O globo, n.31461, 26/09/2019. Economia, p. 21

 

Reforma tributária: Guedes quer comissão mista 

Marcello Corrêa

Manoel Ventura

Eliane Oliveira 

26/09/2019

 

 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu ontem a instalação de uma comissão mista no Congresso, reunindo deputados e senadores, para discutir a reforma tributária. A ideia, no entanto, ainda é alvo de divergências entre parlamentares. A principal crítica é a de que a criação do colegiado pode atrasar a aprovação da medida.

— Apesar do acidente de percurso na Receita Federal, a verdade é que a nossa reforma tributária está praticamente pronta, e de preferência trabalhando em uma comissão mista. Vamos muito brevemente entrar na comissão mista com a reforma tributária — disse o ministro, em audiência na Comissão Mista de Orçamento (CMO), referindo-se à demissão de Marcos Cintra do comando do Fisco.

Hoje, duas propostas de emenda à Constituição (PEC) sobre o assunto tramitam no Congresso: uma na Câmara, outra no Senado. O governo quer enviar um terceiro projeto, mas pretende fazer sugestões às duas Casas ao mesmo tempo. Para isso seria criada essa comissão, com o objetivo de construir um texto que aproveitasse o melhor dos dois já em tramitação.

O problema é que não há uma previsão legal para isso e, na prática, o colegiado não teria poder de decidir. Pelo regimento do Congresso, uma PEC pode começar a tramitar pelo Senado ou pela Câmara. Aprovada em uma das Casas, é revisada pela outra.

Na avaliação do presidente da Comissão Especial que analisa o texto na Câmara, Hildo Rocha (MDB-MA), um grupo misto poderia atrasar a tramitação das propostas. A demora na aprovação poderá fazer com que os efeitos da reforma só entrassem em vigor em 2021 devido ao princípio da anterioridade, que prevê que um imposto só passe a valer no ano seguinte à sua criação.

Segundo Rocha, a única situação em que deputados e senadores se unem para mudar a Constituição é em uma Assembleia Constituinte.

— Comissão mista para analisar PEC só tem uma forma: Constituinte. Só que isso não é necessário no momento. O correto é fazer uma reunião entre os dois presidentes, chama os dois relatores, em um grupo informal — disse o parlamentar, que critica a demora do governo em enviar seu projeto.

—Grandes reformas precisam ser feitas no primeiro ano de mandato. Se não agir rápido, vamos perder mais quatro anos.

RELATOR VÊ ‘GESTO POLÍTICO’

O relator da proposta, deputado Aguinaldo Ribeiro (PPPB),considera a ideia ainda incipiente. Ao contrário de Rocha, porém, ele não vê problema na criação do grupo, que considera um gesto político. O governo vem tentando encontrar a melhor saída para enviar sua propostas em roubar o protagonismo do Congresso.

—A gente (parlamentares) conversou, mas ainda não tem nada consistente. De minha parte, não vejo problema. É muito mais um gesto político para a convergência do que uma parte operacional. Trata lá, trata cá, e no final vai fechar em um texto negociado com todo mundo. Está faltando o governo, que não mandou ainda a proposta, mas a gente está avançando —disse Ribeiro.

A ideia de unir os dois projetos tem mais força no Senado. As linhas gerais da proposta foram apresentadas na semana passada pelo senador Roberto Rocha (PSDB-MA), relator do texto em tramitação na Casa.Hoje,a tarefa está nas mãos do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEMAP). De sua parte,o plano está definido: o colegiado seria presidido por um deputado e teria um senador como relator. Segundo Alcolumbre, o desenho será definido em uma reunião entre ele, Guedes e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Para Simone Tebet (MDB/MS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, onde a proposta de reforma tributária está sendo analisada, a solução pode agilizar os trabalhos, já que a obtenção de um consenso poderia promover acordos entre líderes a fim de quebrar prazos regimentais.

—Desde que ele não passe de 30 dias, não vejo como atrapalharia. Isso faz com que a gente ganhe tempo — disse a senadora.

DE CAMELOS E CAVALOS

Embora tenha mais peso entre senadores, a ideia também enfrenta resistência na Casa. Líder do PSL, o partido do presidente Jair Bolsonaro, Major Olímpio (SP) teme que a comissão mista trave o debate no Congresso:

—O camelo nasceu de uma comissão que era para fazer um cavalo. Deram tanto palpite que veio esse bicho todo esquisito. Quando você não quer fazer uma coisa, você monta uma comissão.

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Economistas são 'escravos de constituintes defuntos"

26/09/2019

 

 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse ontem que irá encaminhar sua proposta para flexibilizar o Orçamento público logo após o Senado aprovar a reforma da Previdência. Chamado por ele de novo pacto federativo, o projeto quer desvincular a maior parte das despesas que hoje são obrigatórias.

— Os economistas do Orçamento são escravos de constituintes defuntos. Fizeram a Constituição 30 anos atrás, alguns já partiram, tomaram a decisão correta de carimbar os recursos, mas já se passaram 30 anos. Essas despesas vão crescendo ininterruptamente e vão tirando os orçamentos públicos da classe política — afirmou o ministro em audiência na Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso.

Guedes defende um novo pacto federativo para desindexar, desvincular e desobrigar as despesas do Orçamento federal:

— Esse Congresso pode ir para a História. O Congresso vai retomar o controle dos orçamentos públicos.

O Orçamento de 2020 prevê um total de R$ 89,1 bilhões para gastos com manutenção da máquina pública e investimentos. Com o crescimento das despesas obrigatórias (que serão 94% do total), o governo corta principalmente investimentos para cumprir o teto de gastos — regra que limita as despesas federais.

— Nós atacamos primeiro a Previdência porque é um déficit explosivo. O segundo maior problema é o crescimento venenoso, que está destruindo as finanças brasileiras, que é o crescimento das despesas obrigatórias —disse Guedes.

DISCUSSÃO NA AUDIÊNCIA

O ministro antecipou que, em que pese a pretendida flexibilização das verbas públicas, algumas despesas continuarão indexadas, como o salário mínimo, a educação básica e a saúde preventiva. O salário mínimo é corrigido pela inflação medida pelo INPC. O governo chegou a avaliar pôr fim a essa correção automática, mas desistiu.

A audiência com Guedes durou duas horas e meia, sendo encerrada após uma discussão entre o ministro e o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ). Este perguntou se Guedes desmentiria ou negaria informações de que seus negócios “tinham uma relação bilionária com o setor privado de educação”. Guedes se irritou, afirmando que só falaria sobre as contas públicas. Na sequência começou um bate-boca, que levou o presidente da CMO, senador Marcelo Castro (MDB-PI), a encerrar a sessão antes do previsto.

Na saída do plenário, Guedes reclamou de Braga:

— Tem uma minoria que não sabe o que é democracia. Quer falar sozinha. Era minha hora de falar, e ele ficou falando. E me ofendendo.

‘A CÂMARA É MUITO LEGAL’

Cercado de muitos seguranças e jornalistas ao deixar a sala da CMO em direção à presidência da Câmara, Guedes disse que voltará à Casa:

—A Câmara é muito legal. Todo mundo aí muito legal, muito construtivo. Tem um ou outro porco-espinho, só.

O ministro foi depois para uma reunião com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

(Manoel Ventura e Eliane Oliveira)