O globo, n.31455, 20/09/2019. País, p. 04

 

Polícia na porta 

Aguirre Talento

Amanda Almeida

Gustavo Maia

Leandro Prazeres

20/09/2019

 

 

A Polícia Federal (PF) cumpriu ontem mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). A medida provocou desconforto no presidente Jair Bolsonaro, que cobrou do ministro da Justiça, Sergio Moro, informações sobre o motivo da operação. O Palácio do Planalto trata com cautela uma eventual substituição de Bezerra, e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEMAP), anunciou que a Casa vai recorrer ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) da decisão do ministro Luís Roberto Barroso, que autorizou a operação.

A investigação é sobre desvios em obras públicas na época em que Bezerra era ministro da Integração Nacional no governo Dilma Rousseff (PT). A base da acusação é uma delação premiada do doleiro João Lyra, assinada como desdobramento da Lava-Jato. O inquérito apura irregularidades em obras da transposição do Rio São Francisco. A PF aponta que o senador recebeu R$ 5,5 milhões em propina enquanto seu filho, o deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE), teria recebido R$ 1,7 milhão. As buscas foram solicitadas pela PF e autorizadas por Barroso mesmo contra parecer da então procuradora-geral da República Raquel Dodge.

Bezerra telefonou para o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, colocando à disposição seu cargo de líder. Uma eventual substituição é tratada com cautela pelo Planalto. Responsável

pela articulação política, o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, conversou por telefone com Bolsonaro. O presidente pretende aguardar os desdobramentos da investigação.

A operação elevou a desconfiança entre o Planalto e a PF, como informou a colunista do GLOBO Bela Megale. Nas últimas semanas, causaram incômodo na corporação tentativas de interferência de Bolsonaro, que pediu publicamente troca na superintendência do Rio e ameaçou trocar o próprio diretor geral, Maurício Valeixo.

A ação de ontem foi recebida por aliados do presidente como uma reação da PF. Horas depois da operação, Moro se reuniu com Bolsonaro no Palácio da Alvorada, em encontro que não estava na agenda.

O discurso da PF é de que as buscas só aconteceram agora por uma “infeliz coincidência” do tempo dos pedidos na Justiça. Nos últimos dias, o clima estava mais pacífico. Bolsonaro havia sinalizado que Valeixo poderia ter sobrevida no posto. A operação aconteceu no mesmo dia que o diretor-geral voltou de férias.

REAÇÃO DO SENADO

O presidente do Senado anunciou que a Casa vai recorrer da decisão durante o evento“E Agora, Brasil ?”, organizado pelo GLOBO e pelo jornal Valor Econômico, em parceria com a Confederação Nacional do Comércio(CNC ):

— Há um entendimento no Supremo Tribunal Federal que a operação realizada precisa ter conexão com o mandato. Houve determinação de um ministro do Supremo de entrar no gabinete da liderança do governo no Senado. A liderança é um espaço do governo federal. Entre 2012 e 2014, ele não era senador, muito menos líder do governo. (...) O Senado Federal vai se posicionar como instituição. Vamos questionar isso juridicamente.

Barroso rebateu. “No caso concreto, na fase em que se encontram as investigações, os indícios se estendem a períodos em que senador da República e deputado federal exerciam essas funções parlamentares. Em princípio, portanto, está caracterizada a competência do Supremo Tribunal Federal. E mesmo que se venha a declinar da competência mais adiante, a providência hoje executada só poderia ser ordenada por este tribunal”, disse, em nota.

O despacho de Barroso e lenca condutas supostamente criminosas que teriam ocorrido já durante o mandato de Bezerra, como encontros mantidos com os operadores em 2016 e 2017. A PGR refutou o pedido da PF afirmando que as buscas não teriam efetividade devido ao tempo em que os fatos ocorreram.

A defesa de Bezerra afirma que as medidas são “extemporâneas e desnecessárias”. “Causa estranheza que medidas cautelares sejam decretadas em razão de fatos pretéritos que não guardam qualquer razão de contemporaneidade com o objeto da investigação. A única justificativa do pedido seria em razão da atuação política e combativa do senador contra determinados interesses dos órgãos de persecução penal”, afirmou o advogado André Callegari.

O advogado afirmou ainda, ao jornal “Folha de S. Paulo”, que a operação é uma retaliação de Moro. Ele citou declaração recente do senador de que Moro poderia ser esquecido em 60 dias, ao comentar uma possível troca no ministério.

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Dodge deixa para novo PGR denúncias contra Maia 

Aguirre Talento

20/09/2019

 

 

Ao deixar o comando da Procuradoria-Geral da República (PGR), Raquel Dodge guardou para seu sucessor a decisão sobre apresentar ou não denúncias contra o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O deputado foi um dos apoiadores da recondução de Dodge. Anteontem, foi o único político presente na cerimônia de transmissão do cargo.

Dois inquéritos da Lava Jato já concluídos pela Polícia Federal (PF), que imputaram o crime de corrupção passiva ao parlamentar, ficaram pendentes no gabinete da PGR. Um envolve acusações de pagamento de propina pela empreiteira OAS em troca da interferência de Maia em uma medida provisória sobre aeroportos, e o outro consiste em repasses da Odebrecht.

O caso da OAS foi finalizado pela PF em fevereiro de 2017 e estava parado no gabinete de Dodge desde junho do ano passado. Havia uma minuta pronta de denúncia, mas Dodge deixou o cargo sem decidir apresentá-la ao Supremo Tribunal Federal (STF).

O outro inquérito foi concluído pela PF no mês passado e enviado ao STF, com imputação de corrupção passiva, falsidade ideológica eleitoral e lavagem de dinheiro a Maia. O relator do caso no STF, ministro Edson Fachin, encaminhou os autos à PGR no último dia 26, dando prazo de 15 dias para oferecimento de denúncia ou arquivamento.

Juridicamente, a PGR não era obrigada a obedecer esse prazo, que já venceu. Dodge também deixou os autos para seu sucessor resolver se irá ou não denunciar o presidente da Câmara.

Procurada para comentar, a assessoria de Rodrigo Maia não respondeu. Sobre as acusações da PF, ele já havia se manifestado negando ter recebido doações ilegais.