O globo, n.31455, 20/09/2019. Sociedade, p. 23

 

BID vai criar fundo para a Amazônia, diz Salles 

Paola de Orte 

Ana Paula Blower

20/09/2019

 

 

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse ontem que o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) vai criar um novo fundo de investimentos para a Amazônia.

O anúncio foi feito após reunião em Washington com o presidente do banco, Luis Alberto Moreno. O ministro afirmou que a estrutura do mecanismo ainda está sendo estudada e não anunciou detalhes, como quais países da região contribuirão com o fundo e quais serão os valores investidos. Disse apenas que a medida tem um “potencial muito grande”. O BID afirmou que, por enquanto, “não há anúncio a ser feito”.

— É um fundo que contempla países e setor privado tanto na ponta de doação quanto no recebimento dos investimentos para desenvolvimento, pesquisa e outras atividades. Tende a ser um instrumento muito consistente de finalmente desenvolver essa oportunidade da bioeconomia na Amazônia —afirmou Salles.

O ministro disse ainda que, por agregar os países amazônicos, o BID tem uma “governança importante” para a região. Mais detalhes, informou ele, serão dados em outubro, quando o presidente Jair Bolsonaro deverá participar do Brasil Investment Forum, em São Paulo. O presidente do BID também estará no evento. O ministro explicou que, depois do encontro na capital paulista, haverá uma reunião sobre

PERDA DE PROTAGONISMO

Desde ontem em agenda nos Estados Unidos para negociar investimentos e parcerias para a região amazônica, o ministro foi recebido com protestos em seu primeiro compromisso em Washington, um almoço na Câmara de Comércio dos EUA. Com gritos como “vergonha!”, uma dezena de manifestantes protestou contra a política ambiental do Brasil.

Na segunda-feira, Salles vai representar o Brasil na Cúpula do Clima, da ONU, em Nova York. O evento, organizado pelo secretário geral do organismo, António Guterres, acontece um dia antes da Assembleia Geral da ONU e tem como objetivo chamar a atenção para o tema das mudanças climáticas em um momento em que líderes do mundo todo estarão na cidade para discursar no plenário.

Porém, diante da ausência de Bolsonaro, que só chega no dia seguinte, o Brasil não poderá fazer discurso no encontro ambiental. Outras nações serão representadas por seus chefes de Estado.

Ambientalistas consideram “constrangedora” a ausência da fala do Brasil no encontro. Para Márcio Astrini, coordenador de políticas públicas do Greenpeace, o país saiu da posição de liderança mundial no debate ambiental, tendo já participado de diversas discussões internacionais sobre o tema e na resolução de metas e compromissos, como o Acordo de Paris.

—E isso acontece por uma escolha do governo, o que, além de nos tirar a boa imagem que tínhamos, traz prejuízos econômicos.

Astrini pontua ainda que a imagem positiva do Brasil com relação às questões ambientais foi construída por décadas, envolvendo uma série de atores, como a diplomacia e a sociedade civil organizada. Para arruiná-la, no entanto, “o governo prova que é rápido”, diz ele.

Atualmente, o país se vê em meio a polêmicas diplomáticas sobre o meio ambiente, principalmente em questões relativas à preservação da Amazônia. Em agosto, Alemanha e Noruega, maiores doadores do Fundo Amazônia, suspenderam repasses.

Mais recentemente, o combate às queimadas e desmatamento na região foi amplamente citado no encontro do G7, o encontro dos países mais ricos.

— Estamos perdendo um esforço de décadas em oito meses —acredita Astrini, que conclui:

—Em outra situação, o Brasil seria o país a ser ouvido, que usaria o palanque para dar exemplo e motivar os outros afazerem mais. Hoje, o país passa uma mensagem errada sobre a questão climática. E isso influencia o que acontece na prática.

Já para a pesquisadora ThelmaKrug,v ice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas ( IPCC ), o evento não é uma oportunidade para que o Brasil passe uma “mensagem positiva” sobre o tema, já que não teria, atualmente, propostas estruturadas para apresentar.

— Nesse caso,éatépreBrasil não ir, levando uma mensagem de negacionismo de mudança climática — diz. —Enquanto não tivermos clareza sobre os projetos, o Brasil passaria por uma situação de constrangimento (na cúpula). Não participar talvez seja melhor que chegar com um discurso em que ninguém vai acreditar. Ou odiscursoécon sistente comas ações, o ué melhor não falar. Se quisermos reverter aforma como o Brasil é visto, precisamos de ações.

* Especial para O GLOBO