O Estado de São Paulo, n. 46153, 27/02/2020. Política, p. A6

 

Aliança já admite não participar de eleição

Pedro Venceslau

Paula Reverbel

27/02/2020

 

 

Dirigente de partido que Bolsonaro quer criar reconhece dificuldade em validar assinaturas    

Registro. Belmonte diz que presidente não tem pressa para formalizar partido; TSE validou apenas 3,3 mil assinaturas

A menos de 40 dias do prazo limite estabelecido pela Justiça Eleitoral para que os partidos políticos obtenham registro para disputar as eleições municipais deste ano, a cúpula da Aliança pelo Brasil, sigla que o presidente Jair Bolsonaro tenta criar, admite que não vai conseguir participar dos pleitos deste ano. Até ontem, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) havia validado apenas 3.334 assinaturas – são necessárias, no mínimo, 492 mil para obtenção do registro.

De acordo com o advogado Luís Felipe Belmonte dos Santos, segundo vice-presidente e principal operador do partido a ser criado, foram coletadas mais de 1 milhão de assinaturas, mas elas não foram reconhecidas nos cartórios eleitorais. “Nossa parte foi feita, mas os cartórios eleitorais estão recusando todas as fichas com firma reconhecida. Eles alegam que não houve regulamentação. Além disso, o sistema cai toda hora. Os cartórios eleitorais não estavam preparados para um volume tão grande (de assinaturas)”, disse Belmonte. O TSE, porém, informou que o Aliança apresentou um total de 66.252 assinaturas – além das 3.334 validadas, outras 48.127 estão em prazo de impugnação, 2.593 na fase de análise dos cartórios e 12.198 já foram consideradas inaptas.

Na tentativa de se viabilizar, o Aliança mandou um pedido ao TSE perguntando se era possível dispensar a validação de assinaturas pela Justiça Eleitoral quando o apoio tivesse sido reconhecido por tabelião do registro de notas. O pedido ainda tramita na Corte Eleitoral.

Diante da dificuldade, o discurso bolsonarista agora é que não há pressa em registrar a legenda. “O presidente não está pensando na próxima eleição, mas na próxima geração. Se não der agora, não tem problema, até porque seria um risco. Não haveria tempo de, em duas semanas, formar diretórios, filiar e procurar candidatos em 5.700 municípios”, disse Belmonte.

“O presidente não quer quantidade, mas qualidade. Ele quer pessoas de confiança para evitar que se repita o que houve com o PSL”, afirmou o advogado, em referência ao partido pelo qual Bolsonaro se elegeu, e do qual se desfilou em novembro.

 Ausência. A avaliação de Belmonte é que a ausência do Aliança nas eleições de 2020 não terá peso relevante no projeto de reeleição de Bolsonaro em 2022. “O nome dele tem força e não depender de prefeitos o apoiando. O presidente deve apoiar candidatos pontuais. A lógica de ter que eleger muitos prefeitos para ter uma base na disputa presidencial foi destroçada em 2018.”

A tese é compartilhada pelo sociólogo Murilo de Aragão, da consultoria Arko Advice. Segundo ele, a ausência do Aliança vai fazer falta a Bolsonaro em São Paulo, onde a disputa é a mais “federalizada” do País. Na capital paulista o presidente ainda não tem um nome para defendê-lo nos debates. “Seria melhor para ele ter uma rede de apoios, mas isso não será decisivo em 2020. Como não há fidelidade partidária para prefeitos, eles podem mudar lá na frente. Além disso, hoje não há uma agenda que mobilize o País, o que faz com que eleições sejam mais municipalizadas”, disse.

Ao vislumbrar um cenário em que não existirá um partido bolsonarista nas urnas, siglas de direita como Patriota, PL e Republicanos buscam filiar seguidores de Bolsonaro que pretendem abandonar o PSL. A coordenação do Aliança já indicou que, caso não consiga obter o registro até março, deve liberar seus pré-candidatos para entrarem nos partidos que quiserem.

Para o deputado federal Júnior Bozzella (PSL-SP), dissidente do grupo ligado ao Palácio do Planalto, os bolsonaristas sabiam desde o início que seria impossível criar um novo partido a tempo de participar das eleições de 2020 e cometeram um “estelionato eleitoral”.

“Ou enganaram o presidente ou o presidente e seus aliados fizeram uma ação orquestrada e de má-fé para alimentar uma narrativa segundo a qual as instituições impõem derrotas ao Bolsonaro, para estimular uma militância agressiva e odiosa”, afirmou. Para ele, Bolsonaro não está preocupado com as eleições municipais ou com a possibilidade de ficar desidratado para tentar a reeleição.

Tempo

“Se não der agora, não tem problema, até porque seria um risco. Não haveria tempo de, em duas semanas, formar diretórios, filiar e procurar candidatos em 5.700 municípios.”

Luís Felipe Belmonte

ADVOGADO

PONTOS-CHAVE

Legislação exige 492 mil assinaturas

- ‘Lançamento’

O Aliança foi lançado em novembro em Brasília (na foto, o empresário Luciano Hang) e o estatuto e o programa partidário foram registrados em cartório.

- Apoios

Apoiadores buscam, agora, assinaturas para viabilizar a criação do partido. A legislação eleitoral exige 492 mil assinaturas recolhidas em todo o País.

- Igrejas

Por assinaturas, Aliança tem se articulado com igrejas. Em janeiro, durante culto no Paraná, pastor pediu a fiéis que assinassem ficha de apoio ao partido.

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Exército entra na negociação pelo fim de motim no Ceará

Lôrrane Mendonça

27/02/2020

 

 

Comissão formada pelos três Poderes e mediada pelo MP e OAB vai se reunir com líder da paralisação de policiais

GLO. Militares monitoram segurança no Estado até sexta

O Exército vai acompanhar as negociações do governo do Ceará para tentar colocar fim à greve dos policiais militares, que completou uma semana ontem. Executivo, Legislativo e Judiciário formaram uma comissão com representantes de cada Poder, além da participação do Ministério Público do Estado e acompanhamento do Exército, com o objetivo de acabar com o motim dos policiais militares que paralisaram as atividades desde o dia 18.

Um representante dos policiais militares que estão com as atividades paralisadas no Ceará será convocado para dialogar com a comissão. A conversa terá a mediação do Ministério Público e da seccional cearense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE). O anúncio da criação da comissão foi feito pelo governo do estado na terça-feira.

Com a crise na segurança, os dados mais recentes, divulgados pela Secretaria estadual de Segurança Pública, registram 170 assassinatos desde o início dos motins. Os números englobam os casos que se enquadram como homicídio doloso/feminicídio, lesão corporal seguida de morte e latrocínio.

O procurador-geral de Justiça do Ceará, Manoel Pinheiro, disse que o resultado da reunião com os policiais mobilizados vai ser encaminhado ao governo estadual. “Vamos fazer tudo seguindo a Constituição e as leis”, disse. “Essa pessoa que será convocada deve trazer por escrito as pretensões das categorias e esse documento será submetido aos Poderes do Estado.

Em seguida, teremos uma reunião para tentar uma solução para este impasse.”

Cid. A paralisação dos policiais militares do Ceará chega a nove dias hoje. Em todo o Estado, 2,5 mil soldados do Exército e 300 homens da Força Nacional reforçam a segurança em Fortaleza, Região Metropolitana e no interior, para a Garantia da Lei e da Ordem. A atuação da GLO no Estado segue até sexta-feira.

O uso das Força Nacional para a Garantia da Lei e da Ordem no Ceará foi autorizado pelo presidente Jair Bolsonaro, em atendimento ao pedido do governador do Estado, Camilo Santana. O pedido foi feito no dia 21, mesma data em que o senador Cid Gomes (PDT-CE) foi baleado duas vezes no peito, após forçar a entrada, usando uma retroescavadeira, em um batalhão ocupado por policiais amotinados, no município de Sobral, distante cerca de 270 da capital, Fortaleza. Atingido no peito, Cid chegou a ser hospitalizado, mas já está em casa e não corre risco de morte.

Ao todo, 230 policiais militares que participaram do motim já foram afastados de suas funções por 120 dias. Além disso, estão fora da folha de pagamento a partir de fevereiro e podem ser expulsos da corporação. Eles vão responder por crimes militares, como participação em “condutas transgressivas”, bem como a “incapacidade de participação dos quadros da Polícia Militar”, segundo consta no Diário Oficial do Estado.

A lista de reivindicações dos policiais militares amotinados tem 17 itens, entre eles a anistia aos manifestantes.

Afastamento

230

policiais militares que participaram do motim já foram afastados de suas funções por 120 dias. Além disso, estão fora da folha de pagamento a partir de fevereiro e podem ser expulsos da corporação.

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MPF recomenda mudança em editais militares

27/02/2020

 

 

Procuradoria critica pontuação maior dada a candidatos que passam por cursos exclusivos para homens

A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) recomendou ao Comando da 4.ª Região Militar do Exército que tome medidas para adaptar seus próximos editais para evitar práticas e exigências discriminatórias contra candidatas mulheres. Na avaliação do Ministério Público Federal (MPF), os processos seletivos conduzidos pelo Exército desrespeitam não só a Constituição Federal, mas também diversos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário que proíbem qualquer forma de discriminação em razão do sexo.

Segundo o MPF, a investigação que baseou a recomendação teve início em 2018. Em agosto daquele ano, a 4.ª Região Militar, sediada em Belo Horizonte, fez aviso público para a seleção de Oficial Técnico Temporário, destinado a diversos profissionais.

Pouco tempo após a divulgação do concurso, uma candidata entregou representação à Procuradoria apontando “desigualdade no tratamento concedido a homens e mulheres”. O edital previa pontuação para candidatos egressos de cursos de formação e estágio que são reservados apenas para homens. Questionado pela Procuradoria, o Exército justificouse, alegando que tais cursos se destinam somente a homens porque inexiste Serviço Militar Obrigatório para mulheres.

Segundo o procurador regional dos Direitos do Cidadão, Helder Magno da Silva, a justificativa não respondeu aos questionamentos.

O edital também indicava que, na fase de Inspeção de Saúde, seriam eliminadas as candidatas que apresentassem qualquer uma das condições ginecológicas dispostas em uma lista com 14 itens. Para homens, havia apenas um impedimento.

O câncer de mama estava entre as condições barradas para mulheres, mas não para homens. “Chama a atenção, por exemplo, que o Exército relacione a neoplasia maligna de mama como impedimento para as candidatas mulheres, mas não a relaciona como impedimento para os candidatos do sexo masculino, esquecendo-se de que homens também estão sujeitos ao câncer de mama”, questiona o procurador. Segundo ele, o câncer de próstata não era citado. Segundo a Procuradoria, a Diretoria de Saúde do Exército informou, em junho de 2019, que nos próximos editais de seleção de militares, iria estabelecer para os candidatos do sexo masculino causas de incapacidade física equivalentes às das mulheres. No entanto, em outubro do mesmo ano, o Comando da 4.ª Região Militar divulgou novos editais sem nenhuma modificação.

No documento, a Procuradoria recomenda que o Exército retire dos próximos concursos a pontuação em virtude de participação em cursos disponíveis somente para candidatos homens. Além disso, o MPF pede ao Exército que exclua condições de saúde sem paridade, que também afetem homens.

Discriminação

“Chama a atenção que o Exército relacione a neoplasia maligna de mama como impedimento para as mulheres. O câncer de próstata sequer é citado.”

Helder Magno da Silva

PROCURADOR REGIONAL