O globo, n.31464, 29/09/2019. Economia, p. 29

 

Nova chance 

Ramona Ordoñez 

Pedro Capetti

29/09/2019

 

 

A arrecadação de União, estados e municípios com o petróleo vai dobrar em cinco anos. Segundo cálculos da Agência Nacional do Petróleo (ANP) obtidos pelo GLOBO, a produção estimada em 1,2 milhão de barris diários das quatro áreas do pré-sal da Bacia de Santos, que serão ofertadas no megaleilão confirmado pelo Congresso para novembro, será capaz de abastecer os cofres públicos com R$ 52,5 bilhões por ano a partir de 2024. A cifra é muito próxima de tudo o que foi arrecadado em royalties e participações especiais (PEs) por toda a indústria do petróleo no país em 2018: R$ 55,2 bilhões. Considerando o Imposto de Renda a ser pago pelas petroleiras, a arrecadação dos quatro campos sobe para cerca de R$ 70 bilhões por ano. —Esse volume estimado de arrecadação fiscal equivale praticamente a uma reforma da Previdência — compara o diretor-geral da ANP, Décio Oddone, com os R$ 876 bilhões que o governo pretende economizar em dez anos com as novas regras para a aposentadoria.

— São estimativas, mas os números dão uma ideia do nível de grandeza a que vai chegar a arrecadação futura. O Rio, cujo litoral abriga os campos do megaleilão, será o mais beneficiado. No modelo de partilha adotado no pré-sal, que cobra das petroleiras fatia mais alta de participações governamentais, quase 60% da parcela de royalties são divididos entre estados e cidades produtores. Isso significa que a produção dos quatro campos será uma nova oportunidade para a recomposição das finanças do Estado do Rio e de cidades produtoras para fazer investimentos capazes de viabilizar o futuro sem o petróleo. A condição de estado produtor também garantiu ao Rio fatia maior que a de outras unidades da federação nos R$ 106,5 bilhões que devem ser arrecadados no leilão com bônus de assinatura, pelo direito de exploração. A União prometeu dividir 30% com todos os estados e municípios, e o Senado assegurou R$ 2,5 bilhões para o Rio, a serem confirmados na Câmara.

AMEAÇA NO STF

A perspectiva de reforço no caixa estadual e dos municípios, no entanto, está ameaçada por um julgamento também marcado para novembro no Supremo Tribunal Federal (STF). O plenário da Corte vai decidir sobre a constitucionalidade de uma lei aprovada no Congresso em 2012 que reduz drasticamente o repasse de royalties e PEs para regiões produtoras e redistribui esses recursos para todos os estados e municípios do país. A possibilidade de o STF derrubar a liminar da ministra Cármen Lúcia — que suspendeu a lei — preocupa governo estadual e prefeituras não só por causa da arrecadação futura. O efeito seria imediato sobre as receitas atuais do petróleo. O Rio tem 77% da produção nacional. Em Maricá, na Região dos Lagos, a queda na receita anual seria de 69% já em 2020, segundo a ANP. Na vizinha Saquarema, de 27%. As duas cidades também estariam entre as que mais perderiam os recursos futuros dos campos do megaleilão, já que o deslocamento da produção da Bacia de Campos para o pré-sal da Bacia de Santos também está alterando a geografia da distribuição dos recursos do petróleo no Estado do Rio. O litoral das duas cidades é confrontante com os quatro campos do leilão. Elas serão as grandes beneficiadas com a produção deles, assim como foram Macaé e Campos dos Goytacazes no auge da produção no Norte Fluminense.

— Se houver redução nos royalties, vamos ter que tirar o pé do acelerador e repensar os investimentos dos próximos anos com cautela. Queremos estruturar a cidade para projetos de longo prazo e não ficar dependentes do petróleo — diz Leonardo Alves, secretário de Planejamento de Maricá.

DEZ PLATAFORMAS

Oddone, da ANP, explica que as estimativas de arrecadação que serão geradas pelas quatro áreas do megaleilão consideram a instalação de dez plataformas, com capacidade de 150 mil barris por dia cada, na região, além de uma cotação internacional do barril do petróleo em torno de US $70 e do dólar em R$4. A expectativa é que essas plataformas comecem a entrar em operação a partir de 2024 de forma gradativa, atingindo o pico de produção ainda na próxima década. A atividade deve gerar uma demanda de investimentos pela indústria da ordem de R$ 1,7 trilhão até 2030.

‘UM RECADO PARA O RIO’

Para o diretor da ANP, a concentração desse impacto econômico no Rio dá nova oportunidade para o estado e suas cidades usaremos recursos para investirem infraestrutura e promover desenvolvimento econômico, evitando os exemplos de mau uso dessa riqueza que chamaram a atenção no passado recente. O gasto com custeio, pessoal, shows e até com um calçadão de porcelanato marcaram as primeiras décadas de bonança do petróleo em cidades produtoras do Rio. Oddone alerta que é preciso eliminara dependência dos royalties porque o petróleo tem preços instáveis e é finito:

—A perspectiva de recursos tem um recado para o Rio. Esse dinheiro tem que ser bem usado porque podemos dizer que é a última grande oportunidade de aproveitar esses recursos. Coma transição energética, os preços do petróleo vão cair no futuro. Não existe maldição do petróleo, o que existe é má gestão. Agente tem que aproveitar esses recursos de forma adequada. Para Rodrigo Meier Bornholdt, advogado especialista em royalties, o petróleo deveria financiar saúde e educação, desenvolvendo socialmente as regiões produtoras. Para ele, a melhor forma de garantir esses investimentos seria uma legislação com mais restrições ao uso dos recursos:

—O uso dos royalties é muito incerto, depende de quem está à frente da gestão, do grupo político local. O ideal seria carimbar parte dessa verba.

Erros do passado

Falta de planejamento dos municípios

Muitas cidades produtoras não aplicaram bem os royalties nos últimos anos. Em Rio das Ostras, uma calçada de porcelanato na orla tomou o lugar de obras de saneamento e virou símbolo do mau uso dos recursos.

Gasto com folha de pagamentos

Apesar de a legislação proibir o uso de royalties em folha de pagamentos, eles passaram a ser usados para pagar terceirizados ou aposentados. O Estado do Rio comprometeu R$ 128,5 bilhões da receita com aposentadorias.

Fundo soberano brasileiro sacado

Criado em 2008, o fundo com receitas do pré-sal foi criado para investimentos estratégicos. Em 2018, em meio à crise fiscal, a reserva foi usada para equilibrar contas públicas. Foram resgatados R$ 26,5 bilhões.

Potencial para o futuro

Investimento em saúde e educação

Para o advogado Tiago do Monte Macêdo, o ideal é investir em saúde e educação, que beneficiam gerações futuras. No entanto, é preciso antes reequilibrar as contas públicas para garantir isso.

Expansão da cobertura de saneamento básico

Investir em saneamento pode melhorar indicadores de saúde no futuro. Em Maricá, que tem R$ 1 bilhão por ano em royalties, a cobertura de esgoto é de 4,5%. A cidade criou plano para o setor.

Diversificação das atividades econômicas

Como reservas de petróleo têm fim, cidades precisam investir na diversificação da economia local, reduzindo a dependência dos royalties. Em Maricá e Saquarema há planos de polos industriais ou turísticos.

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Com royalties em risco, prefeituras temem colapso 

29/09/2019

 

 

A euforia em relação às perspectivas de arrecadação das áreas do megaleilão pode se transformar em um pesadelo para o Rio e seus municípios produtores se o Supremo valida ralei que redistribui royalties. Um estudo da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), obtido com exclusividade pelo GLOBO, dimensiona o risco de colapso financeiro no estado. Segundo o levantamento, coma redistribuição dos royalties, prefeituras do Rio perderiam R $30,1 bilhões de 2020 a 2023.

O governo estadual deixaria de arrecadar R$ 25,7 bilhões. O trabalho revela o impacto que isso poderia ter na vida dos habitantes das cidades mais afetadas. A perda de receita poderia inviabilizar serviços como o abastecimento de água em periferias ou a manutenção de 566 mil alunos no ensino público, além de colocar em risco quatro milhões de atendimentos nos sistemas de saúde municipais.

‘REPERCUSSÕES ECONÔMICAS’

No documento, a Firjan argumenta que eventual perda de royalties coloca em risco a própria sustentação financeira de prefeituras e aponta “repercussões econômicas de redução do emprego e renda.”

— Calculamos os impactos sociais considerando os orçamentos das cidades, que são pressionados pelo aumento populacional em razão do aumento da atividade do petróleo. Os recursos seriam reduzidos quando e lesmais precisam—diz Karine Fragoso, gerente de Óleo e Gás da Firjan. O Estado do Rio direciona 80% dos royalties para a capitalização de fundos de previdência, mas, como o pagamento de aposentadorias é uma despesa obrigatória, a redução dessas receitas afetaria gastos em áreas essenciais como saúde, educação e segurança, aponta a Firjan.

—As consequências seriam no mínimo desastrosas para todo o estado, que já vive condições difíceis. Não podemos sequer pensarem não ter esses recursos —diz o secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Lucas Tristão. Nos bastidores, prefeitos se articulam junto ao governador do Rio, WilsonWitzel,e parlamentares em Brasília par atentar influenciar o STF.

— Se essa partilha acontecer, vamos passar por dificuldades muito além das de hoje. Nossa atenção é total, mas temos que agir com cautela — diz o prefeito de Campos, RafaelDiniz, presidente da Organização dos Municípios Produtores de Petróleo.

Para o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Glademir Aroldi, o STF poderia ajudar as contas de todas as cidades do país coma redistribuição: —Lutamos pelo compartilhamento mais igualitário .( R. O. e P. C .)