O Estado de São Paulo, n. 46151, 25/02/2020. Política, p. A4

 

No Ceará, PMs relacionam o motim atual ao de 2011

Bruno Ribeiro

25/02/2020

 

     

Segurança. Policiais adotam discurso de que acordo fechado após greve anterior não foi cumprido; líderes têm vínculos com bolsonarismo, mas negam influência do presidente

 Com uma lista de reivindicações de 17 itens em que o primeiro, escrito com letras maiúsculas, é “anistia”, os policiais militares amotinados em Fortaleza, Ceará, se concentram na sede do 18º Batalhão da corporação, no bairro Antônio Bezerra. No entroncamento de três ruas, há viaturas policiais com pneus esvaziados, o que impede a aproximação de carros. Dentro do batalhão, os porta-vozes do movimento são cabos e sargentos com até 10 anos de vida militar, que participaram de um motim parecido em 2011 e que dizem se sentir traídos por considerar que acordos firmados naquela ocasião não foram cumpridos.

Com seis dias de motim completados ontem, os batalhões têm PMs na dúvida se devem deixar os rostos cobertos ou não, dada a associação das balaclavas com criminosos e as cenas de mascarados dirigindo viaturas e mandando fechar o comércio de Sobral, no interior do Estado, na última quarta-feira, quando o senador licenciado Cid Gomes (PDT) foi baleado ao avançar com um trator contra os amotinados.

“Quando falamos em anistia, é em relação ao processo disciplinar, não a eventuais crimes”, diz o ex-deputado federal Cabo Sabino, que recebeu o Estado no domingo, em uma sala com quatro praças. Apontado como líder do motim, ele é um dos 230 policiais afastados pelo governo cearense.

Tanto em Fortaleza como em Sobral o que se vê nos quartéis amotinados são PMs na casa dos 30 anos, muitos de chinelo e bermuda, liderados por políticos de oposição ao governador Camilo Santana (PT). Estão preparados para dias de confinamento. Há água e alimento estocados pelos cantos, e marmitas chegam o tempo todo. “O policial que decidiu fazer greve vai até o fim. Já não tem nada a perder”, disse um dos amotinados, que aceitou dar entrevista sem revelar o nome, identificandose apenas como cabo Barbosa.

Uma das queixas desses policiais é a política de reajustes salariais do governo de Santana e do antecessor, Cid Gomes. “O salário do coronel, ao longo dos anos, dobrou, teve um aumento de 100%. O do soldado, aumentou 10%”, disse o cabo.

Em motim ocorrido em 2011, na virada para 2012, houve negociação para concessão de um reajuste que seria parcelado. “A primeira parcela foi cumprida. A segunda e a terceira, não. Foi uma traição do governo”, disse outro PM. “Daí, isso foi acumulando. A queixa era um assunto constante no batalhão.” Os PMs que ingressaram na corporação depois disso, conta o policial, já encontraram quartéis nesse clima de insatisfação.

Risco. Em grupo, os amotinados começam a listar situações a que se dizem expostos. Contam que, depois do fechamento do hospital próprio da corporação, passaram a receber o mesmo atendimento de pessoas com quem entravam em confronto. “Você tinha na mesma enfermaria o cara que atirou em você. Isso quando não ficava jogado nos corredores”, disse outro cabo, sem dar o nome.

Bolsonarismo. No batalhão, há amotinados com camisetas do presidente Jair Bolsonaro. As lideranças, porém, negam o apoio. “Fui o primeiro a trazer o Bolsonaro para cá, em 2015, ainda deputado”, diz Cabo Sabino. “Mas, de lá para cá, fizeram intrigas, e ele se afastou. Há um ano não nos falamos.”

Entre os praças, quando se pergunta sobre política, as respostas variam, mas acabam voltando para pontos trabalhistas, como pagamento de horas extras e vale refeição defasado em relação a outros servidores.

Procurados, o governo do Estado e a assessoria de Gomes não responderam sobre os termos do acordo de 2011 que teriam sido descumpridos.

Os amotinados estimam que de 40% a 60% dos cerca de 20 mil homens da PM do Ceará participam do movimento. O governo do Estado não fala em números. Três batalhões (17º e 18º, na capital, e o 12º, em Caucaia, região metropolitana) ainda estão ocupados por manifestantes, segundo o governo. Enquanto parte dos policiais está paralisada, caminhões e jipes do Exército estão fazendo patrulhamento em Fortaleza.

PARA LEMBRAR

Greve anterior durou 5 dias

A última greve de policiais militares e bombeiros do Ceará durou cinco dias, na virada de 2011 para 2012 . Os sindicatos das categorias estimaram que cerca de 10 mil profissionais participaram da mobilização. O então governador Cid Gomes se comprometeu a dar 7% de aumento, conceder anistia ampla e irrestrita a todos os que participaram do motim, repassar gratificação de R$ 850 a todos os policiais (e não só para quem atuava na madrugada) e reduzir de 44 para 40 horas semanais a carga horária.

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Após visitar Fortaleza, Moro diz que não há 'desordem' na cidade

Lôrrane Mendonça

25/02/2020

 

 

Segundo ministro da Justiça, embora crimes violentos tenham aumentado, não ocorreram saques

Após visitar Fortaleza, no Ceará, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, afirmou ontem que apesar do aumento nos homicídios registrado desde que teve início a paralisação de policiais militares, não há uma situação de “absoluta desordem” no Estado. Foram registrados 147 assassinatos desde o início do movimento, na última quarta-feira, segundo a Secretaria de Segurança Pública do Ceará. Nos primeiros 48 dias do ano, a média de mortes violentas foi de 8,6 por dia.

“A Força (Nacional de Segurança) está aqui para atender uma situação que nós entendemos que é temporária e que deve ser resolvida brevemente. Existe um indicativo de aumento de alguns crimes mais violentos, mas não há uma situação de absoluta desordem, não existem saques, nem nada disso”, afirmou o ministro.

Além de Moro, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e o advogado-geral da União, André Luiz Mendonça, estiveram ontem em Fortaleza para discutir a atuação de forças federais de segurança, conforme previsto no decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Eles se reuniram com o governador Camilo Santana (PT) por cerca de uma hora e sobrevoaram a cidade para acompanhar o trabalho do Exército e da Força Nacional.

“A situação está sob controle, claro que dentro de um contexto relativamente difícil em que parte da polícia estadual está paralisada”, disse Moro.

 Até ontem, 230 policiais foram afastados por participarem do motim. Eles terão que devolver suas armas e vão ficar sem receber salário enquanto estiverem afastados. Segundo o governador cearense, não há mais hipótese de continuar negociando com os policiais grevistas.

Punição. O secretário de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará, André Costa, afirmou que os policiais que insistirem em manter a paralisação poderão cumprir penas de crime militar e até serem expulsos da corporação. “Eles estão respondendo ao inquérito policial militar, que apura a conduta de crimes em que a pena pode superar 20 anos. Além disso, respondem processos disciplinares”, disse.

 A expectativa do governo é que a situação esteja resolvida até o dia 28, quando encerra o período da atuação da GLO. Se for necessário, o decreto pode ser prorrogado. “O governo federal veio para permitir que o governo (estadual) possa resolver essa situação sem que a população fique desprotegida”, afirmou Moro.

 ’Sob controle’

 “A situação está sob controle, claro que dentro de um contexto difícil, em que parte da polícia estadual está paralisada”

Sérgio Moro

MINISTRO DA JUSTIÇA