Valor econômico, v.20, n.4826, 30/08/2019. Brasil, p. A4

 

PIB cresce mais que o esperado, mas retomada segue gradual 

Sergio Lamucci 

Ana Conceição

Bruno Villas Bôas 

Alessandra Saraiva 

30/08/2019

 

 

Alberto Ramos, do Goldman Sachs: demanda doméstica final mostra aceleração, com destaque para o investimento

A economia brasileira cresceu no segundo trimestre 0,4% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal, um resultado melhor do que a encomenda, com altas fortes do investimento, pelo lado da demanda, e da indústria de transformação e da construção civil, pelo lado da oferta. O desempenho superou a mediana das projeções dos analistas ouvidos pelo Valor Data, de expansão de 0,2%, afastando o temor de uma recessão técnica, caracterizada por dois recuos seguidos na comparação com os três meses imediatamente anteriores - no primeiro trimestre de 2019, o PIB recuou 0,1%.

Uma das melhores notícias foi o crescimento da construção. Houve alta no segundo trimestre, de 1,9%, o que contribuiu para o avanço significativo da formação bruta de capital fixo (FBCF, medida do que se investe em máquinas e investimentos, construção civil e inovação) no período, de 3,2% sobre o trimestre anterior. Ainda assim, essa melhora se dá sobre uma base deprimida. Em 12 meses, o PIB acumula alta de apenas 1%.

    Os juros em queda, a melhora da confiança devido à iminente aprovação da reforma da Previdência e a liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) devem dar impulso à atividade no segundo semestre. Joga contra a piora do cenário externo, devido à desaceleração da economia global e a intensificação da crise na Argentina. A expectativa é que a retomada siga em ritmo gradual. Há sinais positivos na construção residencial, nas vendas no varejo, especialmente de veículos, e algum aumento da confiança empresarial e do consumidor. Os números do crédito para automóveis e para o setor imobiliário também têm sido favoráveis.

    A demanda doméstica final mostrou uma aceleração considerável, passando de quase estabilidade no primeiro trimestre - 0,05% - para uma alta no segundo de 0,5%, como ressalta o economista Alberto Ramos, diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs. O indicador é composto por consumo das famílias, consumo do governo e investimento, excluída a variação de estoques. O destaque entre os três componentes foi a alta da formação bruta de capital fixo, uma notícia mais do que bem-vinda, uma vez que a recuperação dependerá bastante do investimento, num quadro em que o consumo das famílias ainda está contido pela fraqueza do mercado de trabalho, o consumo do governo está travado pelo ajuste fiscal e o setor externo é afetado pela perda de fôlego da economia mundial.

    "O investimento é elemento inicial de retomada de crescimento e a sinalização é de que tanto máquinas e equipamentos quanto construção civil residencial parecem começar a recuperação, especialmente este último", diz, em nota, o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale.

    A taxa de investimento, porém, permanece baixa, como lembra Ramos. Ficou em 15,9% do PIB entre abril e junho, acima dos 15,3% do PIB do mesmo período de 2018, mas significativamente abaixo dos mais de 20% do PIB observados entre 2010 e 2013, nota ele.

    No segundo trimestre, o consumo das famílias, que tem peso de dois terços no PIB pelo lado da demanda, cresceu 0,3% em relação ao trimestre anterior, enquanto o consumo do governo recuou 1%, refletindo o esforço do setor público em conter gastos.

    As exportações, por sua vez, caíram 1,6% nessa base de comparação, num cenário de demanda externa mais fraca. As importações subiram 1%. Com isso, o setor externo tirou 0,4 ponto percentual do PIB no segundo trimestre, nas contas de Ramos.

    No lado da oferta, a principal surpresa veio da indústria, que cresceu 0,7%. Os principais responsáveis por essa alta foram a indústria de transformação, com avanço de 2% sobre o trimestre anterior, e a construção civil, com aumento de 1,9%. A indústria extrativa foi mal outra vez, registrando queda de 3,8%, em boa parte ainda um reflexo da tragédia com a barragem da Vale em Brumadinho, em Minas Gerais. Já a agropecuária recuou 0,4% na comparação com o primeiro trimestre, enquanto os serviços, que respondem por mais de 70% do PIB pelo lado da oferta, avançaram 0,3%.

    Com a alta do PIB de 0,4% no segundo trimestre, uma nova leva de reduções das projeções de crescimento para 2019 não deverá ocorrer, como era possível se o crescimento tivesse ficado em 0,2% ou menos. O consenso de mercado aponta para uma expansão do PIB de 0,8% neste ano. Para que isso se concretize, é preciso uma alta média do PIB de 0,2% a 0,3% no terceiro e no quarto trimestres, nas contas do economista Luka Barbosa, do Itaú Unibanco.

    Um avanço de 1% em 2019 parece hoje factível, segundo os analistas da LCA Consultores. Para que isso ocorra, é necessário que o PIB avance a um ritmo de 0,4% nos dois trimestres restantes do ano. Na visão da consultoria, a queda adicional dos juros, a melhora da confiança associada ao avanço de reformas e a adoção de medidas para estimular o consumo, como a liberação dos recursos do FGTS, "sugerem que é razoável uma variação do PIB próxima de 1% no acumulado de 2019". O cenário externo, porém, pode afetar essa expectativa nos próximos meses, pondera a LCA, enfatizando em especial a piora das condições da Argentina.

    Apesar da alta do PIB de 0,4% no segundo trimestre, Barbosa, do Itaú Unibanco, diz não ver sinais de aceleração da atividade. O banco calcula um indicador de crescimento subjacente, que segue estável em 1% há nove trimestres. O índice é composto por dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do nível do índice de confiança empresarial da Fundação Getulio Vargas, do crédito para pessoa física e jurídica e da difusão de dados de atividade.

    Nesse cenário, Barbosa manteve a projeção de crescimento para o ano em 0,8%, também por causa de informações preliminares negativas relativas ao terceiro trimestre. Ele cita como exemplo a importação de bens intermediários (insumos e matérias-primas), que tem boa correlação com a produção industrial.

    No acumulado em 12 meses, o PIB tem orbitado na casa de 1% desde o fim de 2017, quando atingiu 1,1%. Nos 12 meses até o segundo e o terceiro trimestres de 2018, teve expansão de 1,4%, mas o ritmo não se sustentou. Caiu para 0,9% até o primeiro trimestre de 2019 e voltou para 1% no segundo trimestre deste ano. Para 2020, a expectativa é de uma aceleração para a casa de 2%, o que vai depender do investimento e do consumo das famílias - os gastos públicos e o setor externo não vão ajudar.

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    Ainda é cedo para soltar fogos, diz Mansueto

    Edna Simão

    Lu Aiko Otta 

    30/08/2019

     

     

    O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, disse que o crescimento da economia brasileira no segundo trimestre (de 0,4% em relação aos primeiros três meses deste ano) foi o dobro do que o mercado esperava, mas ponderou que são resultados de curto prazo.

    "Não dá soltar fogos com o resultado de um trimestre. O Brasil está em processo lento de recuperação. É um crescimento pontual. É bom o crescimento, mas não vou soltar fogos", frisando que não dá para avaliar como isso se transformará em receita. "Se deixarmos de ter frustração de receita, já será um grande passo", afirmou.

    O secretário ressaltou que, para este ano, são necessários algo em torno de R$ 15 bilhões para que seja possível viabilizar a execução de despesas previstas. Ele espera ainda a entrada de recursos recuperados pela Operação Lava-Jato e de dividendos.

    Para o Ministério da Economia, o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre mostra que a estratégia adotada pelo governo é acertada.

    O cenário econômico, no entanto, continua "desafiador" e há um longo caminho a percorrer, afirmou o ministério, em nota. A pasta comandada por Paulo Guedes aponta como obstáculos pela frente a conjuntura internacional, o ajuste fiscal e a baixa produtividade da economia do país.

    "Mas não deixa de ser importante frisar que, a despeito desses desafios, a conjuntura brasileira hoje mostra-se mais favorável do que era alguns meses atrás", disse o ministério no comunicado.

    O Ministério da Economia ressaltou também que a crise da Argentina já mostrava reflexos sobre a economia brasileira no segundo trimestre do ano e foi o principal motivo para a queda de 1,6% nas exportações no período. A Argentina é o quarto destino para os produtos brasileiros, atrás da China, dos Estados Unidos e da União Europeia.

    Ao analisar o resultado pelo lado da demanda agregada, a nota do Ministério da Economia destaca o aumento de 3,2% na formação bruta de capital fixo e a queda de 1% no consumo do governo, que "reflete a adoção do regime fiscal de contenção de gastos necessária para conter o crescimento da dívida pública resultante da expansão de gastos de anos anteriores". O consumo das famílias avançou ligeiramente, 0,3%.

    Na avaliação por setor econômico, o documento registra que indústria e serviços registraram expansão, de 0,7% e 0,3% respectivamente, enquanto a agropecuária recuou 0,4%. O resultado da indústria foi influenciado pelo desempenho da Vale após a tragédia de Brumadinho, já que o setor extrativo teve retração de 3,8% de abril a junho, após queda de 7,5% nos três meses anteriores.

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    Resultado dá algum alento, apesar de expansão fraca 

    Fernando Rocha 

    30/08/2019

     

     

    O resultado do PIB no segundo trimestre, apesar de modesto, surpreendeu ligeiramente para cima. O PIB cresceu 0,4% em relação ao trimestre anterior, com ajuste sazonal, e 1,0% contra o mesmo período do ano anterior. A mediana das projeções dos analistas ouvidos pelo Valor Data estava em 0,2% e 0,8%, respectivamente.

    Foi uma pequena surpresa positiva, é verdade, mas foi percebida como alívio após um longo período de decepções. Alguns setores que vinham muito fracos mostraram sinais de vida. É o caso da construção civil, que cresceu 2,0% contra o ano anterior, encerrando nada menos do que 20 trimestres de contração nessa base de comparação. Ainda do ponto de vista da produção, a agropecuária caiu 0,4%, a indústria cresceu 0,7%, e os serviços, 0,3%, na comparação trimestral.

    Do ponto de vista da demanda, o destaque foi o crescimento de 3,2% do investimento no trimestre, com ajuste sazonal, encerrando dois trimestres de contração. Na comparação interanual, o crescimento do investimento foi de expressivos 5,2%. O destaque negativo foi o consumo do governo que caiu 1% na comparação trimestral e 0,7% na comparação anual. Esse resultado negativo do governo tem sido uma constante desde a imposição do teto de gastos, que tem forçado um ajuste nos gastos discricionários do governo, isto é, na área que ele tem algum controle, ao passo que a maioria das despesas de transferências para famílias, como salários e aposentadorias, é obrigatória.

    Por fim, o consumo das famílias, que responde por aproximadamente dois terços da absorção, cresceu 0,3% no trimestre e 1,6% na comparação anual, mantendo um ritmo de crescimento que, apesar de modesto, tem sido constante. Isso se deve ao aumento do emprego, que tem garantido um incremento da massa salarial, apesar do crescimento modesto do salário médio em termos reais.

    Olhando para a frente, temos dois vetores opostos, que dificultam as previsões. Por um lado, a resolução da reforma da Previdência promete reduzir a incerteza econômica, tornando sustentável a dinâmica das contas públicas. É verdade que outros ajustes precisam ser feitos para voltarmos a gerar um superávit primário capaz de estabilizar a relação dívida/PIB. No entanto, o progresso com a reforma da Previdência (ainda pendente) tende a retirar graus de incerteza, que prejudicam o crescimento, à medida que dificultam o planejamento dos agentes. Aliado a isso, a queda das taxas de juros tende a produzir um ambiente mais propício para o consumo e o investimento. Por outro lado, temos o acirramento do conflito entre China e EUA, com a imposição de tarifas sobre o comércio e um consequente esfriamento da economia global. Mais recentemente, o recrudescimento de uma forte crise na Argentina, com problemas de desvalorização cambial e dúvidas sobre o pagamento de sua dívida, vem se somar aos ventos contrários da economia global, que tendem a prejudicar a nossa recuperação.

    Apesar de tudo, temos mantido uma postura relativamente otimista quanto ao futuro da economia brasileira. Projetamos 0,9% de crescimento em 2019, com algum estímulo do FGTS no quarto trimestre, e de 2% em 2020, com indústria e serviços crescendo em torno desse número. Do ponto de vista da absorção, trabalhamos com um crescimento de 2,5% para o consumo das famílias e de 4% para o investimento em 2020, ao passo que o consumo do governo e as exportações líquidas devem contribuir negativamente. Em nossas projeções, o ambiente doméstico entra como vetor positivo, e o cenário externo, como vetor negativo. Dessa forma, qualquer alteração para melhor no quadro global pode nos levar a um crescimento mais expressivo, bem como uma mudança negativa no cenário doméstico pode nos tirar alguns pontos de crescimento.