O Estado de São Paulo, n. 46135, 09/02/2020. Política, p. A8

 

TSE se prepara para julgar casos de 'perseguidos'

Rafael Moraes Moura

09/02/2020

 

 

Ministros defendem resposta rápida para processos de infidelidade partidária de deputados como Tabata Amaral e Eduardo Bolsonaro  

Deputada. Lauriete Rodrigues alega ‘perseguição’ e ‘boicote’ para deixar o Partido Liberal

A ofensiva deflagrada por deputados para mudar de partido sem o risco de perder o mandato ganha força nos bastidores do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na lista de argumentos utilizados pelos políticos acusados de infidelidade partidária – da deputada Tabata Amaral (PDT-SP) a um grupo de 26 parlamentares do PSL – para trocar de sigla estão retaliação de dirigentes, perseguição, discriminação política e falta de democracia interna e transparência.

Esse vai ser um dos principais temas da agenda do TSE de 2020. Levantamento do tribunal feito a pedido do Estado mostra que, desde o início da atual legislatura, no ano passado, chegaram à Corte 18 casos sobre perda de mandato de deputados federais por desfiliação partidária. Ministros ouvidos pela reportagem defenderam uma resposta rápida sobre a questão e avaliaram que o caso de cada parlamentar tem de ser analisado separadamente, considerando suas particularidades.

Em 2007, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a infidelidade partidária pode provocar perda de mandato ao entender que o cargo político pertence ao partido, não ao parlamentar. Oito anos depois, em 2015, o Supremo determinou que a regra se aplica àqueles que disputaram pelo sistema proporcional (vereador, deputado estadual e federal), e não para quem se elegeu no sistema majoritário (prefeito, governador, senador e presidente).

“A importância da fidelidade partidária foi afirmada com muita ênfase, uma resposta ao ‘pula-pula’ partidário que absolutamente não respeitava o eleitor nem o partido político pelo qual o candidato tinha sido eleito. De lá para cá foram feitos consertos”, afirmou o presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-DF, Rafael Carneiro.

A minirreforma eleitoral de 2015 alterou a Lei dos Partidos Políticos, fixando regras para que, em casos excepcionais, o parlamentar possa mudar de sigla sem perder o mandato. Entre essas condições estão “grave discriminação política pessoal” ou se o programa partidário sofrer “desvio reiterado”.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, já afirmou, em livro, que “tem sido comum a denúncia da existência de desvio de conduta de dirigentes partidários brasileiros que, a pretexto de aplicar o princípio da fidelidade, passam a impor a sua vontade caprichosa para a satisfação de interesses pessoais contra a legítima manifestação de filiado”.

Um dos processos mais adiantados no TSE é o da deputada Lauriete Rodrigues (PL-ES). Ela alegou que, depois da vitória nas urnas, em 2018, se separou do presidente do partido no Estado, o ex-senador Magno Malta, o que a levou a sofrer “grave discriminação pessoal” e acabar alijada das atividades da sigla. Após analisar o depoimento de testemunhas, o Ministério Público Eleitoral (MPE) enviou ao tribunal parecer favorável à parlamentar, apontando cenário de “profundo déficit de democracia” dentro do PL.

“O respeito, a lealdade e a fidelidade que um parlamentar deve ao partido com que se elegeu não são diversos do respeito, lealdade e fidelidade que um partido deve a seus parlamentares. A fidelidade partidária é uma via de mão dupla”, escreveu o vice-procurador-geral Eleitoral, Humberto Jacques. “Nesse espaço patológico de agremiação partidária não se impõe fidelidade partidária.”

Ao Estado, Lauriete reafirmou que foi “descartada” do partido. “Fui boicotada com as emendas extras a que todos os parlamentares tinham direito e que o Partido Liberal impediu que chegassem ao meu gabinete. A minha saída é melhor para todos. É perseguição pessoal”, disse ela. Malta não respondeu.

Previdência. O caso de maior repercussão até agora é o de Tabata. A deputada disse ao TSE ser alvo de “massacre” e “fake news” da direção do PDT, que estaria agindo para vê-la “sangrar” até pedir desfiliação por ter contrariado orientação do partido e votado a favor da reforma da Previdência. A deputada acionou o tribunal para se desligar, sem perder o mandato. Na avaliação de um integrante do TSE ouvido pelo Estado, o PDT deu tratamento diferenciado à senadora Kátia Abreu (PDT-TO), que votou a favor da reforma da Previdência.

“Quando se constrói a ideia de fidelidade partidária, ela fortalece os partidos. É como dar aos partidos um novo poder. Quando a Justiça fala que o parlamentar pode sair do partido, abre uma exceção. O entendimento é o de que o infiel não foi o deputado com o partido, e, sim, o partido com o deputado”, afirmou o professor de Direito Eleitoral da FGV-SP Diogo Rais.

A assessoria de Tabata informou que ela está “confiante” e aguarda decisão do TSE. O presidente do PDT, Carlos Lupi, disse que as decisões da sigla sobre a reforma da Previdência tiveram a participação de Tabata. “Em nenhum momento ela disse que ia votar contra a orientação do partido”, alegou Lupi.

Em dezembro, o deputado Eduardo Bolsonaro (SP) e outros 25 parlamentares do PSL recorreram ao TSE. Eles querem que o tribunal reconheça justa causa no pedido do grupo para deixar o partido e migrar para o Aliança pelo Brasil, ainda em formação. O grupo entrou em guerra com o presidente do PSL, deputado Luciano Bivar (PE), e alega sofrer perseguição interna por estar alinhado ao Planalto.

Em um caso inusitado, o deputado Luiz Lauro Filho (SP), hoje PSDB, é acusado de forjar a própria expulsão do PSB para conseguir trocar de partido. Lauro Filho sustenta que passou a sofrer grave discriminação pessoal após a eleição de 2018 e foi pego “de surpresa” com sua expulsão.

‘Pula-pula’ partidário

“A importância da fidelidade partidária foi afirmada com muita ênfase, uma resposta ao ‘pula-pula’ partidário que absolutamente não respeitava o eleitor nem o partido político pelo qual o candidato tinha sido eleito. De lá para cá foram feitos consertos.”

Rafael Carneiro

PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITO ELEITORAL DA OAB-DF

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Direção do PT nega alianças com adversários

Ricardo Galhardo

Caio Sartori

09/02/2020

 

 

Em nota, partido afirma que não buscará apoio de PSDB e DEM nas eleições; para dirigentes, porém, acordos serão avaliados

Ex-presidentes. Lula e Mujica se encontraram ontem no Rio

Um dia após o Estado mostrar que resolução política aprovada pelo PT abre brechas para que candidatos petistas recebam apoio de antigos adversários, como DEM, PSDB e Centrão, a direção nacional do PT divulgou uma nota para dizer que democratas e tucanos estão excluídos das possibilidades de alianças deste ano.

Mesmo após a divulgação da nota, havia divergências entre dirigentes ouvidos pelo Estado sobre como serão as alianças. Alguns continuam entendendo que parcerias pontuais com nomes do DEM e do PSDB poderão ser autorizadas pelos diretórios estaduais. Um dirigente usou como exemplo o caso do Rio, onde pode haver segundo turno entre o prefeito Marcelo Crivella (PRB), candidato do bolsonarismo, e Eduardo Paes (DEM). Neste caso, de acordo com petistas, o partido tenderia a apoiar Paes.

A prioridade para parcerias eleitorais é dada às legendas de esquerda. A resolução veta apenas parcerias com PSL, Novo e Aliança pelo Brasil, o partido que o presidente Jair Bolsonaro quer criar. A nota da direção nacional divulgada ontem foi uma resposta à repercussão da notícia nas redes sociais.

Indagada se existe possibilidade de alianças com DEM e PSDB em casos excepcionais, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann respondeu: “Às vezes pode acontecer, e vamos ter que decidir sobre isso como já decidimos outras vezes.”

Encontro. Durante encontro com acadêmicos ontem à tarde, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu a ampliação do diálogo político de oposição a Bolsonaro para além do campo da esquerda. “Tem que ampliar a voz para a sociedade”, disse Lula, segundo relatos de participantes. O discurso de Lula vai na mesma linha de representantes de partidos de esquerda que participaram de discussões durante evento em comemoração dos 40 anos do PT, entre eles o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL) e a ex-deputada Manuela D’Ávila (PCdoB).

No fim do dia, Lula se encontrou com o ex-presidente do Uruguai José Mujica.

Decisão

“Às vezes pode acontecer (parceria com DEM ou PSDB), e vamos ter que decidir sobre isso como já decidimos outras vezes.”

Gleisi Hoffmann

PRESIDENTE DO PT