Correio braziliense, n. 20539, 17/08/2019. Política, p. 2

 

Avanço de Bolsonaro em órgãos cria tensão

Rodolfo Costa

Renato Souza

17/08/2019

 

 

Interferência do presidente na estrutura do Coaf e da Receita Federal, além de setor da Polícia Federal não subordinado diretamente a ele, causa preocupação em servidores, principalmente nos que estão em posição de chefia

O governo não tem medido esforços para reestruturar, ao bel-prazer, a Polícia Federal e órgãos de fiscalização, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e a Receita Federal. Em mais um dia de tensão com a Polícia Federal, com idas e vindas sobre o futuro da superintendência da corporação no Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro declarou que é ele “quem manda” e que não será um “presidente banana”, garantindo que permanecerá tendo poder de veto, inclusive em instituições e órgãos que não têm autonomia administrativa.

Os comentários sobre as mudanças na PF, no Coaf e na Receita confirmaram, na Esplanada dos Ministérios, o temor de alguns de que o governo vai fazer o que Bolsonaro quiser, deixando aflitos integrantes desses três órgãos. O desconforto é grande, pois, na avaliação de servidores, sobretudo os que estão em posição de chefia, é que ninguém tem a garantia de permanência na atual função. E Bolsonaro deixou isso claro. “Eu sou consultado (por ministros). Em grande parte, eu concordo e sou convencido. Eu tenho de acreditar. É igual às pessoas que eles escolhem. Têm carta branca, mas eu tenho poder de veto. Se não, vou ser um banana. O povo não acreditou em mim? Então, a política é a minha. Não é autoritarismo, mas hierarquia e disciplina. Tem que ter”, avisou.

As declarações, embora feitas em respostas a questionamentos da imprensa sobre a PF, dão um tom mais abrangente. Na Receita, o recado foi interpretado da mesma forma. Sobretudo depois de uma reunião, ontem, entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o secretário especial do órgão, Marcos Cintra, no Rio de Janeiro, para discutir a reestruturação do Fisco. O governo cogita a possibilidade de transformar a Receita numa autarquia. Mesmo sem a reestruturação ter começado, servidores do alto escalão estão ameaçados, como o superintendente do órgão no Rio, Mário Dehon, que pode ser exonerado. Questionado sobre o assunto, Bolsonaro foi sucinto: “Tudo pode ser melhorado”.

No Coaf, o posicionamento é o mesmo. A estrutura, atualmente alocada no Ministério da Economia, irá para o Banco Central (BC). Bolsonaro pensa em assinar uma medida provisória determinando a transferência. “Acho que está pronta. O Paulo Guedes não deve estar em Brasília hoje (ontem). Coaf vai, quero deixar bem claro, para o Banco Central. Já pode emendar um projeto na Câmara, que está caminhando nesse sentido, e vai para o BC. E lá, são concursados do BC que vão trabalhar”, frisou.

Desconforto

No Palácio do Planalto, as mudanças são vistas como fofoca. “É muita espuma por nada”, ponderou um interlocutor de Bolsonaro. A prova seria o próprio recuo do presidente nas declarações sobre a PF, ontem, em menos de quatro horas. Por volta das 8h26, quando começou a responder a perguntas da imprensa, na saída do Alvorada, ele disse que a superintendência da corporação no Rio de Janeiro seria assumida pelo superintendente do Amazonas, Alexandre Silva Saraiva. O atual chefe da instituição no estado fluminense, Ricardo Saadi, deve ir “para o exterior”.

A opção de Valeixo, definida ainda na quinta-feira, é pelo superintendente de Pernambuco, Carlos Henrique Oliveira. Bolsonaro alertou que, se Valeixo tivesse outra opção, teria de conversar. “Se resolveu mudar, vai ter de falar comigo. Quem manda sou eu. Eu dou liberdade para meus ministros todos, mas quem manda sou eu. Está pré-acertado que seria o lá de Manaus (Saraiva)”, afirmou. No Palácio do Planalto, após solenidade de celebração do Dia Internacional da Juventude, voltou a conversar com a imprensa, por volta das 11h55. E então, voltou atrás. “Se vir (para o RJ) o (superintendente) de Pernambuco (Oliveira), não tem problema, não. Acho que ele vai para o exterior, o que estava lá (Saadi). Tanto faz para mim. Eu sugeri o de Manaus, mas, se vier o de Pernambuco, não tem problema não”, declarou.

O recuo de Bolsonaro tem dedo do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. Na PF, órgão subordinado à pasta, a informação é de que o ex-juiz ligou para o presidente da República sugerindo que ele amenizasse as declarações. “O ministro sabe que não se tutela o presidente. Ele apenas ligou e recomendou um tom mais conciliador sobre o tema”, afirmou uma fonte na corporação.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

"O Brasil todo está sem dinheiro"

17/08/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro afirmou que o Brasil todo está sem dinheiro e que o governo tem feito o que pode para manter o país. “Em casa que falta pão, todos brigam e ninguém tem razão. Os ministros estão apavorados. Estamos tentando sobreviver. Não tem dinheiro, e eu já sabia disso. Estamos vendo o que podemos ver para poder fazer expediente”, destacou. Ele disse que a situação é tão grave que a jornada de militares do Exército será reduzida para meio expediente. “Não tem comida para dar ao recruta que é o filho de pobre. E a situação que nos encontramos é grave. Não há maldade da minha parte. Não tem dinheiro, só isso, mais nada.”

As declarações do chefe do Palácio do Planalto foram em resposta à pergunta sobre a suspensão de novas bolsas, por falta de verbas, no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O Conselho diz ter um deficit de R$ 300 milhões no orçamento deste ano.

Bolsonaro também voltou a atacar o PT e chegou a comparar o Bolsa Família a um tipo de “condução coercitiva”. Segundo ele, o programa era utilizado pelos governos petistas com fins eleitorais, para ganhar votos. Para o chefe do Executivo, “esses que dominaram o país” nos últimos governos, em referência às gestões petistas, não tinham a educação como prioridade, mas, sim, “o título de eleitor (em uma mão), e, na outra, o “cartão de um programa assistencial”. “O que tira a juventude da miséria, ou homem, ou mulher, é o conhecimento. Não são programas sociais que, em alguns casos, são necessários. Até pela idade e pela condição daquela pessoa, mas não podemos crescer pensando nisso”, sustentou.

Na cerimônia do Dia Internacional da Juventude, no Planalto, o presidente aproveitou para engatar um discurso conservador: “Se fossem três, quatro anos atrás, em um evento como esse, talvez tivéssemos dois homens se beijando aqui na frente, estimulando, desacreditando, desconstruindo a heteronormatividade, como está no plano nacional de promoção e cidadania LGBT. Nada contra quem quer ser feliz com o parceiro igual a si, mas não podemos impor isso daí”, criticou.

Cuba também foi alvo das alfinetadas de Bolsonaro. Ele manifestou dúvidas sobre como recuperar a Argentina, que tem, segundo disse, em torno de 60 mil cubanos morando no país. “O Brasil botou em torno de 10 mil (cubanos) fantasiados de médicos aqui dentro, em locais pobres, para fazer células de doutrinação e guerrilha. Tanto que, quando cheguei, eles foram embora, porque eu ia pegá-los”, disparou. “Não sabem responder (sobre aplicação de medicamentos). Estavam aqui doutrinando porque cada cabeça tinha um valor que mandava para Cuba. Davam em torno de R$ 100 milhões para a ditadura cubana.” (RC)

R$ 300 milhões

Deficit que o CNPq anunciou que tem no orçamento deste ano

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

As horas que abalaram a PF

Leonardo Cavalcanti

17/08/2019

 

 

Depois de quatro intermináveis horas de tensão com os delegados da Polícia Federal, Jair Bolsonaro decidiu recuar na queda de braço com a corporação. “Ufa”, escreveu um delegado, pouco antes das 13h, num aplicativo de mensagens instantâneas. O presidente finalmente parecia ter desistido do combate, numa indicação de que toda fanfarronice tem limite.

A escalada de tensão entre a Polícia Federal e Bolsonaro começou ainda na manhã de quinta-feira, durante a agora tradicional coletiva das manhãs no Palácio da Alvorada. O capitão reformado anunciou a troca de comando na chefia da regional fluminense: “Vou mudar, por exemplo, a superintendência da PF no Rio. Motivo? Gestão e produtividade”, disse.

A declaração pegou a corporação de surpresa, até porque a troca estava decidida entre o ministro da Justiça, Sérgio Moro, e o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo. E nunca envolveu questões relacionadas à produtividade. A fala improvisada foi criticada por entidades sindicais por causa da tentativa de interferência do presidente nos trâmites internos da PF.

A tensão aumentou de maneira exponencial na manhã de ontem, quando Bolsonaro, de maneira desavisada, voltou à carga, desautorizando, dessa vez, a escolha de Carlos Henrique Oliveira, lotado em Pernambuco, para substituir Ricardo Saadi, o atual chefe da superintendência do Rio. Se existiam dúvidas sobre a tentativa de Bolsonaro interferir na PF, parece evidente.

Se o rastilho de pólvora havia sido aceso na quinta-feira, na manhã de ontem chegou perigosamente perto do barril. Ao longo de uma série de reuniões presenciais nas superintendências regionais em todo o país — e nos grupos de WhatsApp —, os delegados, antes surpresos, estavam indignados, prestes a ameaçar uma rebelião sem precedentes.

As conversas entre os delegados giravam sobre o autoritarismo desassisado de Bolsonaro e uma eventual fraqueza de Valeixo. A questão crucial: o presidente estava transformando uma corporação de Estado numa entidade de governo, refém de caprichos de um político cada mais controverso e vingativo. Ao mesmo tempo, existia a esperança de que Valeixo se impusesse.

A questão principal era que, ruim com Valeixo, pior sem ele. O receio nas quatro horas era de que o diretor-geral pedisse demissão, e Bolsonaro ficasse com a avenida aberta para indicar um delegado que, a partir dali, só diria “sim” ao presidente. Moro entrou em campo no fim da manhã, quando sentiu que o próprio cargo estaria ameaçado com a rebelião na PF.

Assim, Bolsonaro voltou a procurar os jornalistas. E disse que, para ele, era indiferente quem substituiria Saadi. “Eu sugeri o de Manaus. Se vier o de Pernambuco, não tem problema, não. Tanto faz para mim.” A paz, a partir do recuo do presidente, voltou a reinar. Pelo menos por ora. Um “ufa” provisório, digamos.