Correio braziliense, n. 20556, 03/09/2019. Política, p. 4

 

"Vou nem que seja de maca"

Rodolfo Costa

03/09/2019

 

 

Poder » Bolsonaro garante que a cirurgia no abdome, prevista para domingo, não vai atrapalhar a viagem à Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, marcada para ocorrer duas semanas depois. Ele diz querer falar sobre a Amazônia, com “conhecimento e patriotismo”

O presidente Jair Bolsonaro rechaçou a possibilidade de a cirurgia no abdome atrapalhar a viagem a Nova York para discursar na abertura da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), no próximo dia 22 de setembro. “Eu vou comparecer, nem que seja de cadeira de rodas, maca, mas eu vou comparecer. Porque eu quero falar sobre a Amazônia. Mostrar para o mundo, com bastante conhecimento, com patriotismo, falar sobre essa área ignorada por tantos governos que me antecederam”, disse ontem, pela manhã, na frente do Palácio da Alvorada.

O presidente admitiu ter pressa em fazer a quarta cirurgia. O procedimento, que será realizado no próximo domingo, dia 8, poderia ser postergado, mas não vai, para que ele esteja apto a viajar. A agenda de Bolsonaro prevista para o fim de semana é participar da cerimônia comemorativa à Independência do Brasil, no sábado, e embarcar ao fim da tarde para São Paulo. Na capital paulista, ele será submetido a uma cirurgia de médio porte no dia seguinte, no Hospital Vila Nova Star, pelo médico Antonio Luiz Macedo, que o atendeu após o atentado ocorrido há quase um ano.

A Amazônia, segundo Bolsonaro, foi “praticamente vendida” para o mundo. “E não vou aceitar esmola de país nenhum do mundo a pretexto de preservar a Amazônia, mas, na verdade, está sendo loteada e vendida”, sustentou. O assunto sobre a região amazônica não será o único elencado por ele no pronunciamento, mas permeará boa parte do discurso. “Lógico que vai entrar, é um assunto importante. Uma chance que tenho de falar para o mundo sobre a nossa Amazônia. Vou deixar essa oportunidade?”, explicou.

Inviabilização

Sem citar o presidente da França, Emmanuel Macron, o presidente retomou, com tons de ironia, a enfática narrativa patriótica e combativa em defesa da soberania do país sobre a Amazônia. “Se (eu) fosse, desculpa o linguajar, vaselina, em outras vezes que saí para o mundo afora, bem como em Osaka, se tivesse voltado para cá e tivesse demarcado 30 reservas indígenas, mais áreas de proteção ambiental, mais parques nacionais, a Amazônia seria um Polo Sul ou Polo Norte, não estaria pegando fogo em lugar nenhum. O que eles querem é, cada vez mais, ao demarcar mais terras, inviabilizá-las para nós”, acusou.

Ao contrário do que disse na última sexta-feira, quando sinalizou que faria uma viagem à Amazônia, Bolsonaro deu indícios de que pode acabar não realizando uma viagem à região. “Não sei se vou visitar, depende do momento aí”, disse. Comentou, contudo, que está “tudo certo” para, na sexta-feira, viajar a Letícia, na Colômbia. A cidade sediará uma reunião com chefes de Estado da América do Sul, com foco central sobre os países fronteiriços na região amazônica, exceto a Venezuela.

O presidente negou, contudo, apresentar nos próximos dias um pacote ambiental, prevendo medidas para a região. “Não tem pacote, (meus ministros) estão viajando para colher dados e ver o que a gente pode fazer. Até perguntei: “Temos recursos, Está certo. Não tem. Não tem recurso. Queremos é a verdade acima de tudo. Repito. Naquela reunião de governadores, só um, mais à esquerda, falou em dinheiro”, declarou, sem citar o nome do chefe estadual.

O capitão reformado sinalizou, em tom irônico, a disposição em conceder recursos aos estados, sob a condição de ser “entulhado” de demarcações de terras. “Eu tinha um pacote de demarcações, mais ou menos 400 novas reservas indígenas, que a gente passaria de 14% para 20% a quantidade de área demarcada como reserva indígena no Brasil, o equivalente a uma área das regiões Sudeste e Sul, juntas. Têm mais ou menos 900 novas (áreas) quilombolas. Para governador, se quiser grana, eu dou, mas no estado dele eu vou entulhar de reservas, parques nacionais, e quilombolas. É só falar que quer. Quer US$ 10 milhões? Tá, arranjo para você, e vai ser entregue ao estado dele”, afirmou.

_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Propostas contra a crise ambiental

Maria Eduarda Cardim

03/09/2019

 

 

Enquanto o presidente Jair Bolsonaro admitiu pressa em fazer a quarta cirurgia no abdome para estar apto para falar sobre a Amazônia na abertura da Assembleia-Geral da ONU, uma comitiva ministerial se reuniu com governadores da parte oriental dos estados da Amazônia Legal, em Belém, para debater as demandas dos governos estaduais e ouvir propostas para a crise ambiental. Hoje, os cinco ministros presentes na comitiva vão até Manaus ouvir os governadores da Amazônia ocidental (Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima). O grupo da Esplanada foi formado pelos ministros Onyx Lorenzoni (Casa Civil), Ricardo Salles (Meio Ambiente), Jorge Antônio Oliveira (Secretaria-Geral da Presidência), Fernando Azevedo e Silva (Defesa) e Tereza Cristina (Agricultura, Pecuária e Abastecimento).

Apesar de não informar nenhuma proposta oficial para o combate à crise ambiental após a reunião, Lorenzoni informou algumas medidas que foram citadas pelos governadores da parte oriental da Amazônia, formada por Pará, Maranhão, Amapá, Tocantins e Mato Grosso. “Na próxima semana, vamos processar todas essas demandas, que vão desde questões que envolvem a regularização fundiária, passam pelo zoneamento econômico-ecológico, pelos serviços ambientais, pela economia verde, que é uma preocupação relevante da região”, disse Onyx.

O ministro afirmou ainda que há uma demanda de um monitoramento continuado de áreas desmatadas e focos de queimada, que se utilizaria da estrutura das Forças Armadas. “Temos uma demanda de fazer, após vencido esse episódio, um monitoramento contínuo do que ocorre em termo de queimadas e desmatamento, se utilizando, por exemplo, da estrutura que as Forças Armadas têm, como o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). De tal forma que isso possa ser somado ao que é feito por todos os outros sistemas, junto com os governos estaduais”, informou.

A ajuda internacional também foi debatida no encontro. O ministro da Defesa destacou que há possibilidade efetiva de cooperação de quatro países: Chile, Equador, Estados Unidos e Israel. “Do Chile, duas aeronaves especializadas em lançamento de água chegam ao Brasil nesta segunda. Israel está mandando uma equipe especializada. Já com os Estados Unidos estamos em contato para ver que meios serão fornecidos. Em relação ao Equador; nos foi oferecida equipe de brigadistas especializados em incêndios”, compartilhou.

Azevedo destacou também a efetividade da Operação Verde Brasil, coordenada pelas Forças Armadas, mas ressaltou que “toda ajuda é bem-vinda”. A afirmação ocorre uma semana depois de Bolsonaro recusar a ajuda de US$ 20 milhões oferecida pelo G7 para a Amazônia. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, também citou a ajuda internacional ao falar do Fundo Amazônia, que teve doações da Alemanha e Noruega, os dois principais doadores, suspensas após o início da crise ambiental.

“Nós temos, desde o inicio do ano, entabulado negociações para uma melhoria importante na governança do Fundo Amazônia. Essa negociação avançou bastante. Esta semana tivemos novamente contato com os dois principais doadores, Alemanha e Noruega”, garantiu Salles. Ele afirmou que a reunião serviu de reforço para dar foco à questão do Fundo.

Para o governador do Pará, Helder Barbalho, é importante valorizar o encontro do governo federal com os estados da Amazônia. “Temos que aproveitar esse momento para a construção de um plano efetivo de desenvolvimento que permita que não tenhamos que, ano a ano, debater de maneira reativa os problemas de avanço da nossa floresta”, declarou.