Valor econômico, v.20, n.4826, 30/08/2019. Política, p. A12

 

TCU contesta explicação do Exército e pode punir vice 

Murillo Camarotto 

30/08/2019

 

 

Mourão: vice atuou como gerente do contrato de compra, em 2010, de um sistema de simulação de artilharia

Dois anos após ser denunciado, o Exército ainda não conseguiu convencer o Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a lisura do contrato de compra, em outubro de 2010, de um sistema de simulação de artilharia. A investigação, em fase avançada, envolve o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, que atuou como gerente do contrato.

Ele e outros militares poderão ser citados como responsáveis pelas irregularidades já em setembro, quando a área técnica do tribunal pretende concluir a instrução técnica da auditoria. Isso depende, no entanto, do envio de informações complementares pelo Exército, que já pediu cinco prorrogações de prazo para mandar a documentação restante.

Se considerado apenas o material entregue até o momento - um calhamaço com milhares de páginas -, o vice-presidente e ex-colegas da caserna serão citados pelo tribunal e estarão sujeitos a penas que vão de multa à inelegibilidade para o exercício de cargos públicos. Procurado, Mourão não havia se manifestado até o fechamento desta edição.

Feita de forma anônima em 2017, a denúncia aponta para uma licitação direcionada à empresa espanhola Tecnobit. Batizado de Simaf (Sistema de Simulação de Apoio de Fogo), o sistema custou 13,98 milhões de euros ao Exército. Com atraso, os simuladores contratados foram instalados em 2016 nas cidades de Resende (RJ) e Santa Maria (RS).

O nome de Mourão aparece pela primeira vez em documentos que pedem a prorrogação do prazo do contrato, cuja execução estava atrasada. O atual vice-presidente assina um documento que solicita a prorrogação em agosto de 2013, quando ele era vice-chefe do Departamento de Educação e Cultura do Exército.

Naquele ano, Mourão viajou à Madri para realizar inspeção do projeto. Em outro documento, ele justifica a necessidade de prorrogação ao mencionar a "complexidade e grandiosidade" do objeto contratado, que demanda ajustes em relação ao que foi apresentado inicialmente.

Após análise de toda a documentação encaminhada, o TCU identificou uma série de lacunas que reforçam os indícios de irregularidades no contrato. Em maio deste ano, o tribunal encaminhou um novo lote de questionamentos ao Exército.

"Verificou-se, ao analisar a documentação, que não constam entre os documentos recebidos por esta Corte de Contas, estudos que tenham sido realizados com o intuito de avaliar simuladores de artilharia produzidos por outras empresas, que não a Tecnobit, ou utilizados por outras Forças Armadas, que não as espanholas", questiona o tribunal.

Um das principais indagações trata das compensações comerciais, como são chamadas as contrapartidas exigidas da empresa contratada. Uma planilha apresentada pelo Exército fala em compensações da ordem de R$ 10,97 milhões de euros, mas o tribunal quer saber quem acompanhou a execução do acordo e como essa checagem foi feita.

De acordo com o Exército, a empresa espanhola compensou 3,9 milhões de euros com a constituição de uma filial no Brasil; 2,3 milhões de euros com um laboratório de simulação; e 4,3 milhões de euros com aquisições no Brasil (materiais e serviços). O restante das compensações registradas deve-se à oferta de cursos na Espanha e no Brasil.

Os auditores do TCU também alegam que a execução do contrato não foi devidamente documentada em processo administrativo específico, "tendo as informações solicitadas sido enviadas sem qualquer numeração de páginas ou referência que demonstre a forma como foram arquivados os documentos".

"Jurisprudência do TCU indica a necessidade de adoção de critérios mínimos de formalização. O acompanhamento e controle dos contratos administrativos devem se dar por meio de processos organizados, inclusive com o rol de documentos necessários à verificação prévia aos pagamentos, bem como devem ser segregados os papéis e responsabilidades dos envolvidos na contratação", diz o órgão de controle.

Os auditores questionam ainda a ausência de uma série de documentos citados como "básicos para a elaboração de um projeto", tais como estudos de viabilidade, cronograma de atividades, plano de gerenciamento de riscos e planos orçamentários.

De acordo com a documentação, em 2016 a Academia Militar das Agulhas Negras, onde um dos simuladores foi instalado, determinou a realização de uma sindicância para apurar um débito de aproximadamente R$ 1,27 milhão em desfavor do Exército. Uma perícia, prevista para ser concluída em junho do ano passado, foi iniciada para levantar eventuais danos ao erário, mas os resultados do trabalho também não foram encaminhados ao tribunal de contas.

A assessoria de imprensa do Exército também foi procurada, mas alegou não haver tempo hábil para responder aos questionamentos da reportagem.