O globo, n.31458, 23/09/2019. Sociedade, p. 25

 

Controle de danos 

Jussara Soares 

Janaína Figueiredo 

23/09/2019

 

 

Depois de ter sido um dos principais alvos de críticas na Greve Global do Clima, sexta-feira passada, por sua política ambiental, o governo Jair Bolsonaro (PSL) enfrentará nos próximos dois dias testes cruciais para reverter —ou acentuar —os danos à imagem do Brasil no cenário internacional. Hoje acontece a Cúpula do Clima da Organização das Nações Unidas e, amanhã, o presidente discursa na Assembleia Geral da ONU. Especialistas ouvidos pelo GLOBO detectam o retrocesso no papel do Brasil em relação à crise climática e alertam que o fim do protagonismo na área não será superado em um par de dias.

A Cúpula do Clima reúne representantes de 60 países e ganhou contornos ainda mais relevantes após a crise das queimadas na Amazônia. Em 2020, as regras estabelecidas pelo Acordo de Paris, que já está em vigor, começam a valer de fato para os 195 países signatários. Nos últimos anos, o Brasil havia conquistado protagonismo nas discussões climáticas ao redor do mundo. No entanto, a partir de 2015 e principalmente do final de 2018, o cenário mudou. O crescimento do desmatamento e a postura adotada pelo presidente a respeito do tema, com críticas ao Acordo de Paris e alinhamento com o discurso do presidente americano, Donald Trump, fragilizou a influência do Brasil.

PRESSÃO DO AGRONEGÓCIO

A expectativa é de que na rodada de discursos que acontece hoje, da qual o Brasil não participa, líderes mundiais falem sobre ações para reverter o cenário de degradação. No caso do Brasil, um dos principais compromissos era o de zerar o desmatamento na Amazônia Legal e restaurar 12 milhões de hectares de florestas até 2030. A ONU divulgou ontem relatório no qual afirma que os países precisam triplicar seus esforços para atingir a meta estabelecida pelo Acordo de Paris.

O pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP) Carlos Nobre, que está em Nova York, considera fundamental o discurso de Bolsonaro na ONU.

— Se for sinalizada a preocupação com o destino da Amazônia, essa imagem negativa poderia eventualmente melhorar —disse Nobre.

Na opinião da antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, professora da USP, emérita da universidade de Chicago e membro da Academia Brasileira de Ciências, o governo promove “um sucateamento de todas as instâncias de fiscalização de práticas nocivas para o meio ambiente”.

— Crimes como desmatamento, queimadas e grilagem estão deixando de ser fiscalizados e, mais ainda, são encorajados —denunciou a antropóloga.

Para Manuela, “o governo chega à Cúpula do Clima numa posição muito ruim, o que é uma perda enorme para o Brasil. Sofremos prejuízos para o clima e o agronegócio”.

O professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UNB) Eduardo Viola acha que “vivemos um momento de brutal deterioração da nossa imagem”.

—O governo tentará fazer um controle de danos, mas não existe reversão imediata. Ações futuras serão importantes — assegurou o professor da UNB.

Segundo ele, “o governo está percebendo a importância de mitigar as críticas, principalmente, pela pressão de setores como o agronegócio”.

— As principais forças econômicas e sociais brasileiras não são a favor da destruição da Amazônia e os ideólogos do governo deverão se adaptar a essa realidade —apontou Viola.

GOVERNADORES

Em paralelo à Cúpula do Clima e por iniciativa do presidente da França, Emmanuel Macron, será realizado um “chamado à mobilização” pela Amazônia, que contará com a participação do presidente chileno, Sebastián Piñera, e do colombiano, Iván Duque, entre outros. Não haverá participação oficial do Brasil. A relação entre Macron e Bolsonaro continua estremecida, após o presidente brasileiro ter feito um comentário sexista sobre a primeira-dama francesa, Brigitte Macron. O vínculo também foi abalado pela decisão do presidente de cancelar um encontro com o chanceler da França, Jean-Yves Le Drian, para cortar o cabelo.

Macron convidou representantes dos nove estados brasileiros que compõem o Consórcio da Amazônia Legal a participar da reunião. O convite foi enviado ao governador do Amapá, Waldez Goés (PDT), presidente do consórcio. Procurado, o governador disse que o consórcio irá como ouvinte e confirmou que havia a expectativa de que os estados amazônicos pudessem discursar, o que não se concretizou.

— A Amazônia é debatida no Brasil e fora do Brasil, e achamos legítimo esse debate mas não tiramos o direito de ninguém dar a sua opinião, contribuir, participar. O que não é correto é os atores principais, que moram na região, que acabam sendo os principais responsabilizados pelos problemas, não participarem intensamente de todos esses fóruns —disse Waldez.