Correio braziliense, n.20555, 02/09/2019. Política, p.4

 

Projeto proporá garimpo legal

Rodolfo Costa

Ingrid Soares

02/09/2019

 

 

Poder » Texto está em fase final e prevê a regulamentação da exploração de recursos hídricos, potenciais energéticos e lavra de riquezas minerais em terras indígenas. Conversa com governadores da Amazônia Legal fortaleceu envio de proposta ao Congresso

O governo está empenhado em regulamentar e legalizar o garimpo — inclusive em terras indígenas —, e desburocratizar e flexibilizar a política ambiental, a fim de promover o desenvolvimento sustentável no país, com crescimento econômico e preservação ambiental. O texto final está em etapa conclusiva no Ministério de Minas e Energia e será debatido pela cúpula palaciana antes de ser encaminhado ao Congresso.

A meta do governo é mandar o projeto ainda este ano ao Parlamento. O presidente se sentiu mais do que convencido da necessidade da medida depois da reunião com oito governadores e um vice-governador da Amazônia Legal na última terça-feira. Antes, com a imagem negativa do país internacionalmente, havia incerteza se o Executivo teria apoio para discutir uma proposta impopular como a exploração sustentável, inclusive na Região Amazônica.

Além da reunião com os governadores, Bolsonaro também se sentiu convencido devido aos alertas que vem recebendo sobre a “lua de mel” com o Parlamento. Alguns deputados e senadores dizem que o relacionamento com o Congresso está por um fio de se romper. Mas com o apoio de governadores, inclusive de fora da Amazônia Legal, como o de Goiás, Ronaldo Caiado, e o do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, o presidente se sente fortalecido para debater a matéria.

O texto vai propor a regulamentação da exploração de recursos hídricos, potenciais energéticos e lavra de riquezas minerais em terras indígenas, que, ressalta sempre Bolsonaro, detêm uma área de cerca de 14% do território nacional. Há previsão dessas atividades econômicas na Constituição, no entanto, juristas ressaltam que precisa ser regulamentada pelo Congresso.

É o que Bolsonaro estuda fazer, e avisou aos governadores na terça. “Se, hoje, é ilegal (o garimpo em terra indígena), queremos legalizar, ouvir o Parlamento. Isso daí está bastante avançado no Ministério de Minas e Energia. Pretendemos apresentar brevemente essa proposta”, disse. Questionado na sexta-feira sobre o projeto de exploração sustentável na Amazônia, Bolsonaro respondeu na mesma linha.

“Está bastante avançado, com o ministro das Minas e Energias, almirante Bento (Albuquerque). Vai acontecer. Estamos estudando, agora, ainda em estudo, que (tem) alguns índios vendendo reservas para estrangeiros explorá-las”, declarou Bolsonaro. As sinalizações do presidente foram confirmadas por interlocutores do governo, que sugerem que será um projeto robusto e, garantem, vai privilegiar indígenas, pequenos garimpeiros e produtores agrícolas.

Na prática, ao regulamentar o uso de reservas indígenas para desenvolvimento econômico, será possível que os indígenas possam explorar suas terras e ganhar receitas em cima dela, até mesmo arrecadando em áreas com pedágios, concedidas a obras de infraestrutura que passem na região. A exploração potencial, incluindo a Amazônia, poderia, na leitura do governo, incentivar a geração de riquezas até para os demais brasileiros. A minuta do projeto ainda será discutida com o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier, e parlamentares. A meta é explicar a proposta e o potencial econômico a fim de evitar uma possível derrota.

Meio termo

O deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP), presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, concorda que é importante encontrar um meio termo entre as propostas, mas aponta que nenhuma das apresentadas até o momento supre as necessidades. “Obviamente que tem que encontrar um caminho para a Amazônia, de desenvolvimento com sustentabilidade, mas as propostas até agora vão em outra direção, que sinalizam o aumento de desmatamento, exploração de garimpo em áreas ribeirinhas, derrubada de florestas para monocultura. Esse não é o caminho”.

A necessidade de estratégia de defesa da floresta é defendida por Agostinho, que inclui fiscalização, além de propostas de novas formas de exploração de castanhas, criação de fármacos, cosméticos e ainda turismo “Pode ainda utilizar a floresta para pagamentos ambientais. Muitos países estão dispostos a pagar pela manutenção da floresta. A grande questão é procurar acordo nisso tudo. A Zona Franca de Manaus, por exemplo. Deu muito certo, criou se uma cidade que viabiliza uma base econômica na Amazônia promovendo integração produtiva e social dessa região ao país. Tem alternativa, não precisa ser no meio da floresta. Falta iniciativa do governo, que tem que ter outras estratégias e não diz quais são até agora”, conclui.

Frase

”Obviamente que tem que encontrar um caminho para a Amazônia, de desenvolvimento com sustentabilidade, mas as propostas até agora vão em outra direção, que sinalizam o aumento de desmatamento, exploração de garimpo em áreas ribeirinhas, derrubada de florestas para monocultura. Esse não é o caminho”.

Rodrigo Agostinho, presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara

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Necessidade de debate e regras rígidas

02/09/2019

 

 

Apesar das diferenças, parlamentares ouvidos pelo Correio sobre a exploração sustentável no país defendem que é necessário um debate sobre o assunto e que uma legislação se faz necessária. Para o deputado Hiran Gonçalves (PP-RR), coordenador da bancada de Rondônia, é necessário explorar o local com racionalidade e promover geração de emprego para a população local.

“São pessoas desassistidas, que vivem em situação de vulnerabilidade. Precisamos aproveitar para desenvolver a região. Não significa destruir. Temos uma porção de garimpos ilegais lá. Esse ouro que é produzido naquela região, não gera nenhum benefício, sai de uma maneira clandestina e só fica a destruição, o assoreamento dos rios, a exploração sem técnica, sem benefício para nossa população. Precisamos garantir nosso desenvolvimento. Temos que vencer essas discussões extremamente ideológicas”, avalia.

O deputado acredita ainda que a crise ambiental brasileira, que tomou proporções internacionais, não dificulta a discussão sobre a mudança legislativa ou regularização do garimpo, mas defendeu que a falta de um modo mais fino de falar sobre os assuntos em evidência é o que tem atrapalhado o governo. “O que aconteceu foi a maneira de dizer as coisas, que poderiam ter sido colocadas com mais cuidado, tentando evitar confrontos e dar à sociedade a ideia de que está havendo guerra entre países. Mas é o perfil do presidente, ele coloca as coisas assim, mas foi mais essa repercussão da fala. O trabalho tem que ser feito independentemente de confronto com Alemanha, França. Isso não deve atrapalhar o serviço que está sendo feito e com entes que vivem na região. Acredito que vamos construir um ambiente cada vez melhor nesse sentido de desenvolver e cuidar da Amazônia”.

O senador Rogério Carvalho (PT-SE), presidente da Frente Parlamentar dos Senadores dos Estados do Norte e do Nordeste, apontou também a necessidade de sustentabilidade para o crescimento do país. “A presença de garimpo em terras indígenas e reservas naturais é algo complexo, que exigirá um diálogo profundo para encontrar uma equação comum sobre o que vai ser feito e como será feito. Logo, é melhor ter algum controle e regulamentação do que não ter nenhum. A ideia do governo é liberar para explorar a reserva. É preciso ter um debate, mas é preciso construir um regramento que, de fato, permita a garantia da sustentabilidade, com respeito às reservas indígenas e como isso será tratado. Precisa ter esse cuidado para que não seja mais uma destruição como a de agora.”

A discussão, no entanto, será desafiadora para Bolsonaro. Para Carvalho, ele enfrentará entraves. “Vai ter muita dificuldade, as reações virão de todos os lugares. Mexer numa região tão importante como a Amazônia, mexe tanto internacionalmente quanto na nossa identidade, que é ser uma potência ambiental que certificava produção agrícola e pecuária. Estávamos num modelo razoável de produção. O debate tem que acontecer. O mais importante é que não venha na forma de uma MP”, destaca. (IS e RC)