Correio braziliense, n. 20549, 27/08/2019. Brasil, p. 8

 

Entrevista - Luiza Frischeisen: "É muito importante ter um MPF autônomo"

Thaís Moura

27/08/2019

 

 

Subprocuradora-geral defende que escolhido para a PGR pertença a lista tríplice, pois são profissionais que apresentaram propostas e têm profundo conhecimento do órgão

A subprocuradora-geral da República e segunda colocada na lista tríplice para chefiar a Procuradoria-Geral (PGR), Luíza Frischeisen, defende que seja escolhido para o cargo algum dos apontados pela categoria em votação. Para ela, é importante que o nome que comandará o Ministério Público Federal (MPF) tenha um “histórico de defesa das instituições e da Constituição”.

Em entrevista ao CB Poder, programa do Correio em parceria com a TV Brasília, Luíza Frischeisen fez, ainda críticas ao Projeto de Lei nº 7.596/2017, que define as situações em que será configurado crime de abuso de autoridade. Confira os principais trechos da entrevista.

Quais pontos do Projeto de Lei de Abuso de Autoridade devem ser vetados pelo presidente Jair Bolsonaro?

Esse projeto vem de 2016, quando Renan Calheiros era o Presidente do Senado. Já naquele momento, falávamos que a proposta tinha muitos problemas. Basicamente, o projeto tem o que chamamos de tipos penais abertos. O que isso quer dizer? O direito penal trabalha com verbos que dizem o seguinte: isso é crime. Então matar, furtar, obter vantagem ilícita. E esse projeto trabalha com tipos como “dar decisão diferente do que a jurisprudência diz que deve ser”, “não permitir a abertura de procedimentos quando manifestamente não há crime”. Ou seja, é o que chamamos de tipos penais abertos. Então, é muito preocupante tanto para o MPF quanto para os juízes e para as polícias. Imagina que alguém chega em uma delegacia e diz “aconteceu um crime comigo”. O delegado vai ter que pensar: “Será que aconteceu mesmo? Será que há provas? Será que realmente vou investigar ou não?”. É evidente que isso é ruim, não só para o MPF, para a polícia e para a magistratura, mas para a sociedade.

Você se surpreende de o presidente Jair Bolsonaro sinalizar que não vetará o projeto na íntegra? Ele disse que foi perseguido em algumas oportunidades pela Justiça, e citou o exemplo de quando sofreu sanções por pesca ilegal. Então, segundo o presidente, tem que haver alguns vetos, mas é preciso, sim, punir algumas instituições por uma “perseguição autoritária”.

O projeto tem mais de 30 artigos, e nós do MPF fizemos uma nota em que pedimos o veto em nove. Sobre essa questão de ser perseguido ou não, de quem sofre ou não uma investigação ou denúncia, é importante dizer que trabalhamos em um sistema em que existem quatro instâncias de recurso, e existe, também, habeas corpus para a defesa. Então, veja, quem estaria certo? O juiz que rejeitou a denúncia e o tribunal que aceitou? Ou o contrário? O Superior Tribunal de Justiça (STJ) que adota uma tese ou o Supremo que adota outra? No caso do presidente da República, foi uma prerrogativa de foro porque ele era deputado federal, o Supremo disse que analisou os elementos da denúncia ou não. Mas, em regra  geral, vamos ter quatro instâncias, e em muitos dos crimes, nós temos quem? A vítima. E ela é uma figura para lá de importante em determinados crimes; portanto temos que ter muito cuidado quando queremos impedir a polícia de investigar, o MPF de denunciar, e o juiz de apreciar segundo suas convicções.

Para o combate à corrupção, o PL pode ser prejudicial?

Para qualquer tipo de crime, inclusive para o combate à corrupção. O Supremo reduziu muito a interpretação do que é a prerrogativa de foro daqueles que responderiam processos no STF, e isso acabou se aplicando em todos outros tribunais. Então, hoje, só tem prerrogativa de foro quem comete o crime no exercício do mandato, relacionado ao mandato. A maior parte dos processos, portanto, mesmo aqueles que estavam no Supremo, vão acabar descendo para as instâncias do primeiro grau, ou em algumas situações, para os tribunais de Justiça. É muito difícil, imagina um juiz que já pega um processo com instrução encerrada e tem que sentenciar. E, se ele não sentenciar, pode até sofrer acusações, aí sim vão dizer que ele deixou de exercer a jurisdição. Quando nós não exercemos aquilo que devemos fazer em razão de uma questão pessoal, isso é crime de prevaricação. Por isso, nós entendemos que, para além da questão dos crimes abertos na Lei do Abuso de Poder, existem crimes que se confundem com outros, com penas diferentes, com consequências diferentes, e portanto, contribuem para confundir o sistema. Porque imagina você ter duas leis que tratam do mesmo crime, qual que vamos aplicar? Aquela que é mais específica ou essa que é mais aberta?

Muita gente fala que esse projeto não passa de uma vingança da classe política em relação ao Judiciário, em relação a própria polícia, isso tudo depois da Lava-Jato. Na sua opinião, é isso mesmo?

Na verdade, esse projeto tramita há muitos anos no Senado. Em 2016, ele foi aprovado no Senado já dentro da lógica do combate à corrupção. Eu não vou falar só de Lava-Jato, mas temos que lembrar que o mensalão existiu antes, existiram outras operações dentro do STF, operações grandes também. Então, ele nasce em uma tentativa de impedir, senão de impedir, de dificultar a atuação de todo um sistema de Justiça. Não só de persecução penal, como de fiscalização, porque é importante também dizer que, quando a gente trabalha na parte penal e na de improbidade, nós temos a Receita, o Ibama, o Banco Central... Nós temos todas as agências federais que trabalham com fiscalização.

A gente está vendo no país um movimento que nos parece contra o combate à corrupção, uma interferência do presidente no Coaf, na Polícia Federal, na Receita e, agora, a questão da lista tríplice. A senhora ficou em segundo lugar na lista e defende que um dos três seja nomeado pelo presidente. Por que isso é tão importante?

Acho que essa lista é muito importante, porque o procurador-geral da República deve defender a Constituição, os tratados e as leis, ter uma compreensão da própria carreira e um diálogo com os outros ramos. Ter uma pessoa na Procuradoria-Geral com uma história de defesa das instituições, da Constituição, desse diálogo com o Executivo, o Judiciário e o Legislativo é fundamental. Quando nos propomos a participar da lista, nós participamos de um debate, expomos as nossas ideias, todos conhecem o que nós pensamos, conversamos com vários interlocutores, e o presidente pode ter a certeza de que terá um interlocutor que dirá o que efetivamente pensa, e o que a carreira pensa, e o que a carreira está fazendo sobre determinados temas. Nós fazemos isso porque a Constituição diz para fazer. Vejo a questão do meio ambiente sobre duas hipóteses: a de Brumadinho e a de agora, das queimadas. É muito importante ter um MPF autônomo, independente, por meio de suas instituições, e também dos colegas na base. Para quê? Para que nós tenhamos informações e possamos verificar se aconteceu um ilícito, se foi falta de fiscalização.

O procurador-geral da República sempre foi um subprocurador, mas fontes próximas do presidente afirmam  que o procurador regional Lauro Cardoso, que ficou em quarto lugar na votação da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR), está muito bem cotado. Há riscos de um procurador regional, e não um subprocurador, ser escolhido pelo presidente para comandar toda a PGR e o MPF?

Nós tivemos 10 candidatos, seis eram subprocuradores-gerais, essas foram uma das razões pelas quais eu resolvi me candidatar, achei importante que tivesse mais subprocuradores-gerais concorrendo. Depois que me candidatei, outros se candidataram, e agora temos uma lista tríplice com dois subprocuradores e um procurador regional que, coincidentemente, é o mais antigo de todos os regionais que estavam participando. A Constituição diz que pode ser um cidadão com mais de 35 anos e 10 anos de carreira, mas quem oficia nos tribunais superiores são subprocuradores, que fazem parte do último grau da carreira, participam do Conselho Superior do Ministério Público Federal, quatro são eleitos por todos os colegas e quatro só por subprocuradores. E, portanto, o que nós temos defendido é que seria muito bom para nós e, para todos que houvesse indicação dentro da lista tríplice, porque os três foram os mais votados, e os colegas puderam apreciar a plataforma de todos nós.

Um nome totalmente desconhecido, que não tem uma boa relação com os colegas, causaria muita rejeição?

Eu acho que ele teria dificuldades. O mandato é de dois anos, o procurador-geral tem que entrar pedalando, porque os procedimentos não param, inclusive, é por isso que é prevista até a interinidade. Então, eu acho que uma pessoa que, em nenhum momento foi apresentado e foi escolhido, teria mais dificuldades em montar um gabinete, em dar sequência rápida a procedimentos, a compreender administrativamente o que está acontecendo.

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Julgamento de Dallagnol é adiado

Augusto Fernandes

27/08/2019

 

 

A Justiça Federal do Paraná determinou o adiamento do julgamento do processo administrativo disciplinar contra o procurador da República e coordenador da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, que estava previsto para hoje no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

Responsável pela decisão, o juiz Nivaldo Brunoni aceitou um pedido do próprio Dallagnol para que o processo fosse retirado de pauta. De acordo com o procurador da República, a sua defesa renunciou ao mandato e os novos advogados que assumiram o caso “não foram formalmente intimados para apresentar alegações finais”.

Segundo Brunoni, “há claro prejuízo à ampla defesa e ao contraditório do processado, que deixou de apresentar alegações finais, porque o advogado originalmente constituído renunciou/substabeleceu, no interregno do prazo que escoava, os poderes que lhe foram atribuídos, dificultando a ação de seus sucessores — que, por sua vez, não tiveram tempo hábil para analisar o processo e formular os argumentos defensivos”.

Outra solicitação de Dallagnol aceita por Brunoni foi a de que a defesa dele tenha 10 dias para apresentar as alegações finais. Nas palavras do juiz, “não se vislumbra qualquer prejuízo à Administração Pública com a devolução do prazo requerido pela parte autora”.

O juiz determinou que “está autorizada a retomada do procedimento, desde que oportunizado prazo razoável para que o novo defensor tome conhecimento dos elementos probatórios constantes dos autos e observada a reabertura do prazo para alegações finais”. “Fica aquele órgão (CNMP) autorizado, todavia, a dar seguimento ao procedimento disciplinar desde que assegurados a ampla defesa”, detalhou.

O processo disciplinar em questão apura se Dallagnol violou deveres funcionais, por conta de uma entrevista concedida à Rádio CBN, na qual criticou decisões proferidas pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).