Valor econômico, v.20, n.4826, 30/08/2019. Política, p. A10

 

Bolsonaro pode deixar interino no lugar de Raquel Dodge na PGR

Fabio Murakawa 

Renan Truffi

Isadora Peron

Mariana Muniz 

30/08/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro deve deixar um interino no lugar da procuradora geral da República, Raquel Dodge. A possibilidade foi confirmada ontem pelo ministro da Secretaria-Geral, Jorge Oliveira, que afirmou que o comando do Ministério Público Federal (MPF) pode ficar com o subprocurador Alcides Martins. Nos bastidores, o sentimento é que, se ele agradar, poderia até mesmo ser efetivado no cargo.

"O presidente tem conhecimento de que, não havendo [indicação], o Ministério Público não fecha as portas, o Ministério Público vai continuar a existir, vai continuar a atuar, independente como sempre", afirmou o ministro.

Oliveira disse ainda que não conhece pessoalmente Martins, mas que tem "as melhores referências de que ele é um excelente quadro dentro do Ministério Público e que pode conduzir o órgão da maneira mais institucional possível".

Martins é vice-presidente do Conselho Superior do MPF, e, pela legislação, é alçado automaticamente ao comando da instituição caso o cargo fique vago. O mandato de Dodge termina em 17 de setembro.

O subprocurador foi eleito vice-presidente do Conselho Superior do MPF em 9 de agosto. Também disputou a vaga o subprocurador Nicolao Dino. Antes desse resultado, Bolsonaro vinha afirmando que escolheria até meados de agosto o novo PGR. A mudança de configuração de forças dentro do conselho fez com que o presidente adiasse a escolha do substituto de Dodge.

A opção pela interinidade também acontece depois de os candidatos preferidos de Bolsonaro terem sido alvo de críticas e irem perdendo força pelo caminho. Segundo interlocutores do Planalto, nenhum nome até agora agradou de fato o presidente.

A consagração da ideia de um PGR biônico irritou os integrantes da instituição. Eles veem com maus olhos o alargamento do período de vacãncia. O sentimento, para muitos, é de que, ao deixar o interino na cadeira, Bolsonaro decide sozinho.

"A vacância tem que ser encarada como uma indicação temporária. O ato do presidente é só uma parte do caminho constitucional", afirmou ao Valor a subprocuradora Luiza Frischeisen, segunda colocada na lista tríplice, em referência à segunda etapa do processo.

Mesmo que Bolsonaro tome uma decisão nos próximos dias, seria difícil o Senado aprovar o novo PGR em tempo hábil para evitar uma interinidade. Levantamento feito pelo Valor mostra que o nome indicado pelo presidente leva, em média, 16 dias para ser aprovado. De 2003 a 2017, houve oito indicações para o cargo. A aprovação já foi expressa - em menos de uma semana - mas também já chegou a demorar quase um mês. Em 2007, por exemplo, a recondução de Antonio Fernando Souza para o comando da PGR pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva levou apenas seis dias para ser aprovada pelo Senado.

Já a recondução de Roberto Gurgel em 2011 levou quase um mês - exatos 28 dias. A demora aconteceu porque, após a indicação ser oficializada pela então presidente Dilma Rousseff, o Congresso entrou em recesso parlamentar e só retomou a discussão em agosto. Em 2013, a indicação de Rodrigo Janot para o cargo levou 24 dias para ser aprovada. Nesta época, a subprocuradora Helenita Acioli teve de exercer interinamente o cargo de procuradora-geral após o fim do mandato de Gurgel.

O tempo de tramitação de um processo como esse costuma sempre ser permeado por questões políticas. Um integrante da Comissão e Constituição e Justiça (CCJ), responsável por sabatinar o futuro PGR, aponta que o ritmo da aprovação na Casa vai depender de quem Bolsonaro indicar. Se o escolhido não agradar os parlamentares, o processo poderá andar lentamente na Casa.

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Moro 'patrimônio nacional', diz presidente 

Isadora Peron

Renan Truffi

30/08/2019

 

 

Após semanas de desgaste, o presidente Jair Bolsonaro fez um gesto ontem em relação ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, afirmou que ele é um "patrimônio nacional" e o agradeceu por ter aceitado fazer parte do governo.

"Obrigado Sergio Moro por abrir mão da magistratura, não para entrar numa aventura, mas sim na certeza de que todos nós juntos podemos sim fazer melhor para a nossa pátria", disse o presidente.

A fala de Bolsonaro aconteceu durante a solenidade de lançamento do programa "Em Frente Brasil", projeto piloto de enfrentamento à criminalidade que consiste na articulação entre a União, Estados e municípios para a redução de crimes violentos.

Durante a cerimônia, o presidente fez questão de dizer que o projeto era uma ideia de Moro. "Essa iniciativa do Sergio Moro é muito bem-vinda, tenho certeza que vai dar certo."

Ele também afirmou que todos os seus 22 ministros têm "liberdade" para atuar no governo. "Essa liberdade que dou aos ministros é uma marca diferente do meu governo", apontou.

O evento coroa uma trégua entre o presidente e aquele que é considerado um dos superministros do governo. Bolsonaro e Moro desceram a rampa do Palácio do Planalto abraçados, pararam estrategicamente para uma foto e foram bastante aplaudidos.

Nas últimas semanas, Bolsonaro desautorizou Moro publicamente ao dizer que quem mandava na Polícia Federal (PF) era ele e que, se quisesse, poderia demitir o diretor-geral da corporação, Maurício Valeixo. O número 1 da PF, que é aliado de Moro, não compareceu à cerimônia no Planalto. Interlocutores afirmaram que ele se sentiu indisposto e não conseguiu participar do evento.

No meio político, chegou-se a aventar que o ministro da Justiça poderia ser demitido ou mesmo pedir para deixar o cargo. Na cúpula da PF, o clima ainda é de alerta em relação a mudanças no comando no órgão.

Ao discursar no evento, Moro comemorou resultados do governo. "Não me lembro de outro período histórico em que tivesse havido uma redução de 20% dos homicídios nos quatro primeiros meses." Para ele, "é inegável o mérito do governo federal, do presidente Jair Bolsonaro".

Durante a cerimônia, o ministro da casa Civil, Onyx Lorenzoni, também elogiou Moro e disse que ele é o "melhor ministro da Justiça e da Segurança Pública da história e que o Brasil terá nos próximos anos".

O momento de trégua entre Moro e Bolsonaro também deve ter impacto no orçamento para o Ministério da Justiça em 2020. Segundo fontes que acompanham a discussão, nos últimos dias houve uma sinalização da equipe econômica de que o corte nas verbas da pasta será menor do que o inicialmente previsto.

O governo deve enviar hoje a proposta de Orçamento para 2020 ao Congresso. Pelo planejamento inicial, seriam destinados R$ 2,6 bilhões à pasta, valor 32% menor se comparado com o orçamento autorizado para 2019.

Em ofício encaminhado ao ministro da Economia, Paulo Guedes, Moro havia cobrado mais recursos e afirmado que o montante que havia sido reservado poderia inviabilizar ações da pasta.