Título: Dirceu, o mentor, pega 10 anos de cadeia
Autor: Campos, Ana Maria ; Almeida Amanda
Fonte: Correio Braziliense, 13/11/2012, Política, p. 2

Ex-ministro da Casa Civil terá de pagar R$ 676 mil de multa pelas condenações por corrupção ativa e formação de quadrilha. Ainda não há previsão para o início do cumprimento das penas

A pena imposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao ex-ministro chefe da Casa Civil José Dirceu por liderar o esquema de compra de apoio político no Congresso, conhecido como mensalão, é de 10 anos e 10 meses de prisão em regime inicialmente fechado. O petista que já foi considerado o segundo homem mais importante da República terá de passar uma temporada de, no mínimo, 21 meses numa penitenciária de segurança máxima ou média antes de pleitear a progressão do regime para o semiaberto. O benefício será concedido pela Justiça se Dirceu tiver bom comportamento e não se envolver em conflitos na cadeia.

Quando conseguir o sistema semiaberto, Dirceu será transferido para uma colônia agrícola, onde poderá trabalhar fora. Depois de um ano e meio — mais um sexto da pena —, terá condições de passar ao regime aberto. Para reivindicar benefícios, no entanto, Dirceu precisa quitar a multa estabelecida ontem pelo STF pela participação nos crimes, de 260 dias-multa, o correspondente a R$ 676 mil. Depois de três anos e sete meses de pena, o petista passará à liberdade condicional, ou seja, livre da prisão.

O cálculo da pena de Dirceu logo no início da sessão de ontem surpreendeu ministros do STF. Joaquim Barbosa decidiu tratar do assunto na abertura dos trabalhos, embora o cronograma previsse que as imputações relacionadas ao chamado núcleo financeiro seriam discutidas em plenário ontem. Irritado com a inversão da pauta, o revisor, Ricardo Lewandowski, chegou a se retirar do plenário (leia matéria na página 5).

Considerado o chefe do esquema do mensalão, José Dirceu recebeu a pena de dois anos e 11 meses de prisão por formação de quadrilha. O relator do mensalão, Joaquim Barbosa, fixou pena base de dois anos e seis meses, bem acima do mínimo previsto pelo Código Penal, de um ano, para esse crime. O máximo é de três anos. O relator considerou a gravidade dos fatos que envolveram a compra de deputados e presidentes de partidos, num esquema de desvios de recursos públicos e lavagem de dinheiro.

A punição por formação de quadrilha ainda foi agravada pela liderança do petista no esquema. Por esse motivo, a pena aumentou em um sexto, de acordo com o que prevê o artigo 62 do Código Penal. Mesmo dispositivo foi aplicado nos cálculos feitos pelos ministros para o chamado operador do mensalão, Marcos Valério, considerado o líder do núcleo publicitário.

Do mesmo modo, na condenação por corrupção ativa, Dirceu recebeu uma pena mais severa que outros integrantes do chamado núcleo político — o ex-presidente nacional do PT José Genoino e o ex-tesoureiro Delúbio Soares. Pela participação nesse crime, o ex-chefe da Casa Civil teve uma punição de sete anos e 11 meses. Genoino levou quatro anos e 8 meses. Delúbio, um pouco mais: seis anos e oito meses. (leia matéria na página 3). Pela Lei da Ficha Limpa, José Dirceu também está inelegível em decorrência da condenação. A impossibilidade de concorrer a mandatos eletivos vale pelo período que durar a pena (10 anos e 10 meses) e mais oito anos após o cumprimento desta. Total é de 18 anos e 10 meses.

Embora seja considerado o mentor do esquema e o chefe da quadrilha, Dirceu teve uma pena bem mais baixa do que a fixada para Marcos Valério. A soma das punições aplicadas ao empresário mineiro ultrapassa 40 anos de prisão, quase quatro vezes mais do que a do petista. A diferença decorre da própria denúncia. Enquanto Valério foi acusado de crimes como evasão de divisas, lavagem de dinheiro e peculato, além de corrupção ativa e formação de quadrilha, Dirceu foi denunciado em 2005 pelo então procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, por peculato. Nesse ponto, no entanto, os ministros rejeitaram a denúncia.

Demora Ainda não há previsão para o início do cumprimento das penas. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu a decretação imediata das prisões dos condenados assim que o julgamento for encerrado, o que deve ocorrer até o fim de novembro. O pedido será levado ao plenário, para deliberação por Joaquim Barbosa.

O relator tem a prerrogativa de decidir monocraticamente sobre as prisões, como fez com a determinação de que os 25 condenados entreguem até hoje os passaportes, como medida para evitar eventuais tentativas de fuga. Barbosa, no entanto, vai dividir a decisão sobre as prisões com os colegas em plenário. Pela jurisprudência do STF, a prisão só ocorrerá com o trânsito em julgado das condenações, o que ainda vai demorar. O Supremo deverá publicar também o acórdão com cerca de 10 mil páginas com todas as manifestações.

A partir da publicação do acórdão, advogados terão a oportunidade de apresentar embargos de declaração, para esclarecer pontos obscuros na decisão, e embargos infringentes. Há ainda previsão de recursos, o que dá uma margem elástica para a defesa tentar esticar o tempo, evitando as prisões.

18 anos e 10 meses Tempo que José Dirceu ficará inelegível pela Lei da Ficha Limpa. O ex-ministro da Casa Civil tem 66 anos.

As diferenças Regime aberto Para penas de até quatro anos. Pode ser convertido em prestação de serviços ou por pena restritiva de direitos. O condenado dorme em casa de albergado, o que não é comum, ou na própria casa e também trabalha fora do presídio. Precisa se apresentar à Justiça esporadicamente e deve ter bom comportamento. O condenado será transferido do regime aberto, se praticar fato definido como crime doloso, se frustrar os fins da execução ou se, podendo, não pagar a multa aplicada na sentença.

Regime semiaberto Penas entre quatro e oito anos. É executado em colônia agrícola, industrial ou similar. O condenado dorme no presídio e pode trabalhar fora da prisão, desde que cumpra um sexto da pena com prestação de serviços internos, segundo lei de execuções penais. Há, no entanto, precedentes, inclusive, no STF, de liberações para trabalho externo até antes desse prazo. Para cada três dias de trabalho ou 12 horas de frequência escolar, há o abatimento de um dia de pena.

Regime fechado Penas acima de oito anos. É cumprido em estabelecimento de segurança máxima ou média. O condenado fica sujeito a trabalho de dia, dentro do estabelecimento, de acordo com as aptidões ou ocupações anteriores do condenado, desde que compatíveis com a execução da pena. O trabalho externo é admissível em algumas situações para serviços ou obras públicas, desde que autorizados pela Justiça.

Progressão do regime Nos crimes não hediondos, como é o caso dos ilícitos relacionados ao esquema do mensalão, o condenado passa a fazer direito a progressão do regime, de fechado para semiaberto e do semiaberto para aberto, depois de cumprir um sexto da pena.

Liberdade condicional O condenado passa a ter o direito de liberdade condicional, pela qual fica livre de qualquer punição após o cumprimento de um terço da pena, desde que tenha bom comportamento na prisão.