O globo, n.31460, 25/09/2019. País, p. 14

 

Solidão das mulheres 

Elenilce Bottari

Elisa Martins

Fernanda Pontes 

Gabriel Cariello

25/09/2019

 

 

Mãe de dois meninos, Tainá (ela prefere preservar a identidade), de 24 anos, sempre sonhou ter uma menininha. A surpresa veio este ano, e a bebê vai nascer no próximo mês. Tainá chora quando conta isso. E as lágrimas não são exatamente de alegria. É que a barriga cresce dentro de uma cela na Penitenciária de Sant’ana, na Zona Norte de São Paulo. Por lei, a mãe pode ficar pelo menos seis meses com a bebê recém-nascida. Depois, diz Tainá, a pequena será entregue à avó, até ela terminar de cumprir a pena, de mais três anos.

A separação dos filhos é a mais dolorosa pena que enfrentam 80% das 43.562 mulheres presas em todo o país. Elas são mães e correm o risco, caso não tenham com quem deixar as crianças, de serem condenadas também à perda definitiva da guarda. É uma realidade cada vez mais presente para parte da população feminina do Brasil, já que o encarceramento feminino cresceu em escala geométrica nas últimas duas décadas. Em 2000, menos de seis mil mulheres se encontravam presas.

Em apenas 16 anos, este número subiu 656%, enquanto que, no caso dos homens, este crescimento foi de 293%. Embora correspondam a 5,2% da população carcerária do país, as brasileiras já representam a quarta maior população presa do mundo, ficando atrás apenas de países como Estados Unidos, China, Rússia e Tailândia.

Entre as causas apontadas para o fenômeno, está a própria condição feminina. Seis em cada dez mulheres estão detidas por tráfico de drogas, e essa relação muitas vezes começa com um namorado traficante.

Atualmente, há 11.646 detentas nas unidades prisionais de São Paulo, 26,7% do total de brasileiras encarceradas. A infração mais comum é “tráfico de drogas e condutas afins”, razão que levou quase 64% delas para trás das grades. São mulheres em sua maioria com grau de instrução baixo, com ensino fundamental incompleto (39%), segundo a Secretaria de Administração Penitenciária do estado. Um perfil que se repete por todo o país.

—Fui presa porque me colocaram no tráfico de drogas. Entraram na minha casa e acharam uma bolsa de droga. Eu nem sabia que estava lá. Mas acabei parando aqui —afirma Tainá.

Condenada a cinco anos e dez meses de prisão, o pré-natal é feito dentro da cadeia.

— Eles fazem ultrassom, pelo menos nessa parte de médico, ajudam —conta.

— Sobre o parto, dizem que só saio daqui quando estiver ganhando (o bebê). Tem que esperar sentir as dores para ir ao hospital. A única coisa que falaram foi isso.

GRÁVIDA REINCIDENTE

Mulheres na faixa etária de Tainá (18-24) representam cerca de 20% da população carcerária feminina do estado de São Paulo. Gisele, de 22 anos, acaba de chegar em Sant’ana. Mas não é novata. Esteve na penitenciária há sete meses, saiu, e foi detida de novo, há três meses, por tráfico no Centro de São Paulo.

Na reincidência, Gisele voltou grávida. A barriga de três meses de gestação começa a despontar no corpo mirrado, com algumas cicatrizes e tatuagens. Ela diz que ainda não sabe o sexo do bebê. Nem o paradeiro do pai dele:

— Mulher é totalmente abandonada na cadeia. Homem, não. Homem tem fila de mulher em presídio — constata.

— A gente vem presa, eles ficam na rua e arrumam outra. Comigo aconteceu isso.— reclama a jovem que aos poucos está perdendo também o contato com a família.

— Acho que eles se cansaram. Minha mãe, meu pai, meus irmãos. Mando (cartas) ,mas ninguém responde.

Gisele não sabe o que será do bebê caso não consiga contato com a família:

— Tenho medo do abrigo pegar, do Conselho Tutelar, e de eu nunca mais vê-lo.

A solidão é outro traço comum às presas. Uma vez detidas, elas são condenadas ao esquecimento. Distante dali 410 quilômetros está a Penitenciária Talavera Bruce, no Complexo de Gericinó, a mais antiga prisão feminina do país, inaugurada em 1942. Foi construída após os Código Penal e Código de Processo Penal, ambos de 1940, determinaram que mulheres ficassem presas em estabelecimentos prisionais.

Entre suas mais de 400 detentas está Alia Pimentel, mãe de quatro filhas, de quem ela não acompanhou a adolescência. Alia foi presa há dez anos por tráfico de drogas, cumpre uma pena de 24 anos e ainda aguarda decisões sobre outros processos. Ela não tem planos para o futuro.

— Você só cai na realidade quando entra por este portão azul. Quando bate o portão e o cadeado. Ficha só cai quando você houve o barulho da porta de ferro batendo por trás de você. Bem-vinda, você está no sistema —lembra.

—Eu vivo só, minha mãe tem câncer e não tem condições físicas de me visitar.

Alia lembra que foi também através de um namorado que se envolveu no tráfico, mas garante que foi sua opção:

— Nós temos dois caminhos na vida, eu escolhi o pior. Por que hoje eu falo que é o pior? Porque essa escolha contribui somente com ostentação na nossa vida, você dá tudo de bom pro seu filho. Mas seu filho não quer tudo de bom, seu filho quer um abraço, seu filho quer acordar de manhã e falar “mãe!”. E ninguém fala.