Valor econômico, v.20, n.4825, 29/08/2019. Política, p. A13
Decisão no STF afeta processo contra Lula
Luisa Martins
Isadora Peron
29/08/2019
Pouco mais de 24 horas depois que a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) anulou uma sentença do ex-juiz Sergio Moro contra o ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi beneficiado pelos efeitos da decisão.
Ontem, o ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato na Corte, determinou que seja reaberto o prazo para as alegações finais da ação penal em que o petista é réu por receber propina da Odebrecht na forma de um terreno para a construção do Instituto Lula, em São Paulo.
Essa etapa já havia sido encerrada e Lula estava próximo de receber uma sentença do atual juiz do caso, Luiz Antônio Bonat, responsável pela Lava-Jato em primeira instância. Com o despacho de Fachin, o caso dá um passo para trás.
Na terça-feira, a Segunda Turma estipulou que, na condição de réu delatado, Bendine deveria ter apresentado seus memoriais por último, ou seja, somente após os dos réus delatores. O entendimento contraria a conduta de Moro em todos os processos que julgou na 13ª Vara Federal de Curitiba: para todos os réus, fossem delatados ou delatores, o então juiz fixava o mesmo período para o envio das alegações.
Diante do resultado do julgamento, no qual ficou vencido, Fachin se antecipou. Segundo o ministro, como a sentença sobre o Instituto Lula ainda não foi proferida, "a providência revela-se conveniente para o fim de, a um só tempo, adotar prospectivamente a compreensão atual da Corte acerca da matéria, prevenindo eventuais irregularidades processuais, até que sobrevenha pronunciamento do plenário".
Em seguida, ele submeteu a controvérsia ao julgamento dos 11 ministros da Corte. O agendamento de uma data cabe ao presidente, ministro Dias Toffoli.
O despacho foi dado nos autos de uma reclamação em que a defesa de Lula pedia o arquivamento da ação penal, por não ter tido acesso a documentos da perícia feita nos sistemas eletrônicos da Odebrecht. Fachin disse não haver necessidade de suspender o processo, mas determinou que a Justiça Federal do Paraná conceda o material aos advogados no "prazo impreterível" de 15 dias.
Com base na decisão do colegiado sobre Bendine, o advogado Cristiano Zanin Martins apresentou ontem ao Supremo um novo habeas corpus para pedir a liberdade de Lula e a anulação dos processos do tríplex do Guarujá (SP) e do sítio de Atibaia (SP). Neste último, por exemplo, o ex-presidente foi intimado a se manifestar ao mesmo tempo em que os demais réus - entre eles, cinco delatores da Odebrecht.
"Não é preciso qualquer esforço para divisar a ocorrência de constrangimento ilegal na assinatura de prazo comum para apresentação das alegações finais por parte de corréus e corréus delatores, já que os últimos podem apresentar carga incriminatória surpresa contra os primeiros", diz a petição. "Por mandamento constitucional, o contraditório e a ampladefesa devem ensejar ao acusado em juízo - necessariamente e sempre - a possibilidade plena de se contrapor a todas as cargas acusatórias contra ele direcionadas", continua Zanin.
A força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba afirmou ontem esperar que o Supremo não replique seu entendimento sobre as alegações finais em outros casos - os procuradores estimam que isso poderia levar à anulação de 32 sentenças, envolvendo 143 dentre 162 réus condenados.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, também tem manifestado a interlocutores preocupação com a decisão da Segunda Turma do Supremo.
Conforme apurou o Valor, ela ainda estuda a melhor maneira de recorrer da decisão. A hipótese mais provável é a de interposição de embargos infringentes à própria Segunda Turma - um tipo de recurso cabível quando o julgamento não é unânime.
No caso de Bendine, o colegiado formou placar de 3 a 1, com maioria formada pelos ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. Fachin ficou vencido; o ministro Celso de Mello não estava presente, por motivos de saúde.
Segundo Dodge sinalizou a um auxiliar próximo, o resultado do julgamento "abre uma porta que o Ministério Público entende ser muito perigosa". Moro, hoje ministro da Justiça e Segurança Pública, não se manifestou.