O Estado de São Paulo, n. 46155, 29/02/2020. Política, p. A4

 

Governo quer tirar poder de relator sobre emendas

Jussara Soares

Ariana Fernandes

29/02/2020

 

 

 Recorte capturado

 

 

Poderes. Bolsonaro tenta rever acordo com Congresso sobre destinação de recursos direcionados por parlamentares; temor é de que crise desta semana contamine economia

O acordo fechado antes do carnaval entre o Congresso e o Palácio do Planalto sobre a divisão dos recursos do Orçamento deve sofrer mudanças. O presidente Jair Bolsonaro quer rever o acerto que, na avaliação do governo, dá poder excessivo ao relator do projeto na repartição do dinheiro de emendas parlamentares. Na tentativa de encontrar uma solução para a crise política, Bolsonaro marcou uma reunião para segundafeira com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Maia está em missão oficial na Europa e retornará ao Brasil na segunda. O deputado disse ao Estado que trabalhará para manter o que foi combinado com o governo. Mesmo assim, deu sinais de que o Legislativo não deve criar problemas para o Planalto. Apesar da queda de braço, tanto Bolsonaro quanto a cúpula do Congresso temem que a crise comece a contaminar a economia.

“Incompreensões e turbulências não vão tirar nem o foco nem a serenidade dos parlamentares”, escreveu Maia, no Twitter, revelando ter conversado com o chefe da assessoria de Relações Institucionais do Ministério da Economia, Esteves Colnago. “O Brasil pode contar com a Câmara para aprovar as reformas”, disse ele, que articula o apoio do Congresso à reforma tributária.

O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), também admitiu a nova rodada de conversas para ajustes no projeto. “Matéria acordada no Congresso tem que ser cumprida. Mas o acordo pode sofrer transformações durante o processo de votação e na discussão, porque é para isso que serve o Parlamento. As pessoas sentam, conversam, ajustam”, disse Gomes ao Estado. “Há um clima propositivo para resolver o impasse e para tocar a agenda econômica”.

O rateio da verba do Orçamento foi o pano de fundo para a tensão dos últimos dias, que atingiu o ápice após Bolsonaro compartilhar pelo WhatsApp um vídeo convocando manifestações em defesa do governo, como mostrou o BR Político, do Grupo Estado, na terça-feira. Nas redes sociais, movimentos de direita anunciaram que os atos serão contra o Congresso, o que provocou reações negativas nos mundos político e jurídico.

Ao dar palestra para empresários em Florianópolis (SC), ontem, o vice-presidente Hamilton Mourão disse que o Brasil parece viver um “eterno turbilhão” e pregou a superação dos conflitos. “Mais uma vez, eu destaco que os mares não estão tranquilos, né?”, afirmou.

O Estado apurou que a busca de um novo acordo com o Congresso tem o objetivo de evitar um acirramento ainda maior dos ânimos, às vésperas das manifestações do dia 15. Irritado, Bolsonaro chegou a ameaçar até mesmo entrar na Justiça, caso caiam seus vetos ao projeto de lei que define como os recursos públicos serão gastos em 2020. Em contrapartida, o Congresso prometeu recorrer ao Judiciário se o Orçamento impositivo, que obriga o pagamento das emendas no mesmo ano, não for cumprido.

Há ainda uma questão prática: no fim de março o governo terá de anunciar o primeiro bloqueio de verbas do Orçamento de 2020 – e todo o imbróglio referente a emendas parlamentares precisa estar resolvido até lá. O Congresso também tem interesse em solucionar o impasse porque este é um ano de disputas municipais. Deputados e senadores usam as emendas para destinar recursos a seus redutos eleitorais.

Pelo projeto aprovado no fim do ano passado, o Legislativo teria o controle de R$ 46 bilhões do Orçamento. A proposta também previa regras mais rígidas para os pagamentos, como prazo de 90 dias nos casos de emendas de relator e punição ao governo, quando não houvesse os repasses. No diagnóstico do Planalto, neste cenário o relator do Orçamento, Domingos Neto (PSD-CE), teria mais poder do que muitos ministros.

Bolsonaro vetou trechos do projeto aprovado e líderes de partidos estavam dispostos a desafiar o governo, derrubando o que o presidente havia rejeitado. Mas, após um acordo costurado pelo ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, parlamentares cederam e aceitaram devolver ao Executivo R$ 11 bilhões do Orçamento para investimentos e custeio da máquina. Concordaram, ainda, em deixar fora da lei o prazo de 90 dias para o governo garantir o pagamento das emendas e a punição.

Mesmo assim, o acordo foi criticado internamente por integrantes do governo. A crise eclodiu quando o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, acusou o Congresso de “chantagear” o governo. O Estado apurou que Bolsonaro chegou a falar em “golpe branco” em reuniões fechadas sobre o assunto. Disse, ainda, que não seria “refém do Congresso”, nem uma “rainha da Inglaterra”, sem poder de execução do Orçamento.

  PARA ENTENDER

‘Carimbo’ atinge R$ 46 bi

Cerca de 93% do Orçamento federal tem destinação definida: é usado para gastos obrigatórios com Saúde e Educação, além de salários e aposentadorias. O Orçamento impositivo é uma ferramenta para determinar como parte dos 7% da arrecadação restantes deve ser gasta. Em 2015, o Congresso tornou obrigatório o pagamento de emendas apontadas por cada parlamentar – cerca de R$ 10 bilhões. No ano passado, a prerrogativa de indicar emendas foi ampliada para bancadas de parlamentares. Outra alteração foi adicionada no fim do ano: passaram a ser obrigatórias também emendas de comissões e pelo relator do Orçamento. O montante com destino “carimbado” passou a R$ 46 bilhões.

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Regra foi aprovada por apoiadores do presidente

Tulio Kruse

29/02/2020

 

 

Votações ocorreram em 2015 e 2019; deputados defendem proposta, mas criticam papel do relator na divisão dos valores

Duas votações no Congresso, que criaram e ampliaram o Orçamento impositivo, em 2015 e 2019, tiveram voto favorável do presidente Jair Bolsonaro, seus filhos e apoiadores. Em meio a um impasse entre Planalto e Congresso, deputados bolsonaristas têm se posicionado, agora, contra um novo aumento no valor de emendas obrigatórias e argumentam que isso tornaria a execução orçamentária dos ministérios impossível.

Há cinco anos, o então deputado federal Jair Bolsonaro votou a favor do projeto que criava a execução obrigatória de emendas parlamentares. O placar ficou em 452 a 18. À época, a regra significava o pagamento de quase R$ 10 bilhões. No ano passado, foi aprovada por 453 votos uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), com voto favorável da maior parte da bancada do PSL, incluindo Eduardo Bolsonaro (SP).

Deputados da base bolsonarista argumentam que não há contradição entre o posicionamento nas votações anteriores e a discussão atual, que tem servido de combustível para atos. Segundo eles, o problema não é o pagamento automático das emendas, mas, sim, a concentração de poder sobre esse montante com o relator do Orçamento.

“Isso pode vir a comprometer, inclusive, a prestação serviços públicos”, diz o deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO). General Girão (PSL-RN), disse ao Estado que é “contra qualquer emenda”.

“No entanto, como existe emenda parlamentar, é importante que eu participe do processo de seleção e aprovação de emendas.”

Justificativa

“A discussão é se um único parlamentar deve ter poder sobre um valor tão alto. Isso pode comprometer serviços públicos.”

Major Vitor Hugo

DEPUTADO FEDERAL (PSL-GO)