contra o presidente anteontem, o tucano passou a ser alvo de ataques nas redes sociais de apoiadores de Bolsonaro, que o chamam de “oportunista” e “traidor”. Em 2018, Doria apoiou Bolsonaro e se elegeu com o voto “Bolsodoria”.

Os tucanos defendem que os posicionamentos em relação às polêmicas do presidente sejam “cirúrgicos”, segundo um integrante da direção será toda declaração do presidente quete rá manifestação do partido. Ofo coserá agir nost emas de maior repercussão eque retratem as diferenças de pensamento entre o PSDB e o PSL de Bolsonaro — a chamada pauta de costumes e assuntos ligados a direitos humanos.