O globo, n.31463, 28/09/2019. País, p. 12

 

Bolsonaro sanciona reforma eleitoral com brecha para caixa dois 

Daniel Gullino

Gustavo Maia 

Natália Portinari 

Naira Trindade 

28/09/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Presidente mantém pagamento de advogados e contadores por terceiros, mas veta nova regra para fundo eleitoral

O presidente Jair Bolsonaro sancionou ontem, com vetos, a reforma partidária e eleitoral, que flexibiliza regras para os partidos. Na decisão, o presidente chancelou a iniciativa do Congresso de regularizar uma prática que hoje é considerada caixa dois: o pagamento de advogados e contadores por terceiros, sem passar pelo caixa oficial das campanhas. Para especialistas em transparência de gastos públicos, a mudança abre brecha, inclusive, para a lavagem de dinheiro. Embora tenha atendido a uma parte dos pleitos do Congresso, os vetos provocaram insatisfação, em especial ao retirar da lei um artigo que estabelece critérios para o financiamento do fundo eleitoral, sob o argumento de que aumentariam os gastos públicos. Ontem, líderes partidários do centrão na Câmara já iniciaram articulação para tentar derrubar todos os vetos.

SESSÃO DO CONGRESSO

A estratégia do centrão, formado por DEM, PP, PL e SD, é pedir que Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado, inclua a reforma na sessão do Congresso agendada para a quarta-feira da semana que vem. A pressa é justificada pelo prazo exíguo para que as novas regras valham nas próximas eleições. Qualquer mudança na lei eleitoral deve ser promulgada até o início de outubro para valer no pleito de 2020. Um interlocutor de Alcolumbre disse ao GLOBO que o presidente do Senado já considera a possibilidade de adiantar a sessão do Congresso em um dia —para terça-feira que vem — com o objetivo de dar chance de os parlamentares derrubarem os vetos.

A mudança no calendário pode atrasar novamente a tramitação da reforma da Previdência, cujas votações na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e no plenário estão previstas para terça-feira. Ao sancionar o trecho que regulariza o pagamento de advogados e contadores fora da contabilidade oficial das campanhas, Bolsonaro deu aval a um dos pontos de maior discórdia. Pelo texto da reforma, esse tipo de despesa deve ser declarada como gastos eleitorais, mas não entra no teto dos gastos de campanha. Outro trecho sancionado por Bolsonaro e criticado por especialistas é o que permite o uso do dinheiro do fundo partidário para compra ou locação de bens móveis e imóveis, construção de sedes e afins, e na realização de reformas.

— A preocupação que resta é de haver recursos públicos podendo pagar escritórios de advocacia e contabilidade porque dá margem para que se contrate determinado serviço por um valor alto e depois esse recurso possa retornar na forma de um caixa dois. De qualquer maneira, o que havia de pior foi evidentemente vetado — defendeu Gil Castelo Branco, da ONG Contas Abertas, ao Jornal Nacional. Depois de enfrentar uma semana de desgaste por ter convocado às pressas a sessão do Congresso que derrubou parte dos vetos de Bolsonaro à lei de abuso de autoridade, Alcolumbre não se pronunciou ontem sobre a decisão do presidente em relação à lei eleitoral.

VALOR DO FUNDÃO

Entre os itens vetados por Bolsonaro que interessam aos deputados e senadores derrubar, está o que estabelecia uma regra para o cálculo do valor do fundo eleitoral. Abastecido com recursos públicos, o fundão foi criado às pressas para bancar as eleições de 2018 pelos parlamentares depois de o financiamento privado de campanha ser proibido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2016. O problema, segundo parlamentares, é que, no arranjo de última hora para a sua criação, a lei aprovada pelo Congresso, em 2017, previu um mínimo de R$ 1,7 bilhão para 2018, mas não estipulou como ficaria nos anos seguintes. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), está entre os que argumentam que, para garantir o financiamento público das eleições em 2020, é necessário aprovar um novo parâmetro.

Com esse argumento, os parlamentares aprovaram este mês a previsão de que o valor do fundo eleitoral deve ser definido anualmente nas votações do Orçamento. Com o veto de Bolsonaro, é retomada a regra de 2017, e o valor mínimo do fundo seria mantido em R$ 1,7 bilhão, a depender da interpretação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Bolsonaro afirmou, ao vetar a regra, que, se a sancionasse, poderia haver aumento de gastos públicos.

Para um líder do centrão ouvido pelo GLOBO, a mudança proposta pelo Congresso, vetada pelo presidente, colocaria o governo em uma “saia-justa”. Sem um critério para se embasar, o governo teria que assumir a responsabilidade de propor aumento do fundo, e não poderia dizer que ocorreu por causa da lei, como fez Bolsonaro após enviar ao Congresso um Orçamento com fundo eleitoral de R$ 2,5 bilhões. A intenção dos dirigentes é

Líderes do centrão articulam derrubada de vetos do presidente na nova legislação de aumentar o fundo de 2020 na lei orçamentária, votada no fim deste ano, para mais de R$ 3 bilhões. O valor almejado pelos partidos deve ser próximo ao sugerido em julho pelo relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), Cacá Leão (PP-BA), de R$ 3,7 bilhões. Também foram vetadas por Bolsonaro a recriação da propaganda partidária na TV, extinta em 2017, e a permissão do uso do fundo partidário para pagamentode multas, além da mudança do momento em que as candidaturas são avaliadas pela Justiça Eleitoral que abria a possibilidade de eleição de políticos barrados pela Lei da Ficha Limpa. O trecho retirado da lei determinava que a aferição das candidaturas deveria ocorrer até a posse, e não mais no momento do registro. Outro ponto vetado foi a permissão para compra de passagens aéreas de não filiados.