Título: Deputados apelam a Dilma e à ONU
Autor: Chaib, Julia ; Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 01/11/2012, Brasil, p. 10

Comissão de Direitos Humanos envia carta à presidente e a entidades internacionais e pede atenção especial ao momento de tensão vivido pela etnia guarani-caiová, em Mato Grosso do Sul. Na Esplanada, manifestantes marcharam pela causa

O drama vivido pelos índios guaranis-caiovás no país, em especial da comunidade Pyleito Kue em Iguatemi (MS), vem mobilizando entidades civis, a Justiça e o governo federal. Além do Ministério Público Federal e da Fundação Nacional do Índio (Funai), que recorreram da decisão judicial contrária à permanência dos indígenas na Fazenda Cambará, deputados da comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) também se envolveram na questão. Os parlamentares enviaram ontem uma carta à presidente Dilma Rousseff em que pediam atenção especial à situação vivida pela etnia. A CDHM mandará ainda um documento às Nações Unidas (ONU) e à Organização dos Estados Americanos (OEA) para alertá-las sobre as condições de tensão e risco que os indígenas enfrentam no Brasil, em especial os de Mato Grosso do Sul. Na manhã de ontem, cerca de 400 pessoas se reuniram na Esplanada dos Ministérios na Marcha Brasília contra o genocídio do povo guarani-caiová.

No documento enviado à presidente, a comissão pediu atenção não só aos guaranis-caiovás de Pyelito Kue, mas também aos índios da comunidade Passo Piraju, também em Mato Grosso do Sul. Juntas, as duas aldeias somam cerca de 500 pessoas. "Nós enviamos representantes à região no ano passado para entender melhor o que se passa por lá. Os indígenas estão confinados em locais com problemas de acesso, em condições degradantes de existência", comenta a presidente da CDHM, a deputada federal Érika Kokay (PT-DF).

Com forte atuação em conflitos envolvendo fazendeiros e indígenas em Mato Grosso do Sul enquanto esteve no Ministério da Justiça, o ex-secretário de Assuntos Legislativos Pedro Abramovay explica as peculiaridades da situação. "Enquanto na maioria dos conflitos no país, como os da Região Amazônica, há posseiros de um lado e indígenas de outro, em Mato Grosso do Sul os fazendeiros têm títulos de propriedade, que o governo deu a partir da década de 1950. Parte está lá de boa-fé, mas claro que há episódios de violência", detalha Abramovay. "Há uma indefinição jurídica que o governo federal tem que resolver. Pela Constituição, as terras tradicionais devem ser reservadas para os índios. E não pode haver indenização", completa o mestre em direito constitucional, que é um dos responsáveis pela mobilização nas redes sociais em prol dos índios — petição virtual reuniu 270 mil assinaturas.

Para resolver o problema, Abramovay sugere uma mudança constitucional ou uma lei que permita indenizar os fazendeiros porque o governo deu títulos nulos. "A única alternativa que não pode é não colocar a mão na cumbuca." Para Kokay, a presidente Dilma precisa resolver o imbróglio. "Entendemos que muitos fazendeiros receberam de boa-fé propriedades em territórios indígenas, ainda que esses processos tenham sido irregulares. Portanto, concluímos que cabe ao Estado brasileiro indenizar esses produtores a fim de evitar prejudicá-los", diz trecho da carta.

Performances Em Brasília, a mobilização pela etnia teve início às 10h, no Museu da República. Estudantes, professores, políticos e representantes de movimentos sociais marcharam pela Esplanada, passaram pelo Ministério da Justiça (MJ), pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e terminaram a manifestação na Praça dos Três Poderes. Alunos do curso de artes cênicas da Universidade de Brasília (UnB) fizeram diversas performances. Em uma delas, os manifestantes incendiaram um boneco que representava o ministro Gilmar Mendes em frente ao STF. "Fizemos isso porque foi ele quem embargou a questão das terras indígenas no caso dos caiovás", detalha Samuel Monteiro Costa.

Outro momento simbólico foi quando algumas pessoas fizeram pequenos cortes nos próprios braços com lâminas de barbear e derramaram sangue de animais — de açougues — no chão da Praça dos Três Poderes. "Eles se cortaram para representar o derramamento de sangue indígena. Foi uma coisa simbólica. Após a performance, houve o momento mais marcante da marcha. Fizemos uma grande roda e cantamos cânticos pedindo por paz", comenta Verenilde Pereira, uma das organizadoras da manifestação. Está marcada para 9 de novembro outra marcha a favor dos indígenas.