Correio braziliense, n.20541, 19/08/2019. Cidades, p.17

 

Até escolas que rejeitaram projeto serão militarizadas

Ana Viriato

Sarah Peres

19/08/2019

 

 

Educação » Alegando que as votações têm apenas "caráter consultivo", o governador Ibaneis Rocha afirma que vai implementar gestão compartilhada com a Secretaria de Segurança nos dois colégios onde a comunidade decidiu não aceitar modelo

O governador Ibaneis Rocha (MDB) decidiu ignorar o resultado das consultas públicas no sábado a professores, pais e alunos de cinco escolas sobre a adesão à gestão compartilhada com a Polícia Militar e implementar o modelo mesmo nas unidades em que a proposta foi rejeitada. O Centro de Ensino Fundamental (CEF) 407 de Samambaia e o Gisno, na Asa Norte, disseram “não” ao projeto, enquanto o Centro Educacional (CED) 1 do Itapoã, o CEF 1 do Núcleo Bandeirante e o CEF 19 de Taguatinga optaram pela mudança. O Sindicato dos Professores do DF (Sinpro-DF) e deputados distritais da oposição estudam recorrer à Justiça para barrar a medida.

O chefe do Palácio do Buriti afirmou que a decisão de militarizar as cinco escolas baseia-se em estudos do governo. “Pelas nossas análises, a gestão compartilhada atende melhor a sociedade. Os indicadores mostram a necessidade do modelo. Além disso, a maioria dos pais e alunos dessas unidades votaram favoravelmente. Quem votou contra foi justamente a parcela que não quer o bem das escolas”, disse, sem dizer quem são essas pessoas.

Ibaneis alegou que as votações têm apenas caráter consultivo e, não, vinculante. “Foi uma forma de envolver a sociedade no debate. Mas a decisão está tomada. Só não vou implementar a gestão compartilhada nessas escolas se houver decisão judicial contrária”, assegurou. O governador deve definir o cronograma da entrada de militares nos centros de ensino hoje, em reunião com o secretário de Educação, Rafael Parente.

Diretor do CEF 407 de Samambaia, Rodrigo Soares afirmou que “conversará com a equipe e professores sobre a situação para firmar um posicionamento”. “Sei que o governador quer o melhor para as escolas e tem o apoio dos pais dos alunos”, pontuou.

O Correio tentou contato com Isley Marth, diretor do Gisno, mas não obteve retorno. No início deste mês, ele protagonizou uma polêmica em meio à discussão sobre a militarização. A Secretaria de Educação recebeu denúncias de que Isley e o Sinpro-DF teriam suspendido aulas para orientar os alunos a votarem contra o projeto.

Resultados

Nas escolas que rejeitaram a proposta, as votações foram apertadas. No CEF 407 de Samambaia, 77,55% dos profissionais negaram o modelo. Entre pais e estudantes, 60,32% disseram “sim” à militarização. O placar final registrou 58,49% dos votos válidos da comunidade escolar contra a mudança. No Gisno, 67% dos professores, assistentes e temporários e 54,7% dos alunos e responsáveis posicionaram-se pela rejeição da gestão compartilhada. No agregado, 57,66% barraram o projeto.

No caso do Gisno, haverá conferência do quórum de votantes do segmento pais, responsáveis e estudantes, hoje. É necessário que 10% deles tenham participado. No entanto, a lista de pessoas aptas a votar não foi feita no modelo para pleito. Se os pais têm mais de um filho na escola, por exemplo, podem ter figurado mais de uma vez na lista, enquanto o correto para aferição do quórum é constar apenas uma vez.

Apesar da divisão de opiniões, as votações ocorreram com tranquilidade. O estudante Bruno Teixeira, 17 anos, cursa o 1º ano do ensino médio no Gisno e acredita que a militarização traz mais segurança para a comunidade escolar. “Aqui na instituição, ocorrem furtos constantes que não são solucionados. Esse ano, levaram a minha carteira, por exemplo. Ou seja, falta mais disciplina e controle. Isso é oferecido com a presença de militares em uma instituição”, realçou.

Na contramão, Hilary Fehelberg, 18, acredita que as regras instituídas na militarização colocarão em xeque a possibilidade de debate e a identidade dos alunos. “Estudei em um colégio militar em 2013 e, a minha experiência, não foi a melhor. Para mim, eles tentam criar soldados, não pessoas que veem um espaço livre para a reflexão. Também não posso deixar de frisar as normas quanto a cabelo e vestimenta. Isso vai contra a diretrizes base da educação, que garantem a pluralidade de ideias e o direito da diversidade étnico-racial. Nós temos o direito de usarmos o cabelo, as roupas e a maquiagem que quisermos”, defendeu a estudante do 3º ano do ensino médio.

No último dia 10,  o Centro Educacional Condomínio Estância III, em Planaltina foi consultado e aderiu à gestão compartilhada. Considerando os quatro primeiros colégios incluídos no programa, o DF conta com 10 escolas militarizadas. A intenção do governo é que, a cada ano, 10 novos colégios passem pela mudança.

“Postura autoritária”

A decisão de Ibaneis Rocha provocou críticas do Sinpro-DF e de parlamentares. Rosilene Corrêa, diretora da entidade, afirmou que a postura do chefe do Executivo “é uma demonstração de autoritarismo”. “A Lei de Gestão Democrática estabelece a soberania das posições da comunidade escolar. E, ainda que essa legislação não existisse, seria ao menos razoável que o governador ouvisse as pessoas envolvidas no processo. As pessoas que o elegeram não têm que comungar com 100% do pensamento dele”, argumentou.

Em nota enviada à imprensa, o distrital Fábio Félix (PSol) defendeu o respeito à democracia escolar. “Trata-se de uma atitude ilegal e que ataca diretamente a autonomia dos docentes, diretores, estudantes e responsáveis que disseram não ao modelo. Fica evidente o desespero do governador ao constatar que, aos poucos, o modelo vendido como salvação da educação pública está sendo desmontado”, criticou.

Leandro Grass (Rede) adiantou que estudará as medidas cabíveis para barrar a decisão. “O governo fez um pacto com a sociedade e o desrespeitará. Ibaneis e a Secretaria de Educação não podem decidir tudo de forma unilateral. Esperávamos respeito ao resultado das votações”, declarou.

Vice-presidente regional da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Marcelo Acácio declarou que a entidade estuda a realização de um ato em protesto à decisão do governador. “Desde o início, houve falhas no diálogo, uma que vez que a militarização foi prevista em uma Portaria. O que vemos é que a voz dos estudantes, pais e professores não tem valor”, afirmou. O tema será discutido em audiência pública sobre a Lei de Gestão Democrática na Câmara Legislativa, na próxima quinta-feira.

» Resultados

Centro Educacional Gisno, Asa Norte

A favor da gestão compartilhada: 42,33%

Contra a gestão compartilhada: 57,66%

Centro de Ensino Fundamental 19 de Taguatinga

A favor da gestão compartilhada: 70,79%

Contra a gestão compartilhada: 29,21%

Centro de Ensino Fundamental 407 de Samambaia

A favor da gestão compartilhada: 41,38%

Contra a gestão compartilhada: 58,49%

Centro de Ensino Fundamental 1 do Núcleo Bandeirante

A favor da gestão compartilhada: 53,97%

Contra a gestão compartilhada: 47,03%

Centro Educacional 1 do Itapoã

A favor da gestão compartilhada: 67%

Contra a gestão compartilhada: 33%

» Regras

Com o convênio firmado entre as Secretarias de Educação e de Segurança Pública, as unidades de ensino terão acrescidos aos nomes o termo Colégio da Polícia Militar e serão submetidas à gestão compartilhada.

» Cada unidade escolar deve receber de 20 a 25 militares – PMs ou bombeiros que estão na reserva ou sob restrição médica;

» A Secretaria de Educação continua responsável pela parte pedagógica, enquanto os militares ficam com a gestão de aspectos disciplinares, administrativos e das atividades de contraturno.

» As escolas seguirão as Diretrizes Curriculares da Educação da rede. Contudo, PMs ministrarão disciplinas relativas à cultura cívico-militar, como ética e cidadania, musicalização, esportes e ordem unida;

» Os alunos receberão uniformes diferenciados, produzidos pela Fábrica Social;

» Meninas deverão usar coques e meninos, cabelo curto;

» Os responsáveis poderão acompanhar o dia a dia dos estudantes na escola por meio de um aplicativo, que irá informá-los sobre a frequência dos alunos, os horários de entrada e saída, o comportamento e o desempenho escolar.