O globo, n.31464, 29/09/2019. País, p. 04

 

Anticorrupção em baixa 

Natália Portinari 

Naira Trindade 

29/09/2019

 

 

Nas eleições de 2018, a agenda anticorrupção foi plataforma de campanhas vitoriosas e promessa de renovação política. Nos primeiros nove meses de 2019, porém, essa pauta acumula derrotas nos três Poderes. O pano de fundo dessa reversão de expectativas envolve parlamentares tentando sair da mira de investigadores, setores do Supremo Tribunal Federal (STF) insatisfeitos com supostos excessos da Lava-Jato, e o presidente Jair Bolsonaro descontente com inquérito do Ministério Público (MP) contra um de seus filhos. No horizonte, há novas articulações no Legislativo, além de julgamentos pendentes no STF, que teriam impacto negativo no combate à corrupção.

Na visão do jurista Walter Maierovitch, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), a sociedade começa a perceber que o discurso de campanha do combate à corrupção não se efetivou:

— Obstáculos vêm sendo criados. O próprio presidente da República, que tinha o discurso, já pratica atos contrários ao combate à corrupção. Basta ver as iniciativas em relação ao filho dele Flávio Bolsonaro sobre o episódio das rachadinhas no Rio de Janeiro. O Ministério Público do Rio investiga a suposta prática de rachadinha — apropriação de parte do salário de funcionários —no antigo gabinete de Flávio, hoje senador, na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). A pedido da defesa de Flávio, o presidente do STF, Dias Toffoli, concedeu liminar suspendendo todos os processos nos quais dados bancários detalhados de investigados haviam sido compartilhados por órgãos de controle sem autorização do Judiciário. A decisão foi criticada pelo então presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ), Roberto Leonel, o que irritou Bolsonaro. Leonel, indicado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, acabou exonerado, e o Coaf foi transferido do Ministério da Economia para o Banco Central, rebatizado como Unidade de Inteligência Financeira (UIF).

Congresso articula votar mais projetos com impacto em investigações Maierovitch menciona ainda a escolha de Augusto Aras para comandar a Procuradoria-Geral da República (PGR), uma vez que seu nome estava fora da lista tríplice eleita pelo Ministério Público Federal (MPF) e ele é crítico de supostos excessos da Lava-Jato. Após tomar posse dizendo que “a corrupção, os privilégios e as vantagens precisam acabar”, Bolsonaro tentou impor um nome à Superintendência da PF no Rio e ameaçou trocar o diretor-geral da corporação, Maurício Valeixo, à revelia de Moro. Na Receita, que Bolsonaro acusa de fazer uma “devassa” em sua vida e na de seus familiares, foi trocado o número 2 no comando do órgão.

Nas últimas semanas, com popularidade em queda, o presidente tentou se associar à imagem de Moro para ganhar de volta uma parcela do eleitorado que apoia irrestritamente a Lava-Jato e o combate à corrupção — e que se distanciou dele. Desceu a rampa do Palácio do Planalto abraçado ao ministro, caminhou ao lado dele no desfile de 7 de setembro, além de têlo citado no discurso na Organização das Nações Unidas (ONU).

—Ao perder popularidade, vai precisar se valer da pauta do combate ao crime organizado e à corrupção como a única bandeira que lhe restou. Isso porque o trabalho da equipe econômica, com tantas crises, precisa de tempo para se colher resultados — disse a senadora Simone Tebet (MDB-MS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

RISCO DE ANULAÇÕES

Para o cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getulio Vargas (FGV), o governo não tem a proteção do Legislativo e, por isso, um “choque exógeno”, como o andamento da investigação contra Flávio, o abalaria.

— Se o governo tivesse partido para uma coalizão majoritária (com os partidos), essas iniciativas de fragilização da Lava-Jato não seriam necessárias — disse Carlos Pereira. No Legislativo, a bancada do PSL, partido de Bolsonaro, é a segunda maior da Câmara, mas coleciona derrotas.

Desarticulada, não conseguiu impedir, por exemplo, a aprovação da reforma partidária e eleitoral, que permitiu o uso do fundo partidário para pagar advogados sem passar pela contabilidade das campanhas, o que abre brecha para a prática de caixa dois. Deputados articulam a votação de um projeto para proibir auditores fiscais de compartilharem informações com o MP sem autorização judicial. Devem analisar também uma proposta para restringir delações premiadas, impedindo acordos com réus presos.

Já o STF se prepara para julgar a prisão de condenados em segunda instância. O entendimento atual da Corte pode ser flexibilizado, permitindo que os réus permaneçam em liberdade por mais tempo.

No Congresso também foi aprovada a lei do abuso de autoridade, com punição a juízes que decretarem prisão fora de “hipóteses legais”. Decisão da semana passada do STF, por sua vez, pode anular condenações da Lava-Jato ao estabelecer que réus delatados devem apresentar alegações finais depois dos réus delatores.

Derrotas no Legislativo

Entre as medidas aprovadas pelo Congresso estão a lei do abuso de autoridade e a proposta que permite usar o fundo partidário para pagar advogados sem passar pelo caixa oficial das campanhas, o que abre brecha para a prática do caixa 2. Deputados tentam emplacar projetos como a proibição de que auditores fiscais compartilhem informações com o Ministério Público sem autorização judicial.

Reveses no Judiciário

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, proibiu, em liminar, que órgãos de controle compartilhem informações com investigadores sem autorização judicial. O STF também decidiu que processos da Lava-Jato sobre corrupção ligados a caixa 2 sejam remetidos à Justiça Eleitoral. A Corte se prepara para votar a possibilidade de condenados em 2ª instância ficarem em liberdade.

Ameaças do Executivo

O presidente Jair Bolsonaro tentou impor um nome para a Superintendência da Polícia Federal no Rio e ameaçou trocar o diretor-geral à revelia do ministro Sergio Moro (Justiça). Na Receita, que Bolsonaro acusa de fazer uma “devassa” em sua família, foi trocado o número 2 no comando do órgão. Já o procurador-geral da República foi escolhido fora da lista tríplice da categoria.