Correio braziliense, n.20559, 06/09/2019. Política, p.2/3

 

Duras críticas à indicação de Aras

Renato Souza

Rodolfo Costa

Ingrid Soares

06/09/2019

 

 

Poder » Bolsonaro anuncia subprocurador para assumir a vaga de Raquel Dodge no Ministério Público Federal. Nome causa polêmica nas redes sociais e provoca revolta na categoria, que defendia a escolha com base na lista tríplice. ANPR convoca protestos para segunda-feira

Após longa espera, e faltando apenas alguns dias para o fim da gestão da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, à frente do Ministério Público Federal (MPF) — o que ocorrerá no dia 18 —, o presidente Jair Bolsonaro bateu o martelo e decidiu que o novo ocupante do cargo será o subprocurador Augusto Aras, 60 anos. Agora, ele passará por sabatina no Senado. A decisão do chefe do Executivo provocou críticas nas redes sociais até mesmo de apoiadores do governo e ensaia um cenário de tensão dentro da Procuradoria-Geral da República. Em 16 anos, é a primeira vez que a escolha não é baseada na lista tríplice organizada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

Para justificar a opção, Bolsonaro ressaltou que Aras tem interesses em comum em relação ao desenvolvimento sustentável do país. “Uma das coisas que, conversando com ele, já era sua prática também, é na questão ambiental. O respeito ao produtor rural e, também, o casamento da preservação do meio ambiente com o produtor”, disse. “Então, o homem estará a favor do Brasil nas questões afetas à Procuradoria-Geral da República.”

Coordenador da 3ª Câmara da Ordem Econômica e Consumidor do MPF, Aras tem dado sinais de atuar em uma linha dinâmica a favor do desenvolvimento do país, apontam fontes. Um exemplo foi o leilão da Ferrovia Norte-Sul. Em dobradinha entre a instituição e o Ministério da Infraestrutura, ele afastou obstáculos ao leilão do Tramo Central da obra, firmando Termo de Entendimentos com o governo federal, em março. Assim, assegurou o direito de passagem e o desenvolvimento da concorrência ferroviária, destravando o processo que culminou no sucesso do leilão com valor de outorga de 100% do inicialmente previsto, em uma arrecadação de R$ 2,7 bilhões.

A atuação dele conquistou o apreço do ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, que forma o “centrão” de Bolsonaro, com Sérgio Moro, titular da pasta da Justiça, e Paulo Guedes, da Economia. Aras foi apresentado a Bolsonaro pelo ex-deputado Alberto Fraga (DEM-DF). O ex-parlamentar esteve com o presidente no Palácio do Planalto no começo da manhã de ontem.

Aras é visto com desconfiança por procuradores que integram a Operação Lava-Jato. A avaliação é de que ele pode dificultar o andamento das ações e prejudicar a independência do MPF. Pelo Twitter, integrantes da força-tarefa e de outros grupos do MPF nos estados fizeram duras críticas à escolha.

Mário Bonsaglia, o mais votado da lista tríplice, afirmou que houve retrocesso. “Dia melancólico para o MPF. A indicação fora da lista do novo PGR representa um retrocesso de décadas para a instituição”, escreveu em rede social.

O procurador Fernando Rocha, que atua no Rio Grande do Norte, disse que o combate à corrupção está em risco. “O advogado Aras, indicado para PGR! Para quem um dia acreditou que esse governo tinha algum compromisso com o combate à corrupção, com a independência do MP, com a Lava-Jato, o momento é de reconhecer o grande equívoco,” postou.

A procuradora Michelle Rangel Vollstedt Barros, da Procuradoria Regional da República da 1ª Região, também se manifestou contra a indicação. “Escolha de membro do MPF que advoga e que deliberadamente não quis expor suas ideias e projetos por meio do transparente processo da lista tríplice? É isso mesmo?? Não deixem o MPF morrer”, publicou.

“Retrocesso”

A ANPR fez duras críticas. Em nota, afirmou que a decisão representa “o maior retrocesso democrático e institucional do MPF em 20 anos”. De acordo com a entidade, a escolha foi realizada sem que o indicado participasse de debates públicos e apresentasse propostas. “A ANPR, diante da absoluta contrariedade da classe com a referida indicação, conclama os colegas de todo o país para o Dia Nacional de Mobilização e Protesto, que ocorrerá na próxima segunda-feira (9)”, frisou um trecho do comunicado.

Na live que faz às quintas-feiras, Bolsonaro disse que “buscou uma pessoa que fosse ‘nota 7’ em tudo. Não ‘10’ em uma coisa e ‘2’ em outra”. Ele pediu um voto de confiança e que os comentários mais pesados, postados nas redes sociais, fossem apagados. “Tem gente que está esculhambando a gente. Eu te pergunto: Você conhece o Augusto Aras? Você conhece o outro nome que você queria que estivesse no lugar dele? (...) Não conhece. Dá uma chance pra gente. Não vai atirando logo. Não é dessa forma que a gente vai mudar o Brasil.”

O presidente frisou que escolheu alguém com “posição serena” sobre a questão ambiental. “Tem gente do MP que não pode ver uma vara de bambu sendo cortada que sai processando todo mundo. Como ficaria alguém que tem uma visão muito radical na questão ambiental? Como ficaria o agronegócio no Brasil?”, questionou. “Aras não deve satisfação a mim, mas para a sociedade. O que quero do PGR é que ele traga numa das mãos a bandeira do Brasil e na outra, a Constituição.”

Mestre e doutor

Augusto Aras nasceu em Salvador, tem 60 anos e ingressou no MPF em 1987. Professor da UnB, é mestre em direito econômico e doutor em direito constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

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Posto de prestígio

​06/09/2019

 

 

O procurador-geral da República é um dos postos mais importantes e prestigiados do Estado. Até hoje, 41 pessoas ocuparam o cargo. O primeiro deles foi o cearense José Júlio de Albuquerque, que exerceu a função entre 3 de março de 1891 e 3 de agosto de 1893. Raquel Dodge foi a última a ser nomeada. Indicada pelo então presidente Michel Temer em 28 de junho de 2017, tomou posse em 18 de setembro daquele ano.

Conhecido como PGR, o procurador-geral da República é o chefe do Ministério Público Federal. Exerce as funções do órgão no Supremo Tribunal Federal (STF), no Superior Tribunal de Justiça (STJ), sendo também o procurador-geral eleitoral. Deve ser ouvido em todos os processos em tramitação nos tribunais superiores.

O PGR atua no plenário do Supremo e designa subprocuradores-gerais da República para representar o órgão nas turmas do STF e do STJ, além dos julgamentos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). É responsável também por apresentar denúncias criminais contra autoridades com foro privilegiado. Mas também pode propor ações diretas de inconstitucionalidade, pedidos de intervenção federal nos estados e no DF, além de ações cíveis. Em relação ao STJ, é quem pede a federalização de casos estaduais.

A sede da PGR fica no Setor de Administração Federal Sul, às margens da L4, também conhecida como Avenida das Nações. No prédio, estão lotados 73 subprocuradores-gerais da República, último grau da carreira do MPF, incluindo o PGR — no gabinete dele, estão vinculadas 10 secretarias do MPF e o grupo da força-tarefa da Operação Lava-Jato.