O globo, n.31460, 25/09/2019. Artigos, p. 02
Bolsonaro faz na ONU discurso para a militância
25/09/2019
A tradição da diplomacia brasileira poderia indicar que opresidente Jair Bolsonaro utilizaria seu primeiro pronunciamento na abertura de uma Assembleia Geral das Nações Unidas para amenizar o choque com países europeus, principalmente a França, sobre a defesa da Amazônia. Mas apolítica externa deste governo rompeu coma prudência do passado.
Ao contrário, o pronunciamento de Bolsonaro foi agressivo na abordagem e carregado de ideologia em geral. O presidente, como já fez várias vezes, preferiu falar ao bolsonarismo radical. Optou por atender um público interno.
Neste sentido, Bolsonaro mais uma vez adotou o estilo de campanha política. Perdeu uma oportunidade de, por exemplo, facilitara colaboração externa na preservação da Amazônia, oque deve ter agradado aos grupos que vivem da exploração predatória da região.Por maisque o presidente tenha assumido o“compromisso solene” de defendera Amazônia.
Para Bolsonaro, a floresta está “praticamente intocada”, contrariando o que mostra o monitoramento constante por satélites. Para ele, a floresta não está sendo desmatada, nem consumida pelo fogo.
Numa referência à França, criticou quem propôs sanções sem ouvir o Brasil. De fato, Emmanuel Macron, presidente francês, se excedeu ao alardear a destruição da floresta. Chegou a divulgar em rede social foto antiga de um incêndio na região. Macron também ultrapassou barreiras da sensatez diplomática ao propor que o tratado comercial entre o Mercosul e a União Europeia não fosse assinado. O que fez a chanceler alemã, Angela Merkel, reagir. O presidente francês misturou as coisas, sendo que o acordo tem uma cláusula ambiental. Que seja acionado.
Bolsonaro registrou, ainda, o “espírito colonialista” que haveria por trás dessas manifestações de preocupação com o meio ambiente no Brasil, onde está a maior floresta tropical do planeta. No pano de fundo, a defesa da soberania nacional, ponto inegociável principalmente para os militares.
Mas houve também aspectos positivos. A menção ao interesse em “reconquistar a confiança do mundo”, por meio da desburocratização e desregulamentação, foi um deles. Assim como a defesa da liberdade política da qual é dependente a liberdade econômica, e vice-versa.
Bolsonaro afirmou, também, que o Brasil estás e abrindo ao mundo, integrando-se às cadeias globais de produção, essenciais para amodernização da economia.
Outro tema polêmico abordado por Bolsonaro, os índios, também recebeu um tratamento agressivo, incluindo ironias com o cacique Raoni, recepcionado na França por Macron. Tendo levado na comitiva a índia Ysani Kalapalo e citado uma organização de “índios agricultores”, Bolsonaro decretou o “fim do monopólio do Sr. Raoni”.
Foi feita, ainda, a defesa da exploração de riquezas minerais que se supõe haver no subsolo de reservas indígenas —foram citada sados Ianomâmi seada Raposa Serra do Sol. A questão precisa mesmo ser enfrentada pelo Congresso e pela sociedade, para que haja uma exploração racional dos minérios.
Houve, também, menção ao papel supostamente negativo da “mídia”, um dos alvos preferenciais do bolsonarismo de raiz, acusações a Cuba e ataques ao socialismo. Pontos que mobilizam apenas os nichos mais ideológicos que o apoiam.
Não há dúvida de que o estafe profissional do Itamaraty não foi utilizado na redação do discurso.