O globo, n.31455, 20/09/2019. País, p. 06

 

Após veto de Toffoli, número de relatórios do Coaf cai 81%

Marco Grillo

20/09/2019

 

 

A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, proibindo que órgãos de controle compartilhem informações fiscais e bancárias com investigadores sem prévia autorização judicial levou a uma queda de 81% no número de Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) produzidos pelo antigo Coaf, atual Unidade de Inteligência Financeira (UIF). Os documentos são elaborados quando as movimentações de recursos apresentam indícios de lavagem de dinheiro ou outros crimes e funcionam como o principal instrumento da UIF para subsidiar o Ministério Público e autoridades policiais com informações que podem dar início a investigações criminais.

Entre janeiro e junho deste ano, a UIF fez, em média, 741 RIFs por mês. Em julho, mês que foi parcialmente afetado pela decisão de Toffoli, o número caiu para 533. Já em agosto, primeiro mês integralmente alcançado pela nova determinação, os analistas da unidade redigiram 136 relatórios — 81% a menos do que a média mensal do primeiro semestre.

Os relatórios são elaborados a partir de dois tipos de informações fornecidas por instituições como bancos, corretoras, joalherias, entre outros setores: as operações suspeitas, casos de depósitos fracionados ou outras práticas que possam indicar lavagem de dinheiro; e transações em espécie fora de parâmetros estabelecidos pelo Banco Central, como depósitos acima de R$ 50 mil.

A CRÍTICA DE EL HAGE

O ritmo de comunicados enviados à UIF não mudou após a decisão de Toffoli porque há determinação legal para que as transações sejam informadas — só em 2019, os bancos já enviaram para a Unidade mais de dois milhões de avisos. A mudança foi sentida na outra ponta, na disseminação das possíveis irregularidades. Na prática, a UIF continua recebendo um grande volume de informações, mas agora está impedida de encaminhar grande parte delas para os responsáveis por investigações.

Os documentos podem ser elaborados por iniciativa da própria UIF, quando os analistas consideram que há indícios suficientes de irregularidades que justifiquem o aprofundamento, ou a pedido dos órgãos de investigação. Com a decisão de Toffoli — tomada a partir de um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) —, investigadores não têm mais requisitado ao órgão a produção dos relatórios, o que explica a queda.

A decisão de Toffoli foi criticada por integrantes do MP e contestada por um recurso da então procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Na petição, ela afirma que a decisão excede o que foi pedido pelo senador e que a determinação levará ao “enfraquecimento do combate à lavagem de capitais”. O procurador Eduardo El Hage, coordenador da força-tarefa da Operação Lava-Jato no Rio, defende que o plenário da Corte revise a decisão. O tema está na pauta da sessão de 21 de novembro.

— Gera um prejuízo enorme para as investigações por lavagem de dinheiro, e muitas delas estão engessadas. A via judicial é muito demorada. É um obstáculo que destoa da agilidade com que os crimes são cometidos —avalia El Hage.

Na decisão, Toffoli argumenta que a legislação permite apenas o compartilhamento de dados globais e que o detalhamento configura quebra de sigilo, o que só pode ser feito por via judicial. À GloboNews, Toffoli disse que estava ocorrendo “extrapolação de competência” e que, “ao estabelecermos os parâmetros corretos, vamos permitir que as investigações se deem corretamente”. Procurada na última segunda feira, a UIF não respondeu.