O globo, n.31461, 26/09/2019. País, p. 06
Parlamentares retiram excludente de ilicitude do pacote anticrime
Natália Portinari
Daniel Gullino
26/09/2019
O grupo de trabalho que analisa o pacote anticrime na Câmara dos Deputados rejeitou ontem, por nove votos a cinco, a chamada “excludente de ilicitude” proposta pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. A decisão, que representa a décima derrota do pacote, pretendia ampliar as situações que poderiam ser consideradas legítima defesa. O resultado da avaliação do grupo ainda será avaliado pelo plenário, quando deputados da bancada da bala pretendem reiniciar essa discussão.
As alterações retiradas do pacote incidiam sobre a legislação que estabelece critérios para a legítima defesa, voltada tanto para civis quanto para policiais. A intenção era garantir que juízes pudessem reduzir penas pela metade ou até deixar de aplicá-las se entendessem que eventuais excessos de civis e de agentes de forças de segurança tivessem sido cometidos em decorrência de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. O tema é defendido frequentemente pelo presidente Jair Bolsonaro.
Atualmente, o Código Penal determina que não há crime quando um determinado ato é praticado “em estado de necessidade”, “em legítima defesa” ou “em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”. Há uma ressalva, no entanto, de punição por excesso, seja ele culposo (sem intenção) ou doloso (com intenção). A excludente de Moro cria restrições para a punição desses excessos.
Por meio do pacote anticrime, o ministro também propôs alterar o Código Penal para acrescentar duas possibilidades às definições de legítima defesa, especificamente relativas ao trabalho dos agentes de segurança pública. A primeira, que não foi aprovada ontem pelo crivo do grupo de trabalho, considera legítima defesa a ação que visa a prevenir, durante “conflito armado ou em risco iminente de conflito armado”, uma “injusta e iminente agressão”.
A segunda, mantida pelos deputados, prevê a garantia de uma excludente para “o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão à vítima mantida em refém durante prática de crimes”.
Deputados contrários à excludente de ilicitude argumentaram que a lei atual já atende os casos em que a pessoa se sinta ameaçada e, ao se defender, mate alguém acidentalmente.
— Não tem como melhorarmos uma proposta que é a licença para matar — disse Marcelo Freixo (PSOL-RJ).
CASO ÁGATHA
Capitão Augusto (PL-SP), coordenador da frente parlamentar de segurança pública, defendeu a proposta. Ele e outros colegas da “bancada da bala” já articularam para retomar a excludente quando o pacote for votado por toda a Câmara.
Lideranças de partidos do centrão ouvidas pelo GLOBO acreditam ser pouco provável que, diante da repercussão da morte da menina Ágatha Félix, de 8 anos, no Complexo do Alemão, qualquer proposta que amplie a legítima defesa para policiais possa prosperar.
Além da excludente de ilicitude, o pacote anticrime de Moro já foi alterado pelo grupo de trabalho para retirar pontos considerados importantes para o governo. Foi o caso da tentativa de permitir a prisão após a condenação em segunda instância e da intenção de implantar o modelo chamado “plea bargain”, em que réus podem confessar crimes em troca de redução nas penas.
Houve aprovação de trechos que contemplam regras mais duras para progressão de regime e funcionamento de prisões de segurança máxima, bem como o “confisco alargado” de bens incompatíveis com a renda declarada por condenados.
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STF inicia discussão que pode anular condenações
Carolina Brígido
26/09/2019
O Supremo Tribunal Federal (STF) adiou para hoje a continuidade do julgamento que pode anular condenações da Lava-Jato. Em seu voto, o ministro Edson Fachin voltou a defender ontem que réus delatores e delatados devem se manifestar em prazo conjunto, ao contrário do entendimento da Segunda Turma da Corte.
No mês passado, por considerar que primeiro devem falar os delatores, os ministros anularam a condenação do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine. Agora, caso semelhante é avaliado pelo plenário.
Outros dez ministros ainda vão votar. Se o entendimento for mantido, é possível que outras condenações da Lava Jato sejam anuladas.
Primeiro a votar, Fachin repetiu a posição manifestada na Segunda Turma, onde foi vencido pela maioria.
— As instâncias antecedentes, quando estabeleceram a defesa em prazo comum aos réus, praticaram ato ilegal ou abuso de poder? Ou ainda: haveria ilegalidade ou abuso de poder ao não se cumprir regra legal expressa que não existe? —questionou o magistrado.
A decisão abrirá um precedente importante para nortear outras. Para evitar anulações em massa, ministros estudam restrições à aplicação da tese em questão.