Correio braziliense, n.20541, 19/08/2019. Política, p.2

 

Discurso de bolsonaro sob crivo internacional

Rodolfo Costa

Ingrid Soares

19/08/2019

 

 

Poder » Especialistas, parlamentares e investidores avaliam que o mundo vê o Brasil com outros olhos, mas alertam que nações da Europa Ocidental apresentam restrições à postura radical do governo. Há incertezas até mesmo entre nações aliadas

Depois de selar o acordo entre a União Europeia e o Mercosul, no fim de junho, o Brasil voltou ao centro das atenções do mundo ao longo das últimas semanas. Não pela abertura de novos mercados ou tratados de livre-comércio, mas pelas declarações do presidente Jair Bolsonaro e polêmicas envolvendo o governo, como a provável indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) à embaixada brasileira nos Estados Unidos, em Washington. O discurso da radicalização, em uma postura de confronto com países como Argentina, Alemanha e Noruega, causa preocupações aos que temem pela “nova direção”, como define Bolsonaro, e incertezas, mesmo entre aliados.

O Correio ouviu especialistas, parlamentares com afinidade a outros países e investidores estrangeiros, e a conclusão é de que o mundo observa, sim, o Brasil com outros olhos. Representantes de países asiáticos, como Japão e China, e integrantes do Brics, Rússia, Índia e África do Sul, não demonstram muito incômodo com a postura do Executivo. Os principais focos de insatisfação em relação ao governo brasileiro estão na Europa Ocidental. “Há uma preocupação de que o Brasil tenha ultrapassado uma linha do razoável por conta de Bolsonaro. Ele passa um ar de soberba e arrogância. Não é bom, mas não é o fim dos tempos”, pondera um investidor europeu.

O próprio presidente defende o contrário. Na sexta-feira, sustentou que é sempre consultado por ministros e concorda em grande parte com as sugestões, embora tenha deixado claro que ele tem a palavra final. “Tenho poder de veto, se não vou ser um banana, ok? O povo não acreditou em mim? Então, a política é minha. Não é autoritarismo, mas hierarquia e disciplina. Tem que ter”, destacou. Apesar do que o presidente diz, a leitura do mundo sobre o Brasil piorou depois de ele sugerir, na última quinta-feira, que a Alemanha e Noruega, que suspenderam, juntas, cerca de R$ 285 milhões para o Fundo Amazônia — em resposta ao avanço do desmatamento na região —, usem as verbas para reflorestamento de suas matas nativas.

Na Argentina, onde Bolsonaro iniciou uma nítida campanha contra o vencedor das primárias nas eleições presidenciais, Alberto Fernández, o Brasil também passou a ser visto de outra forma: um populismo de direita. Mesmo nos Estados Unidos, onde Bolsonaro construiu um bom relacionamento com o presidente norte-americano, Donald Trump, democratas e a ala menos radical entre os republicanos observam a proximidade entre os países com um pé atrás.

Publicações estrangeiras têm feito críticas ao presidente. O RFI, da França, trouxe que “Bolsonaro é incapaz de construir discurso coerente”. O The Economist, da Inglaterra, aponta que “o desmatamento na Amazônia pode em breve começar a se retro desmatar”. No El País, da Espanha, o chefe do Executivo é o “novo vilão do mundo”

Mercosul

Não é toda a Europa que faz algum juízo de valor negativo do país. Mesmo na região Ocidental, a Itália e a Inglaterra, ambas sob influência ou comando de membros da direita conservadora, veem o Brasil bem posicionado na geopolítica. No Leste Europeu, o país é bem cotado por nações como Hungria e Polônia. No entanto, em um contexto macro, a preocupação é pela possibilidade de as declarações e ações de Bolsonaro colocarem em risco acordos internacionais, como o entre a União Europeia e o Mercosul.

O presidente refuta essa possibilidade. “Não vai atrapalhar (sobre os posicionamentos em relação à Argentina). Demorou muito, pois tinham mais três países (Argentina, Uruguai, Paraguai). Se fosse só o Brasil, já tinha resolvido, até de forma multilateral”, respondeu, na sexta-feira. Bolsonaro retrucou ainda a possibilidade de uma imagem desgastada do país no exterior.

“A imagem péssima que (o Brasil) tinha era de subserviência a essas potências (Alemanha e Noruega). Eles não estão de olho na Floresta Amazônia. Eles querem a sua soberania e sua riqueza. Nós, a Amazônia, temos coisas que os outros países não têm mais. Fico surpreso de ver a (chanceler alemã) Angela Merkel anunciando isso (suspensão de recursos), como se o país dela fosse algum exemplo para o mundo na questão da preservação ambiental”, declarou, na quinta-feira.

Frase

"Ele sempre foi assim, sempre teve discurso radical e acredita nessas coisas. Não é novidade, mas é importante desenvolver a política externa de forma mais cautelosa”

Cristiano Noronha, cientista político

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Peso nas relações

19/08/2019

 

 

Países dependentes de commodities brasileiras e que mantêm boas relações bilaterais, como os asiáticos, não se sentem incomodados pelos recentes posicionamentos de Bolsonaro. A China, por exemplo, considera que o relacionamento com o Brasil melhorou de abril até agosto. “Como acabaram os ataques, melhorou muito a relação. Como desejam impulsionar o agronegócio, eles até gostam do posicionamento do presidente”, afirma um parlamentar brasileiro com trânsito entre os chineses.

A narrativa de Bolsonaro de desenvolvimento econômico com preservação e sustentabilidade não afugenta os asiáticos. O presidente da Frente Parlamentar Brasil-Japão, Luiz Nishimori (PL-PR), pondera que, em São Paulo, o Brasil consegue atingir níveis de 94% de reaproveitamento e reciclagem de defensivos agrícolas nas lavouras. “Antigamente, era jogado fora. Hoje, recolhe e recicla. A Alemanha tem uma taxa de 70%, e os Estados Unidos, de 30%. O Japão é um grande parceiro do Brasil e deseja manter essa relação”, destaca.

Já o impacto das declarações de Bolsonaro no mundo é atenuado pelo coordenador de pós-graduação do Mackenzie, Márcio Coimbra, ex-diretor da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) na atual gestão. “A narrativa criada pelo presidente busca aproximá-lo de líderes e governos que dividem a mesma visão de mundo, ao mesmo tempo que aposta na renovação pela direita em países que hoje são objeto de suas críticas”, pondera.

Impacto

As colocações, no entanto, geram apreensão. Como a imagem do país está associada à figura do presidente em eventos mundiais, elas impactam negativamente, com consequências grandes e riscos de boicote aos produtos nacionais, analisa o cientista político Paulo Calmon, professor da Universidade de Brasília (UnB). “Essas declarações têm o potencial de afetar diferentes áreas. Mas pode ser revertido. Países em desenvolvimento costumam ter uma visão estratégica da sua imagem no exterior e envolvem equipes de especialistas no sentido de se apresentar como sério e crível junto ao mercado internacional”, avalia.

O cientista político Cristiano Noronha, vice-presidente da Arko Advice, avalia que o discurso de Bolsonaro não tem nenhum tipo de surpresa. Mas reconhece que o país não precisa abrir um confronto verbal com nações de primeiro mundo. “Ele sempre foi assim, sempre teve discurso radical e acredita nessas coisas. Não é novidade, mas é importante desenvolver a política externa de forma mais cautelosa. Esse tipo de discurso acaba tendo repercussão grande internacional. Parece que está descuidando do meio ambiente, e essa imagem é negativa”, conclui. (RC e IS)

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Candidato argentino critica “prepotência”

19/08/2019

 

 

O candidato favorito à Presidência da Argentina, Alberto Fernández, declarou à imprensa local que o seu país está “virtualmente” em “default” e prometeu não fechar a economia, como teme o Brasil. Fernández garantiu ainda que o acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia (UE) ainda “não existe” e criticou a “prepotência” do presidente Jair Bolsonaro. “Me incomoda a forma e a prepotência com que fala, entre outras coisas. Mas a verdade é que o Brasil é muito mais importante do que Bolsonaro”, disse. “Se Bolsonaro pensa que eu vou fechar a economia e que então o Brasil vai deixar o Mercosul, que fique tranquilo, porque não penso em fechar a economia. É uma discussão idiota.”