Correio braziliense, n.20544, 22/08/2019. Economia, p.10

 

Simpes, correto e urgente

Simone Kafruni

​22/08/2019

 

 

SEMINÁRIO » A receita de autoridades e especialistas para o crescimento passa pela discussão dos impostos. Essa foi uma das conclusões do Correio Debate - Ética concorrencial e simplificação tributária. Sonegação e judicialização estiveram em pauta

A complexidade da legislação tributária do país favorece a sonegação e os abusos éticos, provoca um alto grau de judicialização e compromete a competitividade das empresas brasileiras. Com a sinalização do governo de que a reforma tributária está na pauta prioritária, o momento é propício para ampliar a discussão sobre uma simplificação dos impostos. Essas foram as principais conclusões das autoridades e especialistas que participaram, ontem, do Correio Debate — Ética concorrencial e simplificação tributária, realizado no auditório do jornal, com apoio da Associação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis, Lubrificantes, Logística e Conveniência (Plural) e do Combustível Legal.

A importância do seminário foi ressaltada pelo diretor-presidente do Correio, Álvaro Teixeira da Costa, sobretudo por conta do momento pelo qual passa o país. “Estamos numa encruzilhada. Ou vamos subir como um foguete ou vamos perder mais uma oportunidade. Temos que fazer com que esse país avance. Existem, hoje, problemas graves na tributação, que precisa ser simplificada”, disse.

Simplificação tributária e ética concorrencial são dois temas de extrema relevância para a indústria de combustíveis, afirmou o presidente da Plural, Leonardo Gadotti. “O setor é o que mais arrecada nas 27 unidades da Federação. São R$ 150 bilhões por ano em impostos, com uma complexidade enorme, não só em nível estadual, com regras que mudam frequentemente, como também em nível federal”, assinalou. O executivo alertou para outro problema perverso provocado pela complexidade do sistema tributário: a sonegação. “Estudos recentes apontam que chega a R$ 7,2 bilhões só no setor de combustíveis”, revelou.

Na abertura do seminário, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, destacou que a judicialização tributária é um mal ao Estado e que os tribunais estão atolados de processos questionando impostos, porque a legislação favorece o abuso ético. O ministro explicou que, no Brasil, só é competitivo quem sonega, porque o sistema tributário é muito complexo. “O sonegador tem um grau de eficiência maior, e nem sempre quem descumpre a norma está conscientemente inadimplente, porque as regras mudam o tempo todo”, afirmou.

Segundo o presidente do STJ, tanto a sua Corte quanto o Supremo Tribunal Federal (STF) têm pendências de mais de 10 anos. “Vivemos um ajuizamento excessivo. O Brasil é o país da judicialização”, assinalou. “O abuso ético pode ser do ente público em questões de tarifas ou de empresas menos escrupulosas. E trava o país. É hora de buscar uma solução”, ressaltou. Noronha afirmou que é preciso modernizar “o capenga sistema judiciário” do país. “No STJ, investimos em inovação, mas, num país com o espírito de alta litigiosidade como Brasil, não há tecnologia que vença”, assinalou. “É hora de criar uma Corte especial, para que as coisas não demorem tanto”, sugeriu.

Previsibilidade

O presidente do STJ ressaltou que o país passa por um momento extremamente difícil. “Quando a gente pensa que vai melhorar, piora. Quando não estamos perplexos, estamos preocupados. Não conseguimos instalar um ambiente de segurança jurídica, de previsibilidade, no país”, disse. Noronha declarou que até o passado é imprevisível no Brasil. “Não é brincadeira. Olhando as demandas na Justiça, são comuns ações discutindo planos de 15, 20 anos atrás”, revelou.

Segundo ele, há 30 anos se fala em segurança jurídica e se promete reforma tributária. “Temos profundas distorções tributárias, que promoveram guerras fiscais, criaram contenciosos entre estados”, afirmou. Essa complexidade tem consequências, garantiu. “Eleva o nível de litigiosidade. A tributação desproporcional e a cumulatividade levam a uma reação por parte do contribuinte, que busca a todo instante discutir a redução dessa carga tributária na Justiça”, destacou.

Porém, de acordo com Noronha, não é a Justiça a sede para essa negociação. “A reforma tributária é necessária. E a casa adequada para essa discussão é o Congresso Nacional”, orientou. “Falamos em eficiência. É hora de criar no Brasil, como já se criou na Europa, um imposto de valor agregado, com base ampla de bens e serviços. Com crédito abrangente, uma única alíquota”, defendeu.

Frase

"A tributação desproporcional e a cumulatividade levam a uma reação por parte do contribuinte, que busca a todo instante discutir a redução dessa carga tributária na Justiça”

João Otávio de Noronha, presidente do Superior Tribunal de Justiça

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Os tipos de devedores

Maria Eduarda Cardim

22/08/2019

 

 

A solução para reduzir a excessiva judicialização de matérias tributárias e combater a figura do devedor contumaz passam pela identificação correta dos tipos de inadimplentes, defendeu o advogado tributarista Hugo Funaro. “O que não se quer é mais litigiosidade. O que se quer são normas claras, que vão ser cumpridas e que têm respaldo judicial. Então, é preciso se levar em consideração que há diferentes tipos de devedores”, indicou.

Funaro apontou três tipos de inadimplentes: o eventual, o reiterado e o contumaz. O devedor eventual é aquele que, vez ou outra, não recolhe tributos, por esquecimento ou outro motivo. “Qualquer um que se esquece de pagar Imposto de Renda e paga em atraso, poderá ser considerado um devedor eventual”, explicou.

Já o reiterado não paga o tributo por um certo tempo, mas não o faz para empreender. “Muitas vezes, esse devedor não paga por causa da dificuldade de determinado momento econômico, no qual precisa escolher entre os tributos ou pagar os funcionários”, afirmou. Por último, o devedor contumaz é quem possui uma inadimplência substancial, reiterada e injustificada. “São empresas que fazem da falta de pagamento do tributo o próprio objetivo social”, ressaltou.

O advogado explicou que cada um precisa ser autuado de forma específica. O devedor reiterado precisa ser cobrado com critérios especiais de tributação, enquanto o contumaz precisa ser impedido de atuar no mercado. “O projeto de lei do Senado 284 prevê isso com critérios”, sustentou. O PLS 284/2017 surgiu justamente da necessidade da regulamentação que caracteriza os devedores contumazes.

Frase

"O que não se quer é mais litigiosidade. O que se quer são normas claras, que vão ser cumpridas e que têm respaldo judicial”

Hugo Funaro, advogado tributarista

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O mal da sonegação

Luiz Calcagno

22/08/2019

 

 

O devedor contumaz é um desafio para a administração tributária, porque usa o dinheiro do poder público para crescer artificialmente. A afirmação é do gerente de combustíveis da Receita Estadual da Secretaria de Estado de Goiás, Fernando César Ganzer. Segundo ele, com a sonegação de impostos, o contumaz causa prejuízos não só ao governo. “A população sente o impacto, pois a verba sonegada financiaria iniciativas do Estado”, disse.

O cliente também é prejudicado, pois o devedor contumaz cobra de seus fregueses o valor do imposto sobre o produto. Sobretudo, quem atua assim promove uma concorrência desleal, comprometendo a livre iniciativa e o mercado, uma vez que os empresários que cumprem com as obrigações tributárias perdem competitividade.

Ganzer também defendeu a aprovação do Projeto de Lei do Senado (PLS) 284/2017 como uma forma de fortalecer o combate à prática de sonegação contumaz de impostos, pois prevê, em último caso, a cassação do estabelecimento e a suspensão das atividades. “Em Goiás, nós temos uma lei estadual para combater essas ações. É considerado devedor contumaz o contribuinte que não pagar por quatro meses seguidos ou oito meses intercalados”, explicou.

O gerente destacou, no entanto, que o PLS não anularia a legislação goiana. “Esse projeto nos fortalece um arcabouço jurídico mais robusto para a administração tributária. Faremos melhor o que já estamos fazendo. Um fato delicado, por exemplo, é justamente a suspensão ou cassação do estabelecimento”, exemplificou.

Frase

"A população sente o impacto, pois a verba sonegada financiaria iniciativas do Estado”

Fernando César Ganzer, gerente de combustíveis da Receita Estadual de Goiás