O globo, n.31459, 24/09/2019. Artigos, p. 02

 

Caso Àgatha é um alerta para polícias do país 

24/09/2019

 

 

A morte de Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, atingida por uma bala perdida dentro de uma Kombi, ao lado da mãe, no Complexo do Alemão, s ex ta-feiraàn oi te,é uma tragédia completa. Não só pela perda, mas também porque expõe uma equivocadapolítica de segurança do governoWitzel,a poiada numa polícia com alto índice de letalidade, como mostram as estatísticas do próprio ISP.

Entre janeiro e agosto deste ano, 1.249 pessoas morreram em decorrência de operações policiais, um crescimento de 16% em relação ao mesmo período do ano passado, e um recorde desde 1998, quando foi iniciada a série histórica. A morte de inocentes costuma ser efeito colateral dessa estratégia.

Nesse contexto, Ágatha não é caso isolado. Elaéaquint acriança morta por balas perdidas no estado este ano. Em fevereiro, foi Jenifer Cilene Gomes, de 11 anos, atingida na porta do bar da família, em Triagem; em março, a vítima foi Kauan Peixoto, 12 anos, baleado durante operação policial na Chatuba, em Mesquita, na Baixada; em maio, morreu Kauã Rozário, 11 anos, alvejado num confronto entre PMs e traficantes, em Bangu; no feriado de 7 de setembro, Kauê Ribeiro dos Santos, 12 anos, levou um tiro no Complexo do Chapadão. Sob nenhum argumento se pode encarar com naturalidade essa saraivada de balas perdidas.

Ontem, em entrevista, mais de 48 horas após o crime, o governador Wilson Witzel prometeu que o caso será apurado com rigor. Evidentemente, é preciso esperar o fim das investigações para saber as circunstâncias da morte de Ágatha. De início, a polícia informou que PMs foram atacados a tiros por bandidos. Testemunhas afirmaram, porém, que não houve confronto eque o disparo teria sido feito por uma policial em direção a suspeitos numa moto que recusaram a ordem de parar.

Entende-seque o Rio vive uma situação de guerra, eque muitas vezes o confronto entre policiais e bandido sé inevitável—no fim de semana, dois P Ms morreram em serviço, baleados por traficantes. Mas há casos e casos. Na Ponte Rio-Niterói, a polícia agiu com competência quando um sniper matou o sequestrador que ameaçava passageiros de um ônibus no mês passado. Outra coisa é fazer operações desastradas, com chuvas de balas perdidas, pondo em risco avida de inocentes.

Há muitas lições a serem tiradas da tragédia. O caso Ágatha põe em xeque o projeto de excludente de ilicitude que constado pacote anticrime do ministro Ser gio Moro eé apoiado pelop residente JairBol sonar o.Apr oposta, que tramita no Congresso, livra de punição os policiais que matam em confrontos.

A redução do número de homicídios também não pode ser justificativa para o aumento da letalidade policial. Primeiro, porque essa queda vem ocorrendo em quase todo o país, ou seja, não se deve apenas a ações locais. Segundo, não há relação de causa e efeito. Distrito Federal, Acre e Maranhão, por exemplo, conseguiram baixar igualmente os assassinatos e as mortes decorrentes de ações policiais.

O caso Ágatha é um alerta para as polícias de todo o país. Inegável que o combate ao crime deve ser visto como prioridade pelos governos. No entanto, é preciso ter protocolos para não expor a população, além de uma política de segurança apoiada mais na inteligência do que no confronto.