O globo, n.31462, 27/09/2019. País, p. 04

 

Lava-jato em xeque 

Carolina Brígido 

27/09/2019

 

 

Por sete votos a três, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou um entendimento que pode anular condenações da Lava-Jato. Para a maioria da Corte, réus delatados devem apresentar alegações finais nos processos depois dos réus delatores, para preservar o seu direito de defesa. Na Lava-Jato, a praxe era abrir prazo comum para todos os réus. A nova tese pode justificar a revogação de condenações em processos que foram instruídos com a regra anterior. Na próxima quarta-feira, o plenário deve encerrar o julgamento, discutindo a abrangência dessa decisão —se valerá para os casos em que as condenações já foram determinadas, ou se será aplicada apenas a partir de agora.

No mês passado, a Segunda Turma, formada por cinco dos 11 ministros do STF, entendeu que primeiro devem falar os delatores — e, por isso, anulou a condenação imposta ao ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine. Isso porque o então juiz Sergio Moro, que conduzia a Lava Jato em Curitiba, abriu prazo conjunto para todos os réus se manifestarem antes da decisão final. Mas Bendine foi delatado e, de acordo com a Segunda Turma, deveria ter mais tempo para se defender.

Concordaram com esse entendimento os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e o presidente do STF, Dias Toffoli. Já os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux defenderam o prazo conjunto para a manifestação de todos os réus, indistintamente. Marco Aurélio Mello se ausentou antes de terminar a sessão e, por isso, não votou. O voto de Cármen foi híbrido: ela defendeu que o prazo deve ser diferente para delatores e delatados, mas a anulação de uma condenação só deve acontecer se o réu mostrar que foi prejudicado em seu direito de defesa.

O julgamento de ontem tem impacto imediato apenas para o ex-gerente da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira, que apresentou recurso com os mesmos motivos de Bendine. A decisão, que terá os detalhes fechados só na semana que vem, será um precedente importante para nortear outras decisões. Mas juízes e ministros não serão obrigados a seguir o mesmo entendimento em casos futuros, já que não há o chamado efeito vinculante. Cada magistrado tem autonomia para analisar o caso específico antes de decidir se concede ou nega um habeas corpus.

Para evitar anulações em massa na Lava-Jato, Barroso propôs que a nova interpretação seja aplicada apenas a processos penais a serem julgados daqui para frente. Fux concordou com essa alternativa. Toffoli disse que tinha outras sugestões para orientar juízes de todo o país na aplicação do entendimento do STF, mas apresentaria suas ideias apenas na próxima quarta-feira.

PREVISÃO LEGAL

Barroso argumentou que as alegações finais são apenas um resumo do que já foi apresentado ao longo do processo, e que portando o réu delatado não se surpreenderia com a manifestação do delator.

O ministro fez um compilado da história recente de investigações a casos de corrupção no Brasil, citando o julgamento do mensalão como “histórico”. Ele afirmou que a sociedade vem deixando de “aceitar o inaceitável”, mas que a reação a investigações contra crimes do colarinho branco vem ganhando força nos tribunais. E considerou a decisão um retrocesso:

— Este não é caso isolado, produz efeito sistêmico na legislação que ajudou o Brasil a romper o paradigma que vigorava em relação à corrupção e criminalidade de colarinho branco.

Na última quarta-feira, Fachin tinha votado no mesmo sentido. Ele explicou que, para justificar a anulação de

uma condenação, o réu precisa demonstrar que foi prejudicado por não ter se manifestado depois dos delatores. O ministro ressaltou que a decisão de um juiz de estabelecer prazo comum para todos os réus não pode ser considerada ilegal porque não há em lei previsão de alegações sucessivas, argumento reforçado pelo ministro Fux.

Moraes afirmou que, na ação penal, o interesse do delator é o mesmo da parte acusadora, o Ministério Público. Como nos processos penais os acusadores se manifestam antes, o correto seria os delatados apresentarem suas defesas por último. Para ele, não se pode tratar todos os réus da mesma forma, porque eles têm interesses diversos.

— Nada custa ao Estado respeitar o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Nenhum culpado, nenhum corrupto, nenhum criminoso deixará de ser condenado, se houver provas, se o Estado respeitar esses princípios constitucionais —declarou Moraes.

Depois da decisão da Segunda Turma, vários réus em situação idêntica pediram o mesmo benefício. A defesa do ex-presidente Lula também solicitou anulação de duas condenações —a do tríplex do Guarujá, caso pelo qual está preso, e a do sítio de Atibaia, em que foi condenado em primeira instância. Fachin é o relator do recurso.

COMO VOTARAM OS MINISTROS

Edson Fachin (1x0)

O relator da Lava-Jato no Supremo afirmou que a legislação brasileira não difere réus delatores e delatados. Portanto, não faria sentido a concessão de prazos separados para os dois grupos apresentarem alegações finais.

Cármen Lúcia (3x3)

Para a ministra, réus delatores e delatados devem se defender em prazos diferentes. Mas ponderou que a abertura de prazo comum só deve gerar nulidade do processo se o réu demonstrar que houve prejuízo para sua defesa.

Alexandre de Moraes (1x1)

Argumentou que, na ação penal, o interesse do delator é o mesmo do Ministério Público. Como nos processos penais os acusadores se manifestam antes, o correto seria os delatados apresentarem suas defesas por último.

Ricardo Lewandowski (3x4)

Defendeu a nulidade de condenações em que o juiz concedeu prazo conjunto a delatores e delatados. “Há gravíssimo prejuízo para os pacientes, porque o juiz negou-lhes o direito de se manifestar por último”.

Luís Roberto Barroso (2x1)

Concordou com Edson Fachin. Para evitar anulações em massa de casos da Lava-Jato, propôs que a interpretação que prevaleceu ontem seja aplicada apenas a processos penais a serem julgados daqui para frente.

Rosa Weber (2x2)

Em uma rara ocasião, ela discordou de Fachin. “Diante do conteúdo material da colaboração premiada, as alegações finais do colaborador devem ser levadas previamente à parte diversa”, afirmou a ministra.

Celso de Mello (3x6)

Concordou com a tese de que os réus delatores e delatados devem se manifestar em prazos separados. Disse que, se não há previsão legal que os diferencie, “a lacuna deve ser suprida pelo princípio da ampla defesa”.

Luiz Fux (3x2)

Concordou com o relator Fachin e com a proposta do ministro Barroso de limitar a abrangência da decisão tomada ontem pelo plenário. “Nada justifica essa benesse processual para o delatado”, afirmou.

Gilmar Mendes (3x5)

Discordou do relator e atacou procuradores da Lava-Jato. “A questão não é Lava-Jato. É todo um sistema de Justiça penal. Chamam a nós de vagabundos, passam de todos os limites. Vamos honrar as calças que vestimos”.

Dias Toffoli (3x7)

Também considerou que réus delatores e delatados devem apresentar alegações finais em prazos sucessivos. Toffoli disse que apresentaria na próxima semana sugestões para orientar juízes de todo o país sobre o assunto.