Correio braziliense, n.20554, 01/09/2019. Brasil, p.7

 

Mais agrotóxicos e casos de intoxicação

Jorge Vasconcellos

01/09/2019

 

 

Meio ambiente » Em 2015, o Ministério da Agricultura validou 139 pesticidas, e a pasta da Saúde teve 12,8 mil registros de doenças relacionadas às substâncias. No ano passado, foram 450 autorizações e as ocorrências subiram para 15,1 mil

O aumento do número de agrotóxicos registrados anualmente pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) tem sido acompanhado de uma elevação das notificações do Sistema Único de Saúde (SUS) de pessoas intoxicadas por esses produtos. Em ritmo acelerado, substâncias nocivas à saúde e ao meio ambiente são validadas para que o agronegócio proteja as lavouras. No entanto, isso deixa os brasileiros mais expostos a enfermidades, como câncer, problemas reprodutivos e distúrbios comportamentais.

Enquanto o número de validação de agrotóxicos pelo Mapa, em 2015, foi de 139, e o do Ministério da Saúde sobre intoxicações, de 12.797 casos; em 2018, a pasta da Agricultura aprovou o uso de 450 produtos na lavoura; e as notificações de enfermidade subiram para 15.107. Apesar disso, até julho deste ano, houve um crescimento acelerado na validação de novos agrotóxicos: 262 foram aprovados.

Quanto às mortes por intoxicação, segundo a Pasta da Saúde, caíram de 518, em 2015 para 445 em 2017 — os números de 2018 ainda não foram tabulados. O órgão informou também que, dos 220.045 casos de intoxicação exógena por tentativas de suicídio registrados de 2007 a 2017, 16.195 (7,3%) se referem a pessoas que injetaram agrotóxicos no próprio corpo.

A coordenadora da Comissão Intersetorial de Alimentação e Nutrição (Cian) do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Myrian Coelho Cunha da Cruz, alerta para a necessidade de a maior oferta de agrotóxicos ser acompanhada de cuidados no uso desses produtos. “Sabemos que os agrotóxicos atingem a água do subsolo e se espalham no ar, especialmente aqueles lançados por aviões. Se existem mais produtos, provavelmente existe o aumento nos riscos da ocorrência de efeitos negativos no uso”, diz a conselheira. “Teria que haver um estudo para saber se os produtos recém-autorizados são os que causaram o aumento nos registros de doença”, acrescenta.

“O Conselho Nacional de Saúde tem várias preocupações relacionadas a esse tema, não só no que diz respeito ao alimento que consumimos, como também em relação à saúde do agricultor, como também ao meio ambiente”, disse. “Ao contrário do que às vezes é veiculado, não há como retirar o agrotóxico do alimento antes do consumo, pois ele compromete todo o fruto, e também as estruturas da planta”, alerta Myrian Cruz.

O que a representante do CNS diz sobre a impossibilidade de se retirar o agrotóxico do alimento antes do consumo foi confirmado por uma pesquisa inédita da Universidade Federal de Goiás (UFG), em parceria com a Universidade de Louisiana, dos Estados Unidos, publicada este ano. Durante o experimento, foi aplicado um fungicida na casca de uma maçã orgânica. A fruta foi analisada em um aparelho normalmente utilizado para rastrear células cancerígenas. Com o passar dos dias, foi constatado que o fungicida penetrava cada vez mais na polpa da fruta. Em uma semana, havia avançado três milímetros. Um outro exame, com infravermelho, mostrou que o produto penetrou 6 milímetros na polpa da fruta.

“Infelizmente a gente está consumindo, por tabela, uma grande quantidade de agrotóxicos. Essa pesquisa acende um alerta e é um argumento para balizar essa liberação exacerbada de agroquímicos”, disse Igor Pereira, da UFG, que realizou a pesquisa nos estudos de pós-doutorado nos EUA.

O Ministério da Saúde informou que o incremento do número de notificações de intoxicações por agrotóxicos é uma tendência observada desde o início da série histórica, em 2007. “Os fatores que contribuem para esse incremento ano a ano podem ser diversos, desde uma possível intensificação do uso desses produtos, como também uma maior sensibilidade dos serviços de saúde para a identificação e notificação dos casos”, informou o órgão, por meio de nota.

“Esses fatores variam também conforme as características de cada território no país, nos quais os cenários de uso de agrotóxicos e de sensibilidade dos serviços de saúde podem ser muito diversos. Por isso, é fundamental a análise desses dados por parte das secretarias estaduais e municipais de saúde no que se refere aos seus territórios”, acrescentou o ministério, destacando que tem promovido o fortalecimento da Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos (VSPEA) ao longo dos anos, tanto em esfera federal quanto na implementação desse trabalho nos estados e municípios.

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Produtos com alta toxidade

01/09/2019

 

 

A professora Larissa Bombardi, do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), classificou como alarmante a ampliação cada vez maior do número de agrotóxicos comercializados no país. Ela é autora do atlas Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia, publicado em 2017, que resultou de pós-doutorado realizado na Universidade de Strathclyde, na Escócia.

“Para se ter uma ideia da situação alarmante, 30% dos agrotóxicos vendidos no país têm classificação toxicológica classe 1 para a saúde humana, ou seja, são os mais nocivos. Além disso, 50% dos agrotóxicos comercializados no Brasil têm classificação toxicológica classe 2 para o meio ambiente, ou seja, altamente ofensivos”, disse a docente.

Segundo ela, além do aumento no número de validações, preocupa o fato de que 30% dos agrotóxicos comercializados no Brasil não tiveram autorização de registro ou foram banidos na União Europeia, como o Acefato, o Atrazina, Tricoflon, Thiran e Parationa.

A especialista disse também que é preciso muita atenção em relação ao novo marco regulatório para avaliação e classificação toxicológica de agrotóxicos, recém-lançado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que adota o padrão internacional Sistema de Classificação Globalmente Unificado (Globally Harmozed System of Classification and Labelling of Chemicals — GHS).

Com a medida, os rótulos dos produtos passarão a ter seis tipos de classificação, em vez das quatro atuais: extremamente tóxico, altamente tóxico, moderadamente tóxico, pouco tóxico, improvável de causar dano agudo, não classificado (por não ter toxidade). (JV)