O globo, n.31461, 26/09/2019. País, p. 04

 

'Cabeça Branca' na PGR

Aguirre Talento

Marco Grillo

26/09/2019

 

 

Após uma sabatina na qual evitou entrar em polêmicas, encadeando respostas sob medida para agrada ralados antagônicos em um mesmo assunto, o subprocurador Augusto Aras teve sua indicação para o comando da Procuradoria-Geral da República (PGR) aprovada ontem, pelo plenário do Senado, por 68 votos a favor, dez contra e uma abstenção. Ele toma posse hoje para um mandato de dois anos.

Depois da confirmação, Aras foi ao Palácio da Alvorada se encontrar com o presidente JairBol sonar o. Ele foi indicado for ad alista tríplice votada pela categoria, e com pedidos do presidente para que não tenha um apostura“xiita” em assuntos relativos a meio ambiente e direitos humanos.

— Fui agradecer ao presidente pela confiança. Como sempre, nossa conversa foi amena. Ele é um craque no diálogo, insere o que ele quer nas entrelinhas — disse Aras à colunista Bela Megale, sem detalhar o conteúdo do diálogo.

Antes da votação em plenário, Aras foi sabatinado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Abusos da Lava-Jato

Aras disse que a Lava-Jato representa um símbolo no combate à corrupção:

—A Lava-Jato é um marco, traz boas referências. Mas é preciso que nós percebamos que toda experiência nova traz dificuldades. Sempre apontei os excessos, mas sempre defendi a Lava-Jato. É resultado de experiências anteriores. Esse conjunto de experiências gerou um novo modelo, passível de correções

O novo PGR explicou o que considera possíveis erros:

—Talvez tenha faltado nessa Lava-Jato a cabeça branca, para dizer que tem certas coisas que pode, mas há muitas outras que nós não podemos fazer. Os ministros do Supremo e o procurador-geral da República podem muito, mas não podem tudo.

Ele evitou criticar o coordenador da Lava-Jato no Paraná, Deltan Dalagnol, a quem, disse Aras, deve ser dado o direito de defesa. A impessoalidade, no entanto, foi ressaltada por Aras:

—O mérito individual dos procuradores deverá ser sempre reconhecido, mas a confiança da sociedade deve sempre se voltar para as instituições, em homenagem ao princípio da impessoalidade.

Ativismo judicial, aborto e maconha

Aras disse ser contra o ativismo dos tribunais em temas que, segundo ele, devem ser decididos pelo Legislativo. Citou a legalização do aborto e do uso da maconha.

— Somos contra o ativismo judiciário, mas não podemos deixar de registrar que é preciso também que o Parlamento brasileiro, o Congresso Nacional, se desincumba satisfatoriamente, a contento, dos seus deveres constitucionais de legislar e fiscalizar os demais Poderes. Evidentemente, há matérias, creio eu, antecipando, que não poderiam ser objeto de ativismo judicial, entre as quais o aborto, a descriminalização da maconha, que são temas caros, relevantes, que devem merecer a apreciação do Congresso e não devem ser objeto de ativismo judicial — disse o procurador.

Familias homoafetivas e a cura gay

A defesa de minorias sempre foi bandeira do Ministério Público Federal (MPF). E Aras não deu indicação de que isso vai mudar. Mas, questionado por posições que havia adotado sobre relações homoafetivas e a chamada “cura gay”, o subprocurador disse que assinou sem ler, ao falar sobre documento de juristas evangélicos que endossou. Esse foi o momento mais delicado da sabatina, quando foi questionado pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES), que é homossexual, se considera que a família do parlamentar não é legítima.

— Confesso a vossa excelência que eu não li. (...) Eu sou um cidadão desse tempo e eu não posso deixar de reconhecer todos os fenômenos sociais e humanos. Respeito muito vossa excelência, tenho amigos e amigas que têm casamento homoafetivo, o casamento como um contrato na contemporaneidade entendido.

Aras fez um adendo, porém, na linha do que Bolsonaro defende, que crianças são expostas ao tema de maneira indevida:

— Eu não entendo essa dinâmica intitulada cura gay como algo científico. Eu entendo que a medicina já busca em várias áreas compreender a identidade de gênero não só a partir de homem e mulher, mas compreender o direito sagrado de cada cidadão a escolher, na idade adequada, sem influência de quem quer que seja, a sua opção de gênero.

Atividade econômica em área indígena

Como defende o governo, Aras não vê problemas em permitir exploração agrícola em reservas indígenas. A declaração não combina com o histórico de atuações do MPF na área.

— Índio também quer vida boa, compatível com suas necessidades. Não quer pedir esmola, viver ao lado de quem produz e ter cem mil hectares disponíveis e não poder produzir, porque tem dever de continuar como caçador e coletor.

Por outro lado, Aras citou o “perspectivismo” do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro ao falar “da necessidade de preservar os costumes, as tradições, o modus vivendi de cada comunidade nativa originária” .

Lei de Abuso de Autoridade

Aras elogiou a derrubada, pelo Congresso, de vetos de Bolsonaro à lei do abuso de autoridade. Para ele, a lei, como ficou, vai garantir equilíbrio na atuação das autoridades investigativas.

—Ontem (anteontem), essa Casa reduziu a 18 vetos, e com isso eu acredito que temos no Brasil uma lei de abuso de autoridade que pode alcançar, sim, a finalidade social (...) produzir bom efeito.

Eduardo Bolsonaro

O subprocurador não vê problemas na indicação do deputado Eduardo Bolsonaro para ocupar a vaga de embaixador do Brasil nos EUA:

— A súmula (do STF) que disciplina o nepotismo não se estende a agentes políticos. Em todos os estados e municípios há filhos e parentes de primeiro grau ocupando cargos em secretarias sem que isso atinja nenhum valor constitucional. Evidentemente que essa Casa é soberana.

Revolução ou golpe de 64?

Para Bolsonaro o movimento militar de 1964 foi uma revolução, não um golpe. Questionado, Aras saiu pela lateral. Lembrou que a sociedade civil e o Congresso apoiaram a ação, declarando vaga a presidência da República enquanto o então presidente João Goulart viajava para o Rio Grande do Sul. O subprocurador indicou, no entanto, que, para ele, a ruptura democrática ocorreu em 1968 com a edição do AI-5, que suprimiu direitos e cassou ministros do STF.

Relação com o governo

Aras afirmou que não faltará a ele independência:

—Não há alinhamento no sentido de submissão a nenhum dos Poderes, mas há evidentemente o respeito que deve reger as relações entre os Poderes e suas instituições. (...) Eu asseguro a Vossas Excelências que não faltará independência a esse modesto indicado.