Correio braziliense, n.20550, 28/08/2019. Política, p.2

 

Apoio a governadores e críticas a demarcações

Rodolfo Costa

28/08/2019

 

 

Poder » Bolsonaro consegue respaldo de seis dos nove gestores estaduais da Amazônia Legal na queda de braço com a França. Chefe do Executivo federal reclama de reservas ambientais, indígenas e de quilombolas

A reunião do presidente Jair Bolsonaro com oito governadores e um vice-governador da Amazônia Legal foi, politicamente, um sucesso para o governo. Dos nove estados que compõem a região, o Palácio do Planalto calcula que conseguiu apoio de, pelo menos, seis chefes de Executivos locais para endossar a narrativa nacionalista contra uma suposta manifestação do presidente da França, Emmanuel Macron, de colocar em xeque a soberania brasileira sobre a Amazônia, ao sugerir um “status de internacionalização” no território. Leituras feitas por interlocutores avaliam que o governo federal conquistou apoio e argumentos para encaminhar ao Congresso propostas de desburocratização e flexibilização da política ambiental, a fim de promover o desenvolvimento sustentável.

Pela manhã, Bolsonaro retomou o embate com Macron, acenou que aceitaria os 20 milhões de euros oferecidos pelo G-7 se o presidente francês se retratasse sobre tê-lo chamado de “mentiroso” e sugerido a “internacionalização” da Amazônia. Na reunião com os governadores, disse não ter nada contra a cúpula das sete maiores potências econômicas mundiais, e, sim, contra “um presidente” que “está reverberando qual é a sua intenção”. Sinalizou, ainda, que caberá ao ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, definir se o Brasil pode “fazer frente” à França em uma eventual transgressão à soberania nacional.

Na reunião com os chefes de Executivos estaduais, Bolsonaro ganhou respaldo na queda de braço contra Macron. Um dos apoiadores foi o governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), que classificou o presidente francês como um concorrente dos produtos agrícolas brasileiros e disse que ele “surfa nas cinzas da Amazônia”. Outros no entanto, priorizaram um discurso mais diplomático. “Acho que estamos perdendo muito tempo com Macron. (...) Temos de cuidar dos nossos problemas e sinalizar para o mundo a diplomacia ambiental, que é fundamental para o agronegócio”, ponderou o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB). O chefe do Executivo maranhense, Flávio Dino (PCdoB), frisou que “um discurso antiambientalista” não constrói saída adequada à preservação dos interesses nacionais, “na medida em que pode expor o Brasil a sanções comerciais”.

Do encontro, os governadores não levaram para casa compromissos concretos do governo federal. Mas o Planalto mudou o tom em relação ao Fundo Amazônia, sinalizando que vai mantê-lo. Anunciou que, até quinta-feira, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, irá à região amazônica para se reunir com governadores a fim de consolidar “agendas conjuntas”, propostas pelos gestores estaduais e condensadas pelo Consórcio Interestadual da Amazônia Legal, como mudar a gestão do Fundo Amazônia do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para o Banco da Amazônia, que, segundo sustenta o presidente do comitê, o governador do Amapá, Waldez Goés, tem maior presença e estrutura no território.

Indígenas

Entre as falas dos gestores estaduais, Bolsonaro tomou a palavra e disse que, diferentemente de outros governos, na atual gestão estão “congelados” estudos sobre novas reservas — ambientais, quilombolas ou indígenas. Lendo informações em um papel, informou que só na Amazônia Legal estão certificados, em trâmite legal de demarcação, 936 territórios quilombolas. “No tocante a reservas indígenas, em fase final, são 54 novas áreas, e, também, para alguns meses, mais 314 áreas indígenas”, afirmou.

O discurso foi respaldado pela ampla maioria dos chefes de Executivo. O vice-governador do Acre, Wherles Rocha (PSDB), disse que o estado dispõe de 14% de área aberta, possível de ser explorada, e que dos 86% restantes não se pode fazer nada. O governador de Roraima, Antonio Denarium (PSL), sustentou que os 22,5 milhões de hectares do estado são divididos em 46,7% de terra indígena e 20% de unidade de conservação e estação ecológica. “Se retirarmos as áreas do Incra, do Exército e as áreas dos municípios, sobram apenas 20% para o estado. Desses 20%, 80% é reserva legal. (...) Ou seja, o estado fica impedido de produzir, trabalhar e preservar o meio ambiente também”, criticou.

Já o governador de Rondônia, Marcos Rocha (PSL), frisou que, no estado, só 33% das terras são utilizadas. “E temos lá reservas, várias, também”, afirmou. O governador de Tocantins, Mauro Carlesse (DEM), defendeu que os indígenas possam explorar suas terras e ganhar receitas com o pedágio da possível concessão de uma ferrovia que passaria por meio de uma terra indígena.

Congresso

Durante a reunião, Bolsonaro ressaltou que o governo vai “buscar soluções”, no Congresso, para o desenvolvimento sustentável, por meio de propostas legislativas que possam flexibilizar o desenvolvimento sustentável e a legalização e a regulamentação do garimpo. “Temos o Parlamento, que nós vamos provocá-lo, com apoio dos senhores. Já conversei também com o (Ronaldo) Caiado (governador de Goiás), com o Hélder (Barbalho). No Rio, a estação ecológica evita que o estado fature alguns bilhões por ano no turismo, no caso de Angra (dos Reis)”, destacou. A questão ambiental, para ele, deve ser administrada com racionalidade. “E não com essa quase selvageria como foi conduzida ao longo dos últimos anos”, disse.

Flávio Dino, no entanto, criticou a proposta. “Precisamos cumprir a legislação, pois ela permite que se separe quem quer produzir nos termos da lei, de modo sustentável, daqueles que têm visão predatória. Essa ideia de mudar a legislação achando que isso vai nos tirar da crise vai, na verdade, aprofundá-la”, analisou.

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O jeito de o presidente fazer política

Maria Eduarda Cardim

28/08/2019

 

 

Na análise do cientista político Thiago Vidal, apesar de o governo Bolsonaro, de forma geral, atuar de improviso na gestão de crises, ele consegue usar essas situações para abordar outras questões. Na opinião do especialista, é possível observar o jeito de fazer política do presidente no tratamento do incêndio na Amazônia. “Ele perdeu o controle em um primeiro momento, começou a retomar no fim de semana e aproveitou isso como trampolim para falar de outras áreas, como aconteceu na reunião com os governadores”, afirma o gerente do Núcleo de Análise Política da Prospectiva.

No encontro com gestores estaduais da região amazônica, o governo federal defendeu temas como o desenvolvimento sustentável e a atividade econômica com a preservação ambiental. “É uma forma de recuperar essas questões, que já tinham sido faladas na pré-campanha e em outros momentos. Dessa forma, os projetos acabam se criando com as crises neste governo”, avalia.

Para Ricardo Machado, doutor em ecologia pela UnB, o conceito usado pelo Executivo federal, endossado por alguns governadores, para falar de desenvolvimento sustentável é inadequado. “O modelo sustentável é aquele que você explora os recursos naturais sem esgotá-los. Não se resume em apenas reservar algumas porções para manter a biodiversidade da floresta. Normalmente, as porções reservadas são pequenas e, dessa forma, as funções da floresta começam a ser perder”, argumenta.

A ideia, porém, é constante nos governos, de acordo com o professor: “Todos os governos passados propuseram algo semelhante. Esse tipo de discurso não tem mudado. No entanto, ninguém teve coragem, de fato, de seguir com essa proposta”, afirma. A flexibilização da legislação da política ambiental, defendida por governadores na reunião, é vista com preocupação por Machado. “As mudanças que temos visto são no sentido de piorar a conservação ambiental. Não sei por que agora seria diferente”, diz.

Vidal acredita que o episódio dos incêndios reforça como a diplomacia é tratada pelo governo. “É um risco a longo prazo já que, pelo visto, poderemos ter episódios tão ou mais graves como esse, que tiram a credibilidade do Brasil e a vontade de países de fechar acordos conosco”, frisa. “Com esse comportamento, você começa a se isolar internacionalmente e se torna um parceiro constrangedor para os países vizinhos e outros.”