Título: Terceiro turno interminável
Autor: Mader, Helena
Fonte: Correio Braziliense, 12/11/2012, Política, p. 2

Depois de quase 40 dias da corrida eleitoral, mais de 2.000 recursos contra políticos esperam julgamento no TSE, o que reforça proposta de antecipar convenções partidárias e o registro dos candidatos

A enxurrada de recursos apresentados ao Tribunal Superior Eleitoral para contestar o resultado das disputas municipais e o atraso no julgamento dos processos farão com que alguns dos políticos escolhidos pelo povo percam o cargo logo depois de tomarem posse. Para especialistas em direito eleitoral, a sobrecarga de trabalho no TSE depois da conclusão do pleito escancarou a necessidade de revisão das normas que regem as eleições no Brasil. Diante do impasse, ganha força a proposta de mudar o calendário eleitoral do país para antecipar as convenções partidárias e o registro dos candidatos. Este ano, o Tribunal Superior Eleitoral recebeu 7.944 recursos, mas, até agora, só julgou 5.129 processos. Os ministros da Corte ainda terão que avaliar 2.185 casos — ou 27% do total — para que as eleições de 2012 finalmente tenham um desfecho. E se confirme o nome do prefeito ou vereador.

O advogado Fernando Neves, ex-ministro do TSE, faz parte da Comissão de Reforma do Código Eleitoral criada no Senado para rever as regras dos pleitos no Brasil. Ele é o autor da proposta para antecipar em 60 dias as convenções realizadas pelos partidos e definir os candidatos de cada legenda. Hoje, esse processo é realizado no fim de junho e, pouco depois, já começam as campanhas. Assim, resta pouco tempo para os tribunais regionais eleitorais avaliarem eventuais pedidos de impugnação, o que leva ao risco de um concorrente percorrer as ruas em busca de voto sem que possa de fato tomar posse caso eleito. “Pela proposta apresentada, as convenções seriam realizadas no fim de abril, mantendo as datas de início das campanhas. Dessa forma, os candidatos fariam registro entre maio e junho e os tribunais teriam julho, agosto e setembro para julgar os eventuais recursos antes das eleições”, explica Neves.

Como essa comissão é presidida pelo ministro Dias Toffoli, integrante do TSE e do Supremo Tribunal Federal, os trabalhos do grupo ficaram comprometidos pelo julgamento do mensalão e também pelo excesso de trabalho no TSE. Os integrantes esperam acelerar a discussão sobre a reforma do Código Eleitoral nos primeiros meses de 2012, para elaborar um anteprojeto de lei e submetê-lo ao Senado. “Existe uma resistência por receio de que isso antecipe a campanha eleitoral. Mas esse é dos males o menor. Afinal, já começaram a discutir as eleições de 2014 agora”, comenta Fernando Neves.

O juiz eleitoral maranhense Marlon Reis, um dos idealizadores do projeto da Lei da Ficha Limpa, também é partidário da mudança do calendário eleitoral. “Da forma como é hoje, não pode ficar. Atualmente, a campanha e o registro de candidaturas se desenrolam ao mesmo tempo, o que não é razoável”, comenta. Ele defende uma antecipação ainda maior da data das convenções partidárias. “Se isso ocorresse em fevereiro, por exemplo, haveria tempo para julgar todos os processos antes das eleições. Se ficassem alguns casos para depois de outubro, seriam situações residuais”, acrescenta.

Para Marlon Reis, o excesso de processos e o consequente atraso na análise traz insegurança jurídica. “O problema é que o resultado pode mudar muito depois das eleições, o que causa uma insegurança grande no eleitor. A sociedade precisa ter a certeza de que aquele candidato, se eleito, poderá tomar posse e assumir o mandato”, justifica o juiz. Ele lembra que essa mudança no calendário eleitoral seria importante para adequar o código à realidade da Lei da Ficha Limpa. “A Justiça Eleitoral não está acostumada a um volume tão grande de demanda. A sociedade começou a cobrar uma postura mais proativa. Primeiro, por conta da lei que penalizou a compra de votos. Depois, com a Lei da Ficha Limpa. A saída, a meu ver, é antecipar o processo de registro de candidaturas para que esses pedidos sejam analisados com tempo e cuidado”, acrescentou o magistrado. Ele acredita que não haverá oposição à ideia entre os partidos políticos. “Se os candidatos ficarem expostos por mais tempo, isso vai ampliar o debate e a transparência. A sociedade deveria defender essa medida, pois teria mais tempo para ouvir sobre o passado e as realizações de seu candidato”, diz Marlon Reis.

Plenário Diante da sobrecarga de trabalho, boa parte das decisões do TSE têm sido proclamadas de forma monocrática, mas nesses casos ainda cabem recursos e, quase sempre, o processo fica pendente até que seja analisado em plenário, por todos os ministros. Mas como eles só se reúnem duas vezes por semana, o gargalo é grande. “O problema dessas decisões monocráticas é que, no agravo regimental, não cabe sustentação oral, o que é ruim para o Ministério Público e também para os advogados das partes”, explica a vice-procuradora-geral eleitoral, Sandra Cureau. Ela afirma que haverá mudança nos resultados das eleições deste ano por causa do excesso de impugnações. “Isso ocorrerá com certeza, pois muitos candidatos concorreram sub judice, ou seja, amparados por uma decisão judicial que lhes dava o direito de disputar as eleições, mesmo com o caso ainda em discussão. Em muitas situações, a decisão final deverá ser contrária ao candidato, que perderá seu registro ou, se já diplomado, perderá o mandato”, explica.

Sobre a proposta de antecipar as convenções e o registro, a vice-procuradora-geral eleitoral é reticente. “Nunca me detive a esse assunto, mas acho que isso anteciparia obrigatoriamente o início das campanhas, porque você não pode impedir um candidato com registro deferido de fazer campanha”, comenta Cureau. “E consequentemente, aí sim, os tribunais teriam muito mais trabalho pela frente”, acrescenta a procuradora.

O professor de direito da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em direito eleitoral Flávio Britto defende a mudança do calendário das disputas nacionais e municipais. Ele explica que é preciso rever as regras diante da nova realidade da Lei da Ficha Limpa. “Essa inovação exige uma reflexão quanto ao registro dos candidatos. Isso deveria ser feito no início do primeiro semestre para que os TREs e o TSE analisem os processos com antecedência e para que, na data da eleição, tudo esteja resolvido.”

Três perguntas para Vice-procuradora-geral eleitoral, Sandra Cureau

A senhora acredita que será possível analisar todos os processos até 19 de dezembro, data de diplomação dos eleitos? Em sessão do TSE, acredito que não. Talvez o que ocorram sejam decisões monocráticas, das quais cabem agravos regimentais ao plenário.

O número alto de recursos apresentados à Corte surpreendeu? Isso tem relação com a novidade da Lei da Ficha Limpa? O número de recursos em si não surprendeu, porque é sabido que as eleições municipais são sempre muito mais disputadas. Por outro lado, houve a aplicação da Lei da Ficha Limpa, o que acarretou um grande número de recursos.

Com o atraso na análise dos processos, haverá mudanças nos resultados? Com certeza. Quanto às eleições de 2012, no caso dos vereadores, uma decisão desse tipo é menos impactante do que no caso dos prefeitos eleitos, pois a frustração do eleitorado é maior nesta última hipótese.