Título: Justiça a favor do cliente
Autor: Maia, Flávia
Fonte: Correio Braziliense, 12/11/2012, Cidades, p. 24

O cidadão, o lado mais frágil na relação com as empresas, tem sido beneficiado pelas decisões do STJ, que acabam balizando o comportamento dos tribunais de primeira instância

Embora o consumidor brasileiro esteja protegido por uma legislação específica de defesa, situações do dia a dia aparecem e pode ocorrer de a lei não contemplar aquela questão ou dar margem a distintas interpretações. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) sugere linhas gerais que precisam ser traduzidas de uma forma concreta e de acordo com o problema na relação de consumo.

Se a divergência entre o cliente e a empresa chegar à Justiça, ela pode acabar em instâncias superiores. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, tem entendimentos sobre diversas situações de consumo que podem servir para orientar os magistrados de todo o país na hora de tomar decisões. “Os juízes não precisam seguir propriamente o que o STJ decidiu, mas eles tendem a uniformizar o entendimento porque sabem o resultado quando a ação chegar na instância superior”, analisa Sueny Almeida de Medeiros, especialista em direito do consumidor.

Além de servir como orientação para os magistrados de todo o Brasil, para o consumidor, conhecer como o tribunal está analisando situações do cotidiano pode servir para que ele não caia em ciladas. “As decisões do STJ não têm aplicabilidade prática de forma efetiva na vida do consumidor. Mas, quando ele conhece como a Corte está entendendo problemas vivenciados no dia a dia, pode argumentar com o fornecedor. A informação é um bem precioso e pode evitar futuras dores de cabeça”, defende Cristhian Printes, advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Para o mercado, os julgamentos do STJ servem como ferramenta para definir ações de marketing e comportamentos empresariais. “O impacto de uma decisão contra uma empresa é mais do que uma recomendação, revela como o tribunal está traduzindo o Código de Defesa do Consumidor, sinalizando para o mercado a importância do respeito ao consumidor”, acredita Ricardo Morishita, professor da Fundação Getulio Vargas e ex-diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça.

Entendimentos Entre os temas relativos ao CDC que chegaram ao STJ estão a propaganda enganosa, o princípio da transparência, a informação dúbia, os desequilíbrios contratuais, planos de saúde e venda casada. Os últimos entendimentos das turmas do STJ demonstraram a tendência do tribunal de proteger o consumidor, conforme o princípio da vulnerabilidade proposto pelo Código de Defesa do Consumidor. Para a lei, o cliente é a parte mais frágil na relação de consumo.

Um exemplo de que o STJ tende a proteger o consumidor está relacionado às assinaturas de contratos. Se o documento tiver cláusulas dúbias ou maliciosas, a decisão geral é que ela deve privilegiar o consumidor. Outro caso foi o entendimento do STJ de que a expressão “diet por natureza” contida no rótulo de uma água mineral constituía propaganda enganosa, uma vez que a expressão “diet” é usada para produtos modificados destinados ao emagrecimento. Assim, a água mineral que é comercializada naturalmente, sem alterações na substância, não poderia ser definida como diet. O mesmo raciocínio foi aplicado no caso de uma cerveja com baixo teor de álcool que dizia na propaganda que era uma bebida com “zero álcool”.

O tribunal decidiu também que expressões como “assistência integral” e “cobertura total” das propagandas de planos de saúde devem ser seguidas à risca. Ainda em relação aos planos de saúde, para o STJ, as operadoras têm obrigação de informar a cada um dos segurados o descredenciamento de médicos e hospitais.

Venda casada Outra situação interessante foi o julgamento de venda casada na rede de cinemas Cinemark. De acordo com as regras do estabelecimento, o espectador só poderia comer na sala de projeção itens que ele comprasse na lanchonete do cinema. Para o tribunal, a exigência configurava venda casada. Dessa forma, em 2007, os juízes decidiram que o cidadão pode levar de casa ou comprar em outro estabelecimento os produtos que vão consumir durante a exibição do filme.

Quanto ao tratamento relativo a intervenções estéticas, o STJ vem decidindo que cabe ao profissional a responsabilidade de resultado. Diferentemente de outros profissionais da área de saúde, que não estão obrigados a curar um paciente em casos de doença diagnosticada, um cirurgião ou um ortodontista assumem o compromisso de que o resultado estético será alcançado.

Um ortodontista do Mato Grosso do Sul não conseguiu reverter a condenação de pagar indenização de R$ 20 mil a uma paciente. Ela entrou na Justiça questionando os procedimentos utilizados para a correção do desalinhamento da arcada dentária e mordida cruzada. Pediu ressarcimento dos valores alegando que o tratamento era inadequado e que a extração de dois dentes sadios teria lhe causado perda óssea.

Jurisprudência As decisões do STJ em relação ao consumidor não são vinculantes, isto é, não obrigam os juízes de outros tribunais espalhados pelo Brasil a seguir o que a corte decidiu. Os entendimentos do tribunal criam jurisprudência, uma referência para outros casos parecidos, mas que pode ser mudada se houver alteração na composição da turma que proferiu a decisão anterior.

“O impacto de uma decisão contra uma empresa é mais do que uma recomendação, revela como o tribunal está traduzindo o Código de Defesa do Consumidor, sinalizando para o mercado a importância do respeito ao consumidor” Ricardo Morishita, professor da Fundação Getulio Vargas e ex-diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça