O globo, n.31459, 24/09/2019. Mundo, p. 19

 

'Ameaça à segurança'

24/09/2019

 

 

Países da América ativam tratado de defesa regional contra Maduro

Com 16 votos a favor, um contrário e uma abstenção, os chanceleres dos países membros do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar) aprovaram uma resolução que afirma que o regime de Nicol ás Maduro representa uma“ameaça à estabilidade” da região. É a primeira vez que o tratado de 1947 é ativado desde a Guerra Fria. Em 1982, durante a Guerra das Malvinas, o mecanismo foi invocado pela Argentina, mas os Estados Unidos, aliados do Reino Unido, vetaram sua ativação.

A resolução foi proposta pela Colômbia e copatrocinada por Brasil, EUA, Chile, Haiti, Perue Venezuela—esta representada por Julio Borges, enviado do líder opositor Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional que se proclamou “presidente interino” em janeiro e foi reconhecido como tal por mais de 50 países. O texto acusa o governo Maduro de envolvimento em tráfico de drogas, terrorismo, lavagem de ativos, corrupção e violações de direitos humanos.

Em termos práticos, a decisão propõe identificar, designar e sancionar pessoas e entidades ligadas ao governo de Maduro, além de criar uma rede para intensificar a cooperação jurídica e policial para investigar atos supostamente criminosos cometidos por elas. Uma nova reunião dos ministros foi marcada para daqui a dois meses.

URUGUAI VOTOU CONTRA

Enquanto os chanceleres que aprovaram a invocação do Tiar davam entrevista em Nova York, à margem da Assembleia Geral da ONU, Maduro confirmava na TV que estava partindo ontem para a Rússia, em visita anunciada semana passada por Moscou, hoje uma das principais aliadas e parceiras comerciais de Caracas, ao lado de Pequim e Ancara.

—Vou em visita oficial para encontrar-me com nosso amigo e companheiro Vladimir Putin, com o objetivo de revisar toda adinâmica de nossa relação bilateral e buscar novos caminhos que dinamizem a relação em todos os planos —disse Maduro.

O Tiar, assinado no cenário da disputa entre EUA e a antiga União Soviética, contempla medidas que cobrem desde negociações até a ruptura de relações diplomáticas e ações coercitivas como a intervenção militar. Todas as decisões precisam de dois terços (13) dos votos dos Estados participantes para serem adotadas.

O Uruguai foi o único a votar contra a ativação do Tiar. Trinidade Tobago se absteve. O tratado tem hoje 18 países membros, depois da saída de México, Nicarágua, Equador e Bolívia. A Venezuela também havia se retirado do pacto em 2012, já no governo de Hugo Chá vez, masa Assembleia Nacional comandada por Guaidó aprovou em julho a reincorporação do país.

Ao fim do encontro dos chanceleres em Nova York,Julio Borges,re presentante de Guai dó, disseque a ativação do Tiar é um “enorme avanço”:

— Com isso, se unifica um sistema de investigação e inteligência em temas como corrupção, narcotráfico e violação de direitos humanos. Os países se comprometem a compartilhar informação e se articular em toda a região para agir. Vemos um processo gradual de aumento da pressão contra Maduro com o Tiar.

O chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, eleito primeiro vice-presidente do chamado Órgão de Consulta, formado pelos chanceleres dos países membros do Tiar, afirmou que “situações excepcionais requerem respostas excepcionais”. Segundo nota divulgada pelo governo brasileiro, o objetivo é evitar que a Venezuela “continue sendo território livre para atividades ilícitas e criminosas, que constituem graves ameaças à segurança regional, além de castigo sistemático ao povo venezuelano”.

O Uruguai, único país a votar contra a resolução— e também o único país-membro do Tiar que hoje tem um governo de esquerda —já havia afirmado que sairia do tratado caso fosse aprovada uma intervenção militar na Venezuela.

— O Tiar é para países que estão sofrendo agressões armadas da parte de uma nação estrangeira não signatária do Tiar; o Uruguai vai refletir muito sobre esse tratado, e se essa votação tiveras consequências que parece que pode ter (a intervenção armada), nó sovamos denunciar evamos sair do tratado, com toda certeza — disse o chanceler Rodolfo Nin Novoa.

SEM USO DA FORÇA

Em outra frente, os países do Grupo de Lima, formado por nações que hoje reconhecem Guaidó como “presidente interino”, também se reuniram à margem da Assembleia Geral da ONU. Em comunicado, eles acusaram Maduro debloquear o diálogo coma oposição afim de impedi ruma saída para acrise política e econômica venezuelana por meio de eleições livres.

No encontro de ontem, disse ao GLOBO Gustavo Tarre Briceño, representante de Guaidó na OEA, 14 dos 18 países do Tiar disseram se opor a qualquer tipo de ação armada na Venezuela. Alista inclui o Brasil. Um dos objetivos do grupo de Guai dó nos próximos dois me se sé modifica ressa posição.

— Nossa opinião é de que flagelos como o narcotráfico não podem ser combatidos sem ou soda força porque essa é a única linguagem que conhecem. Tentaremos, co moem tudo oque fizemos, chegar a esse consenso —disse Briceño.