O globo, n.31405, 01/08/2019. País, p. 06

 

Sem cubanos, Mais Médicos vira Médicos pelo Brasil 

André de Souza 

João Paulo Saconi 

01/08/2019

 

 

O Palácio do Planalto lança hoje o programa Médicos pelo Brasil, que vai substituir o Mais Médicos, sem a participação de cubanos, em um primeiro momento, e com alterações nas dinâmicas de repasses de valores aos municípios e de contratação de médicos. A opção por renomear o programa reforça a escalada do governo Bolsonaro em substituir as principais marcas das gestões dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, ambos do PT.

Alterações como essa já foram sinalizadas pelo Planalto em relação ao programa habitacional Minha Casa Minha Vida, ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e até à Lei Rouanet, sancionada durante a gestão de Fernando Collor de Mello, mas associada pelo presidente Jair Bolsonaro às administrações petistas. Agora, a ordem do governo é tratar a legislação como Lei de Incentivo à Cultura, sem menção ao sobrenome do idealizador, o diplomata Sérgio Paulo Rouanet.

O mesmo tratamento dado ao Mais Médicos será dedicado ao Minha Casa, Minha Vida. O ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, já anunciou que as mudanças vão abranger o nome (já foram ventilados os novos Casa Brasil ou Casa Brasileira), assim como as regras para beneficiários. Está prevista uma divisão do programa em duas vertentes: uma para famílias de baixíssima renda e outra para grupos de baixa e média rendas.

No caso do PAC, o Ministério da Economia não pretende aceitar novos projetos a serem construídos com o dinheiro do programa. O PAC era uma das principais bandeiras petistas desde o lançamento, em 2007, e chegou a ganhar uma segunda versão em 2011. Além disso, uma das apostas exibidas na vitrine do PAC, a construção da usina nuclear de Angra 3, será retomada em parceira com a iniciativa privada dentro do escopo de outra iniciativa, o Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), criado pelo ex-presidente Michel Temer (MDB).

Tentativas de reciclar programas de gestões anteriores não são exclusividade do governo Bolsonaro. Temer, por exemplo, já havia tentado substituir o PAC pelo programa Avançar, em 2017. O mesmo fez Lula com o Bolsa Família, resultado de políticas implementadas pelo antecessor, Fernando Henrique.

IMPASSE COM CUBANOS

Rebatizado e com mudanças, o programa Médicos pelo Brasil vai contratar profissionais por meio da CLT, após processo seletivo. As mudanças foram adiantadas ontem pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, no lançamento da campanha da pasta para o incentivo à amamentação.

De acordo com Mandetta, o governo estuda uma solução para o impasse relativo à contratação de médicos cubanos, mas não irá resolvê-lo agora. No ano passado, o governo de Cuba deixou o Mais Médicos, mas vários profissionais do país permaneceram no Brasil. Quando integravam o programa, eles podiam trabalhar mesmo sem ter o diploma reconhecido. Com o fim da parceria, isso deixou de ocorrer e a participação dos cubanos ficou comprometida.

— O programa está sendo lançado com o que a lei brasileira me permite hoje, com médicos com inscrição no CRM (Conselho Regional de Medicina). Essa questão de reconhecimento de diploma é do MEC, que vai fazer essa discussão ainda —disse o ministro.

Mandetta também informou que os repasses aos municípios estarão subordinados a critérios como índices de mortalidade infantil, de amputações em decorrência de diabetes e até o tempo médio de amamentação.

Anteriormente, segundo o ministro, eram levados em conta apenas o tamanho da população e a quantidade de equipes de saúde da família atuantes em cada local. O foco serão as localidades com carência maior de profissionais, excluindo, portanto, as cidades maiores.

O tempo de permanência no programa será de dois anos e, ao fim, os médicos devem fazer uma especialização para que sejam integrados à rede pública em equipes de saúde da família. Ainda de acordo com Mandetta, a intenção é implantar um processo seletivo para o Médicos pelo Brasil e firmar as contratações via CLT, constituindo vínculo empregatício. No Mais Médicos, os profissionais atuavam como bolsistas.

— O processo seletivo era basicamente quem entrava na internet mais rápido do que o outro. Era uma competição de digitação. Se você estivesse num lugar em que o sinal fosse ruim, a probabilidade de entrar no programa era quase zero. Não tinha nenhum critério técnico — criticou Mandetta.