O Estado de São Paulo, n. 46152, 26/02/2020. Política, p. A4
Bolsonaro divulga vídeo para ato contra Congresso
Vera Magalhães
Felipe Frazão
Mateus Vargas
26/02/2020
Crise. Após os ataques feitos por general Heleno ao Parlamento, celular do presidente da República compartilha peça e texto em que aparece como vítima dos ‘políticos de sempre’
Celulares. Bolsonaro com os filhos e o deputado Hélio Lopes no Guarujá, durante o carnaval
O presidente Jair Bolsonaro disparou ontem de seu celular pessoal um vídeo em tom dramático em que mostra a facada que sofreu em 2018 em Juiz de Fora para dizer que “quase morreu” para defender o País e, agora, precisa que as pessoas saiam às ruas em 15 de março para defendê-lo. O ato do dia 15 está sendo convocado por movimentos de direita em defesa do governo e contra o Congresso.
A reação ao vídeo foi imediata.
Bolsonaro adicionou um texto ao vídeo de 1 minuto e 40 segundos. Nele se lia: “15 de março. Gen Heleno/Cap Bolsonaro./ O Brasil é nosso, não dos políticos de sempre”. O vídeo foi revelado pelo site BR Político.
Bolsonaro já enviou pelo menos dois vídeos com imagens e sobreposição de fotos suas, convocando a população a sair às ruas no dia 15. Os vídeos têm trechos idênticos, como a frase que classifica Bolsonaro como um presidente “cristão, patriota, capaz, justo e incorruptível”.
O ex-deputado Alberto Fraga, amigo do presidente, confirmou ao Estado que, antes do carnaval, recebeu um desses vídeos do próprio Bolsonaro, pelo WhatsApp. A mesma peça foi compartilhada pelo secretário da Pesca, Jorge Seif Jr., com seus contatos no aplicativo.
No vídeo disparado ontem, ao som do Hino Nacional, as legendas afirmam que Bolsonaro “desafiou os poderosos por nós” e explora o antipetismo ao relacionar a oposição ao presidente à “esquerda corrupta e sanguinária”. A peça defende Bolsonaro de forma genérica, afirmando que as críticas ao governo são “calúnias”. Depois, diz que o presidente precisa do apoio “da família brasileira” contra “os inimigos do Brasil”.
Na semana passada, o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), acusou o Congresso de “chantagear” o governo e deflagrou uma crise. Heleno disse que o governo não pode ficar “acuado” pelo Congresso e orientou o presidente a “convocar o povo às ruas”. Os ataques de Heleno foram motivados pela discórdia em relação à repartição dos recursos do Orçamento impositivo. Em reunião com ministros, Bolsonaro também disse que não pode ficar “refém” do Congresso, como revelou o Estado.
Captadas por transmissão oficial, as declarações do general e a convocação do ato causaram repúdio no Congresso. Na ocasião, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que Heleno virou um “radical ideológico”. O Estado procurou o Planalto ontem, mas não obteve resposta. Maia e o Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também não responderam.
Para o senador Major Olímpio (PSL-SP), que chegou a questionar se era o presidente o autor da mensagem, o episódio “é muito ruim para o País”. “Vai dificultar qualquer ação do Executivo no Congresso.”
Não é a primeira vez que o presidente compartilha conteúdo polêmico pelo WhatsApp. Em agosto de 2019, ele enviou texto que dizia que o Brasil é “ingovernável fora dos conchavos”.
Generais. No segunda-feira, panfleto do ato assinado por “movimentos patriotas e conservadores” usou fotos dos generais Heleno, do vice-presidente, Hamilton Mourão, do deputado Roberto Peternelli e do secretário de Segurança Pública de Minas, Mário Lúcio Araújo. O texto dizia: “os generais aguardam as ordens do povo” e “fora Maia e Alcolumbre”. Heleno e Mourão não se manifestaram. Já o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro de Bolsonaro, afirmou que “o uso de imagens de generais é grotesco”.
'inimigos'
“Ele quase morreu por nós (...) Ele precisa de nosso apoio nas ruas. Dia 15.3 vamos mostrar a força da família brasileira. Vamos mostrar que apoiamos Bolsonaro e rejeitamos os inimigos do Brasil.”
TRECHO DO VÍDEO DA CONVOCAÇÃO PARA O ATO ANTI-CONGRESSO
________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
FHC fala em 'crise de consequências gravíssimas'
Pedro Venceslau
Tulio Kruse
Matues Vargas
Felipe Frazão
26/02/2020
Convocação provoca reação de políticos; líder da oposição na Câmara dos Deputados propõe reunião de emergência
A convocação feita pelo presidente Jair Bolsonaro para as manifestações contra o Congresso provocou ontem reações no mundo político. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) usou o Twitter para criticar Bolsonaro. “A ser verdade, como parece, que o próprio Pr (presidente) tuitou convocando uma manifestação contra o Congresso (a democracia) estamos com uma crise institucional de consequências gravíssimas. Calar seria concordar. Melhor gritar enquanto se tem voz, mesmo no carnaval, com poucos ouvindo”, escreveu FHC.
Para o governador João Doria (PSDB), deve ser repudiado “qualquer ato que desrespeite as instituições e os pilares democráticos do País”.
Líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ) propôs uma reunião de emergência com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). “Esses absurdos, exageros e atropelos têm de parar”, disse Molon.
O ex-ministro Ciro Gomes (PDT-CE), candidato derrotado à Presidência, também cobrou uma reação. “É criminoso excitar a população com mentiras contra as instituições democráticas”, postou Ciro no Twitter.
O jurista Miguel Reale Junior, autor do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, falou em “conspiração contra um dos Poderes da República”. “Não sei o que ele (Bolsonaro) tomou nesse carnaval para esse ato de tamanha ousadia. É gravíssimo. Convocar a nação para desconstituir um Poder está entre os itens que justificam um impeachment.” A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), disse que “é inacreditável que o presidente atente contra as instituições e a democracia”.
O deputado Marco Feliciano (sem partido-SP) defendeu Bolsonaro. “Estamos numa democracia”, disse Feliciano ao Estado. O presidente do PSD, Gilberto Kassab, afirmou que “é hora de os bombeiros aparecerem”.