Correio braziliense, n. 20549, 27/08/2019. Política, p. 4/5

 

Governo vai rejeitar dinheiro do G7

Ingrid Soares

Rodolfo Costa

27/08/2019

 

 

Poder » Planalto confirma que não aceitará os 20 milhões de euros para combater os incêndios na região amazônica. Mais cedo o ministro do Meio Ambiente disse que as verbas seriam usadas com autonomia pelo Brasil

O Palácio do Planalto confirmou ontem a informação de que o governo brasileiro rejeitaria os 20 milhões de euros (cerca de R$ 91 milhões) oferecidos pelo grupo dos países mais ricos do mundo, o G7, para combater os incêndios na região amazônica. A decisão vai aumentar o tom do conflito entre os presidentes Jair Bolsonaro e Emmanuel Macron (França).

Mais cedo, Bolsonaro baixou o tom no discurso radical acerca da ajuda mundial à Amazônia, mas se manteve em pé de guerra com Macron. Ontem, mesmo sem responder questionamentos da imprensa, ele desdenhou a ajuda oferecida pelo mandatário francês, questionando os objetivos em relação ao auxílio ambiental. À noite, a informação sobre a rejeição da oferta do G7 foi dada pelo Blog do Camarotti e confirmada pelo Correio.

Ao lado do presidente do Chile, Sebastián Piñera, Macron anunciou nesta segunda o envio de 20 milhões de euros (cerca de R$ 91 milhões) para auxiliar o combate às queimadas, por meio do envio de aviões Canadair. Pouco depois do anúncio, Bolsonaro falava com a imprensa, na saída do Palácio da Alvorada. “Macron promete ajuda de países ricos à Amazônia. Será que alguém ajuda alguém, a não ser a pessoa pobre, né, sem retorno (financeiro)? O que está de olho na Amazônia, o que eles querem lá há tanto tempo?”, declarou.

Em outra ocasião, Bolsonaro afirmou ter trabalhado “24h” durante o fim de semana, conversando com líderes e chefes de Estado de “vários” países. “Pessoas, líderes excepcionais, que querem, realmente, colaborar com o Brasil”, disse. Sem citar Macron, alfinetou o presidente francês, quando informou não ter dialogado com outros que desejam a “tutela” do Brasil. “Não conversei com aqueles outros, que querem continuar nos tutelando”, afirmou.

Apesar do embate com Macron, Bolsonaro amenizou no discurso radical. No domingo, no Twitter, agradeceu a “chefes de Estado” que o ouviram e ajudaram o governo a “superar uma crise que só interessava aos que querem enfraquecer o Brasil”. Os presidente de Israel, Benjamin Netahyahu, dos Estados Unidos, Donald Trump, e do Chile, Piñera, são alguns chefes de Estado com quem o capitão reformado conversou entre sexta-feira e ontem.

Depois do contato com a imprensa, Bolsonaro comunicou no Twitter ter conversado com o presidente da Colômbia, Iván Duque. “Falamos da necessidade de termos um plano conjunto, entre a maioria dos países que integram a Amazônia, na garantia de nossa soberania e riquezas naturais”, afirmou. Na mesma rede social, contudo, voltou a criticar Macron. “Não podemos aceitar que um presidente, Macron, dispare ataques descabidos e gratuitos à Amazônia, nem que disfarce suas intenções atrás da ideia de uma ‘aliança’ dos países do G-7 para ‘salvar’ a Amazônia, como se fôssemos uma colônia ou uma terra de ninguém”, declarou.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que a ajuda prometida pelo G7 aos países afetados pelos incêndios na região amazônica será bem-vinda. Salles ressaltou que os recursos serão utilizados segundo critérios estipulados pelo Brasil. “Quem vai decidir como usar recursos para o Brasil é o povo brasileiro e o governo brasileiro. De qualquer forma, a ajuda é sempre bem-vinda”, disse, antes da decisão do governo em rejeitar o dinheiro do G7.

''Solidariedade''

Ainda no Twitter, Bolsonaro ponderou que “outros chefes de Estado se solidarizaram com o Brasil”. “Afinal, respeito à soberania de qualquer país é o mínimo que se pode esperar num mundo civilizado”, disse. Não é a primeira vez que Bolsonaro questiona o interesse de ajuda ambiental à região Amazônica. Há cerca de duas semanas, quando Alemanha e Noruega anunciaram bloqueios de verbas ao Fundo Amazônia, ele engatou uma narrativa que, frisou, defende desde 1991, sobre o interesse de grandes nações europeias na região Norte do país.

Desde então, ele não se mostra preocupado com os impactos que suas declarações possam trazer, sugerindo que negativa era a imagem “péssima” de “subserviência” do Brasil às potências mundiais. O professor Luiz Fernando Ferreira, especialista em Meio Ambiente pela Universidade de São Paulo (USP), disse que a recusa da ajuda pode tensionar as relações com a União Europeia, estimulando possíveis boicotes a produtos brasileiros. “Isso só coloca mais lenha na fogueira. O Brasil tem um compromisso assumido no acordo de Paris e precisa cumprir.”

Enquanto Bolsonaro falava na saída do Palácio da Alvorada, Macron criticava os comentários "extraordinariamente desrespeitosos" de Bolsonaro sobre a esposa, Brigitte, dizendo-se triste por ele e pelos brasileiros. "O que eu posso dizer a vocês? É triste, é triste, mas é em primeiro lugar triste para ele e para os brasileiros", afirmou, acrescentando que espera que os brasileiros "tenham um presidente que se comporte à altura" do cargo.

O Ministério da Economia liberou ontem R$ 38,5 milhões ao Ministério da Defesa para combate a incêndios na Amazônia Legal. O valor havia sido contingenciado do montante voltado para Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). As ações de GLO tinham orçamento aprovado de R$ R$ 47,5 milhões. Desse total, cerca de R$ 7,1 milhões estavam sendo utilizados.

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Dodge defende uso de recursos da Lava-Jato na floresta

Augusto Fernandes

27/08/2019

 

 

Depois de o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sugerir o uso da verba recuperada pela Petrobras na Operação Lava-Jato para o combate aos incêndios florestais da Amazônia, foi a vez de a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, defender a destinação dos recursos para proteção da Floresta Amazônica. Em parecer enviado ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF), Dodge sugere que R$ 1,2 bilhão do fundo, o equivalente a 48% do montante total, seja utilizado para controlar as queimadas.

A procuradora-geral da República classificou a situação como emergencial, que causa imenso impacto ambiental, social e econômico, e cobrou “a imediata debelação dos incêndios, o estabelecimento de medidas concretas de proteção ao meio ambiente, inibição de novos incêndios, investigação e punição dos que cometeram os graves crimes ambientais, bem como o fortalecimento dos órgãos de controle e fiscalização ambiental nessa região”.

O documento de Dodge foi enviado ao ministro Alexandre de Moraes. No texto, ela detalha que R$ 200 milhões poderiam ser destinados para o descontingenciamento do Ministério do Meio Ambiente, enquanto R$ 1 bilhão, para ações de preservação da Floresta Amazônica.

“São necessárias ações imediatas e concretas contra queimadas, para reestruturação da fiscalização e educação ambiental, para fortalecer planos de sustentabilidade deste bioma, e para evitar o uso de queimadas por exploradores das atividades econômicas, inclusive grandes, médios e pequenos agricultores”, frisou Dodge, no parecer.

Ela ainda sugeriu a criação de um comitê para monitorar a evolução das queimadas na região amazônica, a ser formado por representantes dos ministérios do Meio Ambiente, Agricultura, Defesa, Justiça e Segurança Pública, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), do Ministério Público Federal e do Poder Judiciário.

“Não apenas o Ministério do Meio Ambiente deve ser acionado para providências que urgem sejam adotadas para a resolução do problema ora enfrentado e para adoção de medidas efetivas de prevenção e resolução, mas também o Ministério da Agricultura e agências estatais, como o Incra, o Ibama e a Funai, além do Ministério da Defesa e da Força Nacional”, detalhou.

A verba em questão é fruto de uma negociação da Petrobras com autoridades dos Estados Unidos no ano passado para que irregularidades investigadas pela Operação Lava-Jato contra a estatal fossem encerradas. O valor, estimado em US$ 853,2 milhões, já foi depositado em uma conta judicial. Desse total, ficou estabelecido que US$ 682 milhões sejam utilizados no Brasil. O dinheiro, contudo, está bloqueado à espera de uma decisão do STF.

Caberá ao Alexandre de Moraes definir o destino do dinheiro, que também pode ser destinado ao sistema penitenciário, à educação e à saúde. Além da Procuradoria-Geral da República (PGR), devem se manifestar ao magistrado o Ministério da Economia e a Advocacia-Geral da União (AGU). Apesar de na sexta-feira da semana passado o ministro ter dado um prazo de 48 horas para os órgãos ligados ao governo se manifestar, nenhum dos dois enviou um posicionamento à Corte.

Investigação

A Polícia Federal deu início ontem a uma operação para identificar autores das queimadas na região amazônica. Um dos principais pontos é descobrir atos combinados.

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Bolsonaro cria as próprias cruzadas

27/08/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro enfrenta duas arriscadas cruzadas. Uma interna, quando tira autoridade do ministro da Justiça, Sérgio Moro, ao declarar em rede social que o ex-juiz da Lava-Jato “não esteve com ele durante a campanha”. Outra externa, ao eleger o presidente da França, Emmanuel Macron, como seu desafeto político internacional. Ainda que ambas as tomadas de decisões — estratégicas ou não — possam, de alguma forma, trazer pontos positivos na avaliação de especialistas, no final, os ônus podem ser maiores do que os bônus.

A queda de braço com Macron é, sob a ótica diplomática, um equívoco natural para a política externa brasileira. Mas, ao Bolsonaro aliviar o discurso de radicalização contra outras nações e chefes de Estado, e definir apenas a França como um inimigo, o presidente acaba conquistando pontos junto ao eleitor, analisa o cientista político Lucas Fernandes, consultor de análise política da BMJ Consultores. “Foi positivo para engajar o eleitor mais fiel”, ponderou.

Na política doméstica, a fritura a Moro não é totalmente desastrosa. “Bolsonaro age de maneira inteligente, com cuidado para não se associar à imagem do ministro após os escândalos da ‘Vaza-Jato’. Tira um pouco da autoridade e prestígio que ele tinha de superministro, mas faz isso de forma cautelosa, sem um movimento tão escancarado”, analisou Fernandes. Ao responder a um internauta que pediu a ele para “cuidar” de Moro, o presidente minimizou o impacto do ex-juiz sob argumento de que ele não participou da campanha devido às atividades como magistrado. “Com todo o respeito a ele, mas o mesmo não esteve comigo durante a campanha, até que, como juiz, não poderia”, justificou Bolsonaro.

O embate a Macron e a fervura a Moro trazem, no entanto, riscos consideráveis. O ministro não se mostra disposto a largar o posto e o Executivo não considera estratégica a demissão dele. Se chegar ao fim do governo escanteado, mas ainda com capital político pela popularidade que tem junto à parcela de eleitores do presidente, ele consegue se posicionar como um adversário político de Bolsonaro nas eleições de 2022. Caso aceite uma saída honrosa com uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o governo precisará ter o Senado nas mãos. Para isso, as sabatinas do próximo procurador-geral da República e do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) à embaixada dos Estados Unidos precisam ser um sucesso.

O tensionamento com a França, por sua vez, pode evitar uma aprovação mais célere do acordo entre o Mercosul e a União Europeia. Embora Macron tenha saído derrotado na reunião do G7 em não conseguir maioria para rever o tratado, o embate causado por Bolsonaro pode levar o Parlamento Europeu a concluir os trâmites apenas ao fim da atual gestão ou na próxima. “Acordos dessa magnitude levam entre três a quatro anos para serem concluídos. Se Bolsonaro adotasse um tom mais pragmático e moderado, o ritmo e os prazos poderiam ser adiantados”, analisou Fernandes.

Incertezas

Ambas as cruzadas de Bolsonaro deixam transparecer com facilidade os movimentos políticos do presidente. Mas o cientista político Aninho Irachande, professor da Universidade de Brasília (UnB), avalia a efetividade com incertezas, sobretudo em relação ao ministro da Justiça. “Obviamente o que ele disse (ontem) é o que mais pensa. O Moro não é de confiança. Foi trazido para explorar a imagem dele e transferir essa imagem para o governo. Se sair hoje do governo, a grande perda é de sustentabilidade do governo nos ataques que ele vai sofrer”, analisou.

O governo terá que refletir rápido sobre até que ponto cogita tensionar a relação com a França e permanecer fritando Moro. Por mais que a fervura ao titular do Ministério da Justiça não seja ruim para uma parcela dos parlamentares na mira do Ministério Público, do STF e da Polícia Federal, ele ainda tem algum capital político junto a alguns parlamentares. “Napoleão (Bonaparte, imperador francês) perdeu a guerra porque abriu várias frentes. Ao abrir batalhas internas e externas, Bolsonaro irá se enfraquecer politicamente. E tensionar com o ministro mais popular e um dos principais líderes europeus não me parecem boas estratégias”, alertou o deputado federal José Nelto (Podemos-GO), líder do partido na Câmara.

Os embates se mostram, inclusive, um empecilho para Bolsonaro montar a base política no Parlamento. “A partir do momento que se tensiona as relações internacionais e com seus ministros, tudo vai ficando mais difícil. Hoje, está mais complicado para construir sua base, porque o governo, personificado na imagem do presidente, não passa confiança. Sem ela, temos mais riscos em emprestarmos nosso capital político. O Congresso está com o pé atrás neste momento”, avisou Nelto. (R.C)

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Mil focos novos de incêndio

27/08/2019

 

 

Cerca de mil novos incêndios foram declarados nas últimas horas na Amazônia, enquanto os aviões do Exército Brasileiro atravessaram as grandes áreas afetadas para tentar conter as chamas que mobilizaram a atenção os líderes do G7 e mantiveram o mundo em suspense. Porto Velho, capital do estado de Rondônia, acordou com uma leve neblina de fumaça e cheiro de queimado trazido pelos ventos dos incêndios florestais na região, relataram jornalistas da AFP presentes no local. O aeroporto da cidade foi fechado devido à falta de visibilidade.

Até domingo, 80.626 incêndios foram registrados em todo o Brasil, 1.113 novos focos em relação ao relatório de sábado, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O saldo marca um aumento de 78% em relação ao mesmo período do ano passado. No total, 52,6% dos focos estão localizados na região amazônica.

Dois navios-tanque Hércules C-130 baseados em Porto Velho iniciaram suas atividades, lançando dezenas de milhares de litros de água nos pontos de incêndio. Os dispositivos fazem parte da operação militar ordenada na sexta-feira pelo presidente Jair Bolsonaro, sob pressão interna e internacional. Cerca de 43 mil soldados de regimentos da Amazônia estão prontos para entrar em atividade, informou o ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva.

No Brasil, o crescente desmatamento causado a abrir espaço para as plantações ou pastagens agravou a temporada de queimadas habitual, dizem os especialistas. O incêndio desencadeou um debate de alta tensão entre Bolsonaro e seu colega francês Emmanuel Macron, que levantou a questão na Amazônia na cúpula das maiores potências econômicas ocidentais, o G7, em Biarritz (sul da França).

O G7 concordou em repassar 20 milhões de dólares ao combate contra o fogo na Amazônia. A cúpula também acertou apoiar um plano de reflorestamento de médio prazo, que será anunciado na ONU em setembro, disse Macron e o presidente do Chile, Sebastián Piñera. O Brasil aceitou até o momento a ajuda de Israel, que ofereceu enviar um avião.

Avaliação de governo

A Confederação Nacional do Transporte (CNT) divulgou pesquisa sobre os índices de popularidade do governo federal e do presidente da República, Jair Bolsonaro. Cerca de 39% da população avalia o governo como negativo; 29,4%, como positivo e 29,1% como regular. A avaliação negativa cresceu cerca de 20 pontos percentuais, já que, em fevereiro, era de 19%. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais para mais ou para menos. Apesar da visão negativa, os entrevistados veem a atual gestão com otimismo no emprego. Para os próximos seis meses, 36,6% afirmam que a situação vai melhorar e 32,9%, que se manterá como está.