O Estado de São Paulo, n. 46101, 06/01/2020. Política, p. A5

 

Ex-mulher do presidente vai ser ouvida pelo MP-RJ

Paula Reverbel

Márcio Dolzan

06/01/2020

 

 

Ana Cristina Valle, ex-chefe de gabinete de Carlos Bolsonaro (PSC), vai prestar depoimento sobre suspeita de ‘rachadinha' na Câmara

O Ministério Público do Rio (MP-RJ) convocou para prestar depoimento Ana Cristina Valle, tuna das ex-mulheres do presidente Jair Bolsonaro e mãe do seu quarto filho, Jair Renan. A data do depoimento ainda não foi confirmada, segundo a defesa de Ana Cristina. A investigação, que corre sob sigilo, apura suposto esquema de "rachadinha" e de uso de funcionários fantasmas na Câmara Municipal do Rio. Ana Cristina foi chefe de gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (PSC), segundo filho do presidente, entre 2001 e 2008.

A informação sobre o depoimento de Ana Cristina foi divulgada ontem pelo jornal O Globo e confirmada pelo Estado. O advogado Magnum Roberto Cardoso, que representa Ana Cristina, disse ontem que a convocação foi feita no fim de 2019. Segundo ele, a data do depoimento deve ser marcada após o fim do recesso do Judiciário. "Ela foi convocada a depor no ano passado, porém o depoimento não aconteceu", afirmou. "Rachadinha" é o nome que se dá à prática pela qual parlamentares ficam com parte do salário de seus assessores.

Flávio. Ana Cristina Valle também aparece no inquérito em que o MP-RJ investiga esquema semelhante na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), envolvendo o gabinete do então deputado estadual e atual senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ). Dez parentes de Ana Cristina foram lotados no gabinete do filho do presidente entre os anos de 2008 e 2018. Segundo a investigação, ao menos seis deles sacavam em espécie quase todo o valor que recebiam de salário. O pai de Ana Cristina, José Cândido Procópio da Silva Valle, por exemplo, retirou do banco 99,7% da sua remuneração no período em que esteve lotado na Alerj, entre 2003 e 2004. Os investigadores querem esclarecer como eles desempenhavam seu trabalho, já que viviam em Resende, na região sul fluminense, a uma distância de 270 km do prédio da Assembleia, que fica no centro do Rio. Logo após a operação que vasculhou endereços ligados a Flávio e seus assessores, o senador justificou que os familiares de Ana Cristina trabalhavam em um escritório político que ele mantinha na cidade e não precisavam ir à Assembleia.

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Bolsonaro diz que, se pudesse, 'teria cancelado' caso Flávio

Idiana Tomazelli

Amanda Pupo

06/01/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro voltou a comentar a investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) que envolve seu filho Flávio. Anteontem, em uma transmissão em vídeo ao vivo nas suas redes sociais, ele disse que se tivesse poder sobre o andamento do caso, “teria anulado, cancelado” qualquer processo ou apuração.

Bolsonaro frisou, no entanto, que não tem esse poder. “’Ah, o caso do Flávio não foi para frente porque o Bolsonaro conseguiu trancar o processo’. Se eu tivesse a possibilidade de trancar, teria anulado, cancelado.

Essa é uma armação que vem lá do governo do Rio de Janeiro, é basicamente isso”, afirmou o presidente.

Bolsonaro tem acusado o governador carioca Wilson Witzel (PSC) de “vazar” à imprensa informações sobre investigações que podem comprometer sua família. Bolsonaro já declarou diversas vezes que o ex-aliado Witzel age dessa forma porque quer se candidatar à presidência da República em 2022.

Segundo Bolsonaro, o governador do Rio tentou envolver outro filho seu, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), nas investigações sobre a morte da vereadora do PSOL Marielle Franco. “Justiça vai ser feita, mas não essa justiça tua, governador Witzel”, disse o presidente. Witzel refuta as acusações de Bolsonaro.

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Gilmar é o ministro que deu mais HCs desde 2009

Jão Ker

06/01/2020

 

 

Metade das decisões são em prisões com pequena quantidade de droga; para magistrado, casos assim devem ir para esfera cível

Gilmar Mendes foi o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) que mais concedeu habeas corpus em decisões monocráticas nos últimos dez anos, segundo levantamento feito pelo Estado no acervo processual da Corte. Desde 2009, ele assinou individualmente, sem levar o caso a Plenário, 620 HCs, instrumentos jurídicos usados para garantir a liberdade de um indivíduo ou corrigir arbitrariedades. O segundo colocado, ministro Edson Fachin, deu 395 decisões deste tipo.

Entre 2009 e 2015, Gilmar havia concedido 50 habeas corpus em decisões monocráticas. No ano seguinte, foram 61. O salto coincide com o julgamento da descriminalização do porte e consumo de drogas, que teve início em agosto de 2015. Relator da ação, o ministro registrou, em seu voto, que a posse de drogas para consumo pessoal não deve ser criminalizada. Para ele, os casos deveriam ser tratados nas esferas cível ou administrativa – e não na penal.

Para Gilmar, a criminalização “conduz à ofensa à privacidade e à intimidade do usuário”, pois desrespeita a “decisão da pessoa de colocar em risco a própria saúde”. O julgamento foi interrompido em setembro daquele ano, após Teori Zavascki, que morreu em janeiro de 2017, ter pedido vista. Além de Gilmar, também votaram os ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin. Ambos concordaram com a descriminalização, mas apenas para a maconha. O caso está, agora, no gabinete do ministro Alexandre de Moraes. Ainda não há data para que ele seja retomado.

Em 2018, mais da metade dos pedidos atendidos por Gilmar envolviam crimes de tráfico de drogas. Enquanto isso, casos de crimes de colarinho branco, como lavagem de dinheiro, corresponderam a menos de 11%.

Em novembro deste ano, Gilmar adotou entendimento semelhante ao julgar um habeas corpus de uma mulher condenada a seis anos de prisão por portar 1 grama de maconha. O voto dele foi seguido pela Segunda Turma, que anulou a sentença e absolveu a mulher.

Procurado pela reportagem, o ministro Gilmar Mendes não quis se pronunciar sobre o levantamento.

Jurisprudência. Em 2019, 4.323 habeas corpus chegaram ao Supremo. Desse total, 807 foram concedidos de forma monocrática em parte ou em sua totalidade. Gilmar foi responsável por 250 deles.

Professor da Universidade Mackenzie e advogado criminalista, Rogério Cury, afirma que muitos habeas corpus chegam ao Supremo porque juízes de instâncias inferiores deixam de aplicar a jurisprudência. “Os tribunais de instâncias inferiores deveriam ficar atentos à jurisprudência com maior observância e, talvez, tivéssemos um número menor de HCs no STF. As pessoas só chegam no Supremo porque não conseguiram êxito em outras instâncias, mesmo tendo esse direito”, disse.

O advogado Edson Knippel, também professor do Mackenzie, lembra que o habeas corpus é previsto em lei para garantir o direito à liberdade. Segundo ele, ao conceder as medidas, o STF tem resguardado essa prerrogativa. “Do ponto de vista jurídico, temos uma não-aplicação do texto constitucional pelas instâncias inferiores. O processo penal acaba não sendo efetivado pelos órgãos de primeira e segunda instância em muitos estados. Então talvez não haja excesso de HCs, mas de descumprimento da jurisprudência nos tribunais”.