Correio braziliense, n. 20549, 27/08/2019. Mundo, p. 14

 

Trump está pronto para reunião com Irã

Rodrigo Craveiro

27/08/2019

 

 

Estados Unidos » Ao fim da cúpula do G7, o presidente dos EUA admite que não busca depor o regime em Teerã e aceita encontro bilateral com o iraniano Hassan Rohani. Evento deve ocorrer em poucas semanas. França diz ter criado condições para o diálogo histórico

Washington e Teerã romperam as relações diplomáticas em 1980, após a invasão à Embaixada dos Estados Unidos em Teerã por manifestantes e o sucesso da Revolução Iraniana. Quase quatro décadas depois e em meio ao impasse provocado pelo programa nuclear persa, os EUA ensaiam uma reaproximação com o Irã, sob o respaldo dos franceses. No encerramento da cúpula do G7 (os sete países mais ricos do mundo — França, Alemanha, Gã-Bretanha, Itália, Estados Unidos, Canadá e Japão), o presidente norte-americano, Donald Trump, se disse pronto a se reunir com o homólogo iraniano, Hassan Rohani. “Se as circunstâncias forem propícias, eu certamente concordo em encontrá-lo”, declarou o magnata republicano, durante entrevista coletiva em Biarritz, balneário no sul da França. “O Irã é um país de potencial tremendo. Não estamos buscando uma mudança de liderança. Eu realmente creio que o Irã pode ser uma grande nação, mas não pode ter armas nucleares”, ressaltou Trump.

Por sua vez, Rohani contrariou os linhas-duras de seu próprio país, que se opunham a contatos de alto nível com os Estados Unidos. “Se eu tiver a certeza de que comparecer a uma sessão ou ter um encontro com alguém ajudará a desenvolver o meu país e a resolver os problemas do povo, não hesitarei em fazê-lo”, declarou. Segundo a agência estatal de notícias iraniana Irna, Rohani afirmou que sua nação assegura os interesses nacionais “com duas mãos de poder e diplomacia”. “Nós precisamos usar os poderes militar, de segurança, cultural e político para frustrar os problemas criados pelos inimigos”, comentou. “O que é importante é nosso interesse nacional.”

Anfitrião da cúpula do G7, o presidente francês, Emmanuel Macron, se reuniu no domingo com o ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, e admitiu ter criado as condições para uma cúpula bilateral entre Trump e Rohani. O encontro deve ocorrer dentro de poucas semanas. A chanceler alemã, Angela Merkel, saudou a nova “atmosfera de discussões”. “É um grande avanço”, reconheceu. A ida de Zarif a Biarritz causou surpresa.

Em entrevista ao Correio, Naysan Rafati, analista sobre o Irã do International Crisis Group (ICG), afirmou que parece haver um impulso na iniciativa de Paris de começar a reduzir as tensões entre o Irã e os Estados Unidos. “Eu espero que, nas próximas semanas, particularmente com a Assembleia Geral das Nações Unidas (entre 17 e 30 de setembro) no horizonte, veremos se há interesse suficiente e disposição de Teerã e de Washington para um arranjo no qual os EUA aliviem parte da pressão econômica e o Irã retome os compromissos com o JCPOA, evitando provocações regionais”, disse, ao citar o Plano de Ação Conjunto Global, o acordo nuclear assinado em 2015 entre Irã, Estados Unidos, França, China, Alemanha, Reino Unido e União Europeia (UE).

Rafati lembrou que, em julho, após a retirada unilateral dos  EUA, o Irã começou a violar o JCPOA. “As prioridades para as partes signatárias remanescentes do pacto incluem reverter essas violações, assegurar que o estoque de urânio enriquecido iraniano e as taxas de enriquecimento retornem aos valores pactuados e evitar uma crise de proliferação imediata”, comentou. “Se isso puder ser obtido, eventualmente levaria a mais discussões sobre a expansão do acordo nuclear. No entanto, seria um processo de negociação provavelmente mais demorado.”

Teerã tenta forçar um alívio das sanções impostas por Washington que têm sufocado sua economia. Apesar disso, os ultraconservadores do regime não poupam críticas à iniciativa diplomática de Zarif e de Rohani. O jornal Kayhan classificou de “infeliz” a viagem do ministro à França, por considerar que envia uma “mensagem de fragilidade e desespero”. Essas iniciativas “são empreitadas sob a ótica imaginária de uma abertura, mas isso não vai dar nenhum resultado além de mais insolência e pressão” por parte dos EUA, insistiu o jornal. Abdollah Haji-Sadeghi — representante dos Guardiães da Revolução — também atacou os “esforços em vão” e a postura dos EUA. “Sua hostilidade em relação à Revolução Islâmica e a este conflito são sem fim. Não podemos chegar a uma solução, ou a uma reconciliação pelo diálogo. Não devíamos esperar o que quer que seja além de hostilidade”, declarou,  segundo a agência Isna.

Provável convite a Putin em 2020

Ao fim do encontro do G7, ontem, o presidente norte-americano, Donald Trump, anunciou que pode convidar o colega russo, Vladimir Putin, para a próxima cúpula em 2020, apesar da exclusão da Rússia do grupo em 2014. O evento será sediado pelos Estados Unidos. “Eu certamente poderia convidá-lo”, disse o magnata republicano, ao ser questionado sobre a presença de Putin, depois de pedir a reintegração da Rússia. Ele declarou, porém, que não sabe se o presidente russo, que “é um homem orgulhoso”, aceitaria o convite.

Magnata se nega a mediar a crise na Caxemira

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, negou qualquer possibilidade de se envolver na crise da Caxemira indiana. De acordo com o magnata republicano, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, controla a situação. Nas últimas semanas, Trump chegou a demonstrar disposição de mediar a questão delicada da Caxemira entre Índia e Paquistão. No entanto, depois de uma reunião com Modi, à margem da cúpula do G7, na França, desistiu da ideia. “O primeiro-ministro tem a impressão de ter a situação sob controle”, disse.  A situação na Caxemira, dividida entre Índia e Paquistão, duas potências nucleares, desde 1947, é mais complicada pelo fato de a China reivindicar parte da região. Em 5 de agosto, a Índia revogou a autonomia constitucional da parte sob seu controle. No fim de semana, moradores de Karachi (Paquistão) usaram um boneco de Modi para protestar contra a Índia.

Eu acho...

“Trump sancionou o líder supremo iraniano (aiatolá Ali Khamenei), que deveria autorizar as negociações. Também sancionou o chanceler iraniano, que deveria conduzir os diálogos. Se Trump for sincero sobre as negociações, deve suspender as sanções. Eu não posso imaginar tal encontro, enquanto o aiatolá seguir sancionado pelos EUA.”

Seyed Hossein Mousavian, especialista em Oriente Médio pela Universidade de Princeton