O Estado de São Paulo, n. 46132, 06/02/2020. Metrópole, p. A14

 

Médicos usam remédios contra HIV e ebola para tratar novo coronavírus

Paula Felix

06/02/2020

 

 

Saúde. Especialistas tailandeses reportaram melhora de pacientes após 48 horas de uso coquetel de medicamentos para aids e ,HlNl e EUA trabalham com farmacêutica para desenvolver tratamento; chineses vão testar droga que já foi usada para conter surto na Africa 

Com 565 mortes e cerca de 28,2 mil infectados pelo novo coronavírus, especialistas recorrem a medicamentos contra HIV, H1N1, ebola e à medicina tradicional chinesa para tratar pacientes. A doença, reportada pela primeira vez na China em dezembro, já chegou a outros 24 países.

No domingo, a Tailândia anunciou que pacientes apresentaram melhora 48 horas após serem tratados com uma combinação de medicamentos para HIV e altas doses do oseltamivir, usado no tratamento de H1N1. Os Estados Unidos trabalham com uma farmacêutica, que já desenvolveu tratamento para o ebola, com o intuito de criar uma droga para o vírus.

O coquetel foi dado a pacientes em estado grave, incluindo uma chinesa de 70 anos, da cidade de Wuhan, epicentro do surto. Ela apresentou testes positivos para o vírus por dez dias e, 48 horas após o tratamento, o resultado deu negativo. Apesar da boa expectativa, médicos do Rajavithi Hospital, em Bangcoc, onde o tratamento foi feito, ainda não consideram a opção como cura e dizem ser preciso fazer mais estudos para definir se este é um tratamento-padrão.

Na Tailândia, foi feita a combinação de lopinavir e ritonavir com o oseltamivir, conhecido pelo nome comercial Tamiflu, este em uma dose elevada. Segundo o hospital, dois pacientes que receberam abordagem semelhante tiveram reação alérgica e outro melhorou.

“É um novo vírus. Não há resposta terapêutica e algo tem de ser feito para não perder o doente. Quando vão fazer estudo clínico, pesquisadores comparam grupos que receberam o tratamento e os que não receberam. Essa situação (do coronavírus) é uma operação de guerra e as pessoas são obrigadas a fazer algo com o que têm nas mãos”, explica Jean Gorinchteyn, infectologista do Instituto Emílio Ribas.

Professor de Infectologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretor clínico do Grupo Fleury, Celso Granato diz que alguns esquemas de tratamento são propostos para encurtar o processo de desenvolvimento de uma droga, considerando a necessidade. “Quando tem algo marcante e grave, não dá tempo de fazer ensaio clínico para validar uma droga nova, o que dura muitos anos. Nesse caso, faz uso compassivo, dá o medicamento sem saber se faz mais mal do que bem e tem a evidência de que é melhor do que deixar o paciente morrer. Remédios para HIV são usados normalmente e já se conhece o grau de risco. O Tamiflu também é muito seguro.”

Nos EUA, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos ampliou acordo com a farmacêutica Regeneron para desenvolver um tratamento. A parceria, desde 2017, tem como foco remédios para doenças que põem a saúde pública em risco. Um deles foi o tratamento para o ebola, usado em 2019 na República Democrática do Congo, com aumento significativo de taxas de sobrevida. A proposta,

Pelo menos 50 estudos científicos foram publicados em janeiro sobre o novo coronavírus, segundo levantamento da revista Nature. O cálculo não inclui pesquisas publicadas somente em chinês.

agora, é produzir anticorpos monoclonais, cópias de um único tipo de anticorpo produzidas em laboratório. Esses anticorpos seguem certas proteínas do vírus e conseguem neutralizar a capacidade do patógeno de infectar células humanas.

Alternativa. Na China, médicos também têm usado medicamentos para HIV, tendo como base estudo de 2004 que apontou respostas favoráveis em casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), que matou cerca de 800 pessoas em 2002 e 2003. Além disso, autoridades têm recomendado a integração da medicina tradicional chinesa, por meio de substâncias que têm ingredientes antivirais ativos, e a medicina ocidental. Cientistas chineses já publicaram estudos sobre o uso da medicina tradicional chinesa para aliviar sintomas da Sars.

Ontem, Pequim disse que um remédio para ebola, Remdesivir, será testado em ensaios clínicos. Informou ainda que 892 pacientes infectados receberam alta e o tempo de permanência hospitalar variou de 5 a 20 dias. Pacientes só recebem alta depois que os sintomas desaparecem e após teste de ácido nucleico com resultado negativo duas vezes. Pacientes de Wuhan ainda permanecem no hospital de 10 a 12 dias após essas etapas.

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Aviões para resgatar brasileiros em Wuhan deixam o País

Felipe Frazão

06/02/2020

 

 

Grupo passará por exame antes do embarque e será testado durante voo; isolamento previsto é de 18 dias

Dois aviões da frota presidencial deixaram o País ontem para resgatar brasileiros em Wuhan, cidade da China que se tornou o epicentro do coronavírus. A previsão é que o grupo retorne no sábado, quando será colocado em quarentena de 18 dias na base aérea de Anápolis (GO).

No total, o governo vai repatriar 34 brasileiros em Wuhan, mas o número pode aumentar até amanhã, data prevista para chegada na China e imediato retorno, disse o secretário de Economia, Finanças e Administração da Aeronáutica, tenente-brigadeiro do ar Marcelo Kanitz Damasceno.

Questionado pelo Estado sobre o fato de países europeus e o Japão já terem iniciado o resgate de seus cidadãos, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva disse que as condições são "diferentes". O Brasil só decidiu realizar a busca no domingo. A missão foi planejada e preparada, com envio de equipamentos do Rio, em 48 horas. "Olha as distâncias, os recursos que eles têm. A Força Aérea não tinha avião para buscar, esse aí é do presidente."

O Comando da Aeronáutica destacou dois aviões "emprestados" da frota presidencial para realizar a missão – os modelos Embraer 190 possuem desenho interno para o transporte de autoridades. Eles não passaram por adaptações. Os dois VC-2 têm capacidade para 30 passageiros cada, fora equipes médicas e tripulação de 11 militares. Em cada aeronave, irão tripulantes e sete médicos, sendo seis militares e um infectologista especialista em epidemias do Ministério da Saúde. Além disso, haverá um cinegrafista da Empresa Brasil de Comunicação.

Após inspeções e exames feitos por autoridades chinesas no aeroporto, só serão liberados para embarque de volta ao País aqueles que não apresentarem sintomas de infecção pelo coronavírus. "Todas as pessoas que vão embarcar estão sadias, não há nenhuma evidência do vírus", disse Damasceno. Como os passageiros resgatados podem apresentar sintomas durante o voo, equipes médicas foram treinadas pelo Instituto de Medicina Aeroespacial para fazer uma evacuação e instalar equipamento "bolha" para isolar o paciente. Médicos usarão máscaras para evitar infecção no contato com passageiros.

Os 34 passageiros serão divididos entre as duas aeronaves, para reduzir os riscos de infecção. O médicos também devem se revezar a cada três horas no contato com os passageiros. "E o pessoal chegando, inclusive nosso pessoal da Força Aérea, mais de uma dezena de militares, quando voltar também vão passar o carnaval em quarentena", disse o presidente Jair Bolsonaro. A chegada ao Brasil é prevista para a manhã de sábado. Os aviões param em Fortaleza, Las Palmas (Espanha), Varsóvia (Polônia) e Urumqi (China) antes de pousar em Wuhan.

Na volta, seguirão o mesmo trajeto. Ontem, o Senado aprovou um projeto de lei com regras para a quarentena. A proposta prevê a realização compulsória de exames em pacientes com suspeita de infecção.

62 horas

É a duração estimada da missão de resgate dos brasileiros.