O globo, n.31458, 23/09/2019. País, p. 06

 

Ministro da AGU atua como consultor informal da bancada evangélica

Gustavo Schmitt 

23/09/2019

 

 

Cotado para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) e apontado pelo presidente Jair Bolsonaro como “terrivelmente evangélico”, o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), André Luiz Mendonça, transformou-se numa espécie de consultor informal da bancada evangélica no Congresso. Pastor da igreja presbiteriana de Brasília, Mendonça tem sido procurado por deputados deste segmento religioso, que buscam apoio jurídico para destravar suas agendas no Parlamento. Uma delas é o projeto contra a criminalização da homofobia — que, em junho, foi enquadrada pelo STF como racismo.

Desde que assumiu o comando da AGU, em janeiro, Mendonça recebeu em seu gabinete ao menos seis parlamentares da bancada evangélica. Dois deles estão entre os mais influentes do grupo: Silas Câmara (PRBAC), presidente da Frente Parlamentar Evangélica (FPE), e o bispo licenciado Marcos Pereira, que comanda o Republicanos (exPRB). O assunto foi tentar aprovar no Congresso um texto que reverta os efeitos da decisão do STF que criminalizou a homofobia.

O tema foi justamente o que aproximou Mendonça e a bancada evangélica depois que ele, como ministro da AGU, defendeu no STF que a lei não exige tipificação criminal específica sobre homofobia e transfobia, e que não há que se falar, portanto, em obrigação jurídica imposta ao poder público.

—Sem sombra de dúvida, a manifestação é exatamente o que pensa toda bancada evangélica, inclusive o nosso presidente. O André é alinhado com as nossas pautas conservadoras — disse o o pastor e deputado federal Marco Feliciano (PodemosSP), um dos parlamentares evangélicos mais próximos do presidente Jair Bolsonaro.

Preocupada com a liberdade de culto religioso, a bancada demonstra irritação com o que chama de ativismo do judiciário em pautas de costumes. Aos deputados, Mendonça disse que a AGU está de portas abertas para o diálogo. Em resposta, ouviu um pedido de interlocução junto ao governo para barrar iniciativas que, dizem, “usurpam a competência do Legislativo”.

PAUTAS INCÔMODAS

Abancada está incomodada com assuntos que estão na pauta do STF para o segundo semestre, como a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação e do porte de drogas para consumo pessoal. E não é só. Também há mal-estar com decisões de juízes de primeira instância que têm autorizado o cultivo de maconha para uso medicinal.

—Fizemos esse pedido político a ele (Mendonça), que se predispôs afaze ressa interlocução.Até porque a AG U pode se manifestar nos julgamentos do STF. Agente não tem dúvida de que elevais e posicionar tecnicamente pró nossas pautas —diz o deputado Sóstenes Cavalcanti (DEM-RJ), próximo a Silas Malafaia, pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo.

Segundo o bispo Robson Rodovalho, que esteve no gabinete do AGU junto com Marcos Pereira, a preocupação da bancada era de que a decisão do Supremo sobre homofobia pudesse interferir na liberdade de culto.

—Queríamos saber com o ministro quais seriam os efeitos da decisão no dia a dia das igrejas. E também uma consulta sobre a construção de um texto novo que resguarde os valores cristãos —disse Rodovalho.

Servidor de carreira da AGU e de perfil técnico, o ministro é reverendo da igreja presbiteriana, cuja atuação costuma ser de discrição na política e de viés mais progressista, sem ostentar alinhamento a Bolsonaro ou a qualquer outro político. Em entrevistas, Mendonça tem defendido a laicidade do Estado.

Procurado, o ministro não comentou suas conversas com a bancada evangélica. Em entrevistas, tem dito que defende a liberdade religiosa e que sua atuação é técnica.

A proximidade de Bolsonaro com os evangélicos remonta à campanha , quando o bloco foi decisivo para a sua vitória nas urnas. Conforme O GLOBO revelou semana passada, a população evangélica se multiplicou por quatro no Brasil desde os anos 1980 e deve ultrapassar a católica a partir de 2040.