O globo, n.31458, 23/09/2019. País, p. 14

 

Quem manda? 

Aline Ribeiro 

Elenilce Bottari

Fernanda Pontes 

23/09/2019

 

 

PRISÕES TEM TAXA DE HOMÍCIDIO MAIOR DO QUE O BRASIL

No Brasil não há pena de morte. Porém, quando o território está limitado aos muros de uma unidade prisional, a realidade é outra. O ex-detento Robson Gomes, que cumpriu parte de sua pena na unidade de Ary Franco, em Água Santa, na Zona Norte da capital fluminense, acompanhou a morte, por sentença, de um colega de cela condenado por envolvimento com uma facção rival. O caso aconteceu nos anos 1990, mas a regra existe até hoje. A violência praticada nas unidades prisionais está, na maior parte das vezes, ligada à atuação das facções criminosas, o que torna as mais de 2.600 cadeias do país o território mais perigoso.

Dados comparativos de junho de 2017 do Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional revelam que a taxa de homicídios entre presos é de 48,32 por cem mil habitantes. Foram 351 homicídios entre janeiro e junho de 2017, para uma população carcerária de 726.354 presos no mesmo período (hoje são 831 mil presos). A taxa nacional de homicídios, no entanto, é bem menor: 31,6 por cem mil habitantes. E o Brasil tem o segundo maior indicador de violência da América do Sul, perdendo apenas para a Venezuela.

SEPARAÇÃO POR FACÇÃO

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública listou a presença de 31 facções criminosas nos presídios. A maior, nascida em São Paulo, teria cerca de 36 mil membros. A mais antiga delas, surgida no Rio de Janeiro, tem 20.500 faccionados entre os 53 mil presos do território fluminense. Fenômeno mais recente de violência, as milícias também já têm o seu ponto de domínio nas cadeias.

— Os dados de segurança pública apontam que a milícia é uma nova facção criminosa. Se no passado, ela veio como uma organização paramilitar, hoje grande parte da milícia são pessoas que saíram de facções de tráfico de drogas. Então hoje já se tem no sistema prisional unidade específica para milicianos — afirma o juiz Rafael Estrela, titular da Vara de Execuções Penais do Rio de Janeiro.

Estrela confirma que, na distribuição dos presos nas cadeias, as organizações criminosas são levadas em consideração:

— O preso primeiro é separado por regime, o regime fechado, o semiaberto e o aberto. Uma vez classificado pelo regime, ele é separado em unidades de facção se ele se declara faccionado.

São estes grupos que, também fora dos presídios, comandam o tráfico, os assaltos a bancos e a empresas transportadoras de cargas e também o extermínio no país.

— O combustível dessas facções é a massa carcerária, a massa de jovens na periferia sem opções de trabalho, sem perspectiva de educação e trabalho formal. Mais que nada é a massa carcerária — analisa Benjamin Lessing, cientista político da Universidade de Chicago que pesquisa facções criminosas na América Latina e nos EUA.

Juiz da Vara de Execuções Penais do Estado do Amazonas, onde uma briga entre integrantes da mesma facção deu origem a um rebelião em maio passado que se espalhou por outras unidades e deixou 55 mortos em presídios do estado, o juiz Ronnie Frank defende o fim da separação de presos por facção.

—O risco (de homicídios) sempre existirá, mas acho que o pior é o que estamos fazendo, alimentando ainda mais, fortalecendo o vínculo entre eles, quando separamos as facções por alas. As facções existem hoje por culpa do estado que amontoou pessoas dentro de prisões. As prisões no Brasil se transformaram em prisões depósitos, não são prisões com a finalidade estabelecida em lei para recuperar e ressocializar.

Integrante da facção de São Paulo, Adams Johnny Campelo, de 34 anos, está preso na Penitenciária de Segurança Máxima Doutor Romeu Gonçalves de Abrantes, mais conhecida como PB1, em João Pessoa, na Paraíba. Ele conta como é a chegada de um faccionado ao sistema:

— Primeiro você fica cinco dias no que chamamos de reconhecimento. Ali, os presos de diferentes pavilhões te fazem perguntas de praxe: o vulgo (apelido no crime) ,sua quebrada. Se não der para morar num, porque algum preso vai cobrar alguma coisa lá de fora, tem de ir para outro pavilhão. O sistema carcerário está tão dominado pelas facções que ou você mora de um lado, ou mora de outro. Da facção, temos ajuda jurídica, financeira e apoio moral.

ORIGEM NA ILHA GRANDE

A promotora do Ministério Público do Amazonas Christianne Corrêa defende que a divisão de presídios por facções torna reféns as famílias de presos mais pobres.

—Nós tínhamos, por exemplo, situações de um familiar relatar informalmente: "deixo de ter comida na minha casa para poder levar para o meu parente que tá preso senão ele vai apanhar ". Já ouvimos de internos :" eu recebo a minha comida que a família traze eu tenho que repassar porque senão vou sofrer consequências". Então esse empoderamento é muito negativo.

O estado do Rio de Janeiro foi o primeiro da federação a ter uma facção criminosa dentro de presídio. Do convívio, no anos 70, entre presos políticos e assaltantes comuns no presídio Cândido Mendes, na Ilha Grande, surgiu a Falange Vermelha. Hoje o esta dotem pelo menos cinco facções. No entanto, a última grande rebelião ocorreu em 2004 elevou à criação do Grupo de Intervenção Tática, para controle de conflitos.

Para os secretário estadual de Administração Penitenciária do Rio, coronel PM Alexandre Azevedo, as facções dentro das unidades só terão fim quando seus domínios acabarem para fora dos muros:

— Facção criminal não se mantém existindo só em presídio, isto é bobagem. Tanto que, se a facção criminal terminar em todos os locais da sociedade dita livre, automaticamente ela termina aqui dentro.