Correio braziliense, n.20546, 24/08/2019. Mundo, p.10

 

Putin ameaça EUA

Rodrigo Craveiro

24/08/2019

 

 

Cinco dias depois de os Estados Unidos testarem um míssil de alcance médio (o primeiro executado pelo país desde a Guerra Fria), o presidente da Rússia, Vladimir Putin, determinou ao seu governo uma “resposta simétrica”, intensificando os temores de nova corrida armamentista. “Ordeno aos Ministérios russos da Defesa e das Relações Exteriores que examinem o nível da ameaça para nosso país pelos atos dos Estados Unidos, e que sejam adotadas medidas exaustivas para preparar uma resposta simétrica”, afirmou Putin, durante reunião do Conselho de Segurança russo. “Está claro que (o teste de mísseis dos Estados Unidos) não foi resultado de improvisação, mas mais um elo em uma cadeia de eventos planejada há muito tempo”, acrescentou.
O lançamento do míssil ocorreu no domingo, próximo à Ilha de San Nicolas, na costa da Califórnia, e representou a confirmação do fim do Tratado de Armas Nucleares de Alcance Intermediário (INF, pela sigla em inglês). O pacto bania a utilização por parte da Rússia e dos EUA de mísseis terrestres com alcance de 500km a 5.500km e capazes de transportar ogivas atômicas. Washington acusa Moscou de violar o INF ao desenvolver o míssil 9M729, que pode atingir alvos a 1.500km. No entanto, o Kremlin nega a posse de tal armamento.
Lilia Shevtsova, chefe do Programa de Política Doméstica Russa do Carnegie Endowment for International Peace (em Moscou), explicou ao Correio que Putin tem buscado suavizar a relação com o Ocidente, apesar da retórica assertiva. “Ele definitivamente não deseja mais confrontação com os norte-americanos. Ao mesmo tempo, precisa equilibrar o humor em seu próprio ambiente, principalmente entre a parte agressiva da elite e assessores que anseiam pela normalização das relações com o Ocidente”, disse. “Como estrategistas militares sustentam, a Rússia dispõe de todos os meios para dar uma resposta adequada aos Estados Unidos, mas não pode se dar o luxo de uma corrida armamentista. Putin continuará a falar sobre resposta simétrica. No entanto, ele entende que Moscou não pode competir com Washington”, acrescentou.

Ironia

 

Por sua vez, Steven Pifer — ex-embaixador dos Estados Unidos em Varsóvia, Londres e Moscou — considera irônico o fato de Putin ordenar uma resposta simétrica ao teste norte-americano do último domingo. “A Rússia já testou o 9M729, um míssil de cruzeiro de alcance  intermediário. Foi essa violação do INF que levou os EUA a se retirarem do tratado, o que fizeram, de fato, em 2 de agosto.” Com a experiência de quem atuou como conselheiro da delegação da Casa Branca nas negociações sobre forças nucleares de alcance intermediário em Genebra, Pifer ressaltou que o único acordo remanescente que restringe as armas atômicas de EUA e Rússia é o Novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas (Start).
“O novo Start expira em 2021, e Washington ainda não aceitou a oferta de Moscou para debater a extensão do tratado. Trata-se de um erro: a ampliação do prazo do novo Start seria de interesse de ambos os países. Com a sua extinção, não haverá acordos juridicamente vinculativos limitando forças nucleares das potências. Isso poderia abrir o caminho rumo a uma corrida armamentista, ainda que armas atômicas não sejam baratas, e que os orçamentos de defesa de Moscou e Washington representem um fator limitante”, advertiu Pifer. Shevtsova também defende que o novo Star seja atualizado em até dois anos, ou correria o risco de entrar em colapso. “Vivemos um momento muito perigoso. Mas, ao mesmo tempo, apesar da retórica, EUA e Rússia compreendem a gravidade da situação e espero que comecem a conversar em breve.”
A Rússia e a China condenaram de forma imediata o teste  norte-americano, denunciando o risco de uma “escalada das tensões militares” e de uma retomada da corrida armamentista. Moscou denuncia o sistema de defesa antimísseis dos EUA Aegis Ashore, implantado na Polônia e na Romênia, e que poderia ser utilizado para enviar mísseis contra o território russo.
“Ordeno aos Ministérios russos da Defesa e das Relações Exteriores que examinem o nível
da ameaça para nosso país pelos atos dos Estados Unidos, e que sejam adotadas medidas exaustivas para preparar uma resposta simétrica”

Vladimir Putin, presidente da Rússia

Pontos de vista

Por Lilia Shevtsova

Uma ameaça
chamada China

“Todos nós, na sociedade russa, estamos preocupados com a corrida militar e com sua nova etapa. Nós entendemos que a defasada estrutura de controle de armas não é mais adequada. Meios táticos não nucleares e uma tarifa militar cibernética podem ser ferramentas poderosas, as quais não estão cobertas pelos acordos. O mais importante é que vários países — China, Índia, Paquistão e Israel — estão perseguindo sua agenda militarista. Acho que, em algum ponto, Rússia e EUA serão forçados a pensar sobre como conter esses Estados, especialmente a China.”
Chefe do Programa de Política Doméstica Russa do Carnegie Endowment for International Peace (em Moscou)

Por Steven Pifer

Artefatos em
desenvolvimento

“O Pentágono já declarou que deseja desenvolver um míssil de cruzeiro de alcance intermediário, o qual foi testado em 18 de agosto, e um míssil balístico de alcance intermediário, o qual deverá ser lançado no fim deste ano. Eles também consideram um terceiro míssil de mesmo alcance. Existem questões de custo, bem como onde esses mísseis estariam armazenados. Eu espero que o Pentágono foque nesses programas, e não desenvolva mais um novo míssil.
Ex-embaixador dos EUA em Varsóvia, Londres e Moscou. Atuou como conselheiro da delegação americana nas negociações sobre forças nucleares de alcance intermediário em Genebra