O globo, n.31459, 24/09/2019. Sociedade, p. 22

 

MEC propõe professores CLT nas faculdades 

Paula Ferreira

Raphael Kapa 

Felipe Moura 

24/09/2019

 

 

A proposta anunciada ontem pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, de contratar professores para universidades federais em regime CLT dividiu opiniões entre especialistas na área. De um lado, a visão de que a mudança no modelo de contratação em seu princípio fere o que está previsto na Constituição para as universidades públicas e afetaria a autonomia dos docentes em sala de aula; de outro, a opinião de que o regime estatutário não é a melhor opção para garantir eficiência nessas instituições.

Em coletiva de imprensa ontem Weintraub afirmou, como divulgado inicialmente pelo “Estado de S.Paulo”, que planeja transformar a contratação pelo regime CLT em uma exigência às universidades que aderirem ao programa “Future-se”, plano de financiamento do Ministério da Educação (MEC) para as instituições federais de ensino superior anunciado em julho.

Para essas contratações acontecerem, as universidades poderão contratar organizações sociais ou atuar através de suas fundações para que os futuros docentes sejam efetivados como celetistas.

— As faculdades e universidades que aderirem ao Future-se vão ter de passar a contratar via CLT e não mais via concurso público, um funcionário público com regime jurídico único — afirmou o ministro.

Segundo Weintraub, o sistema funcionaria nos moldes do que ocorre na Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), que gere os hospitais universitários e prevê regime de contratação celetista.

MODELO A SER REPRODUZIDO

Oswaldo Ferreira, presidente da Ebserh, defende o modelo adotado pelo órgão e acredita que ele é fundamental para garantir a prestação de serviços.

—Cria-se uma maior facilidade para disponibilizar serviços para a população. Essa é a meta. Fazer uma contratação de um estatutário é muito mais difícil (do que um celetista) —conta Ferreira.

A Ebserh possuí atualmente 32 mil funcionários celetistas e 21 mil em regime jurídico único. Um dos pontos do debate é se a estabilidade dos primeiros é inferior a dos estatutários. Na experiência dos hospitais universitários, para demitir um funcionário, a empresa precisa abrir um Processo Administrativo Disciplinar, no qual estão previstas diversas fases incluindo a defesa do funcionário perante as acusações das quais é alvo. Só ao final do processo é possível desligar o servidor. Nesse modelo, os servidores passam por uma avaliação anual pelos gestores.

Professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e especialista em financiamento do ensino superior, Nelson Cardoso do Amaral afirma que a medida poderia fragilizara autonomia das universidades federais, que é garantida pela Constituição.

— Isso é um absurdo no meio universitário. Qual seria a maneira de contratar e demitir esses professores? Basta ele falar alguma coisa que contraria a ideologia do ministro em sala de aula que estaria suscetível à demissão? Contraria tudo que a Constituição diz em termos de universidade pública — afirma o docente.

PROPOSTA DIVIDE OPINIÕES

Segundo o professor, o MEC precisa esclarecer com urgência os termos do programa“Future-se” e admitira necessidade de mudança constitucional para implementar as mudanças.

— Se querem mudar esses termos, quete nhama coragem demudara Constituição, apresentar uma PEC e não ficar utilizando subterfúgios para colocar uma organização social nesse contexto para fazer contratação por CLT.

Na opinião do sociólogo Simon Schwartzman, especialista em ensino superior, a sugestão do ministro não é ruim desde que haja critérios claros relacionados à contratação e à demissão e um plano de carreira para os professores.

— A universidade tem que ter carreira própria com regra de contratação, um sistema adequado que estabeleça se a pessoa vai ser promovida ou dispensada. A legislação CLT permite isso. Não podemos manter o sistema atual que é completamente ineficiente —argumenta.

Paulo Meyer, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), faz a ressalva de que é preciso garantir que a eventual mudança não torne contratações temporárias uma rotina, o que seria ruim para as instituições de ensino.

— O fato de ser celetista ou RJU não é um grande problema a princípio. O problema seria tornar contratações temporárias uma rotina. O pesquisador da universidade precisa ter vínculo com uma instituição para participar de projetos de pesquisa a longo prazo —diz Meyer.

O pesquisador destaca que é preciso ter uma discussão sobre os parâmetros de desempenho que vão nortear as decisões do MEC em relação aos professores, para que não se crie uma visão utilitarista das universidades.

— É preciso tomar cuidado para não tratar como algo desnecessário as áreas que não têm uma aplicabilidade prática ou pesquisas voltadas para destinação mercadológica. As áreas de pesquisa por si só se justificam sem necessariamente ter uma aplicação prática mais imediata —argumenta.

MEC ENVIA OFÍCIO ÀS ESCOLAS

No mesmo dia que defendeu a contratação por CLT em universidades, o ministro da Educação também comunicou que enviou um ofício para a educação básica. Secretarias estaduais e municipais receberam um documento que recomenda o ensino plural de ideias, o combate à propaganda político-partidária e ao bullying, à automutilação e suicídio. A medida, batizada de “Escola de Todos” quer, segundo Weintraub, “pacificar o ambiente escolar”, ao garantir a liberdade dos professores no ensino, mas orientando a comunidade escolar a coibir o que ele qualificou como “excessos”. Proposta prevê transição de estatutário para regime celetista.