Correio braziliense, n.20559, 06/09/2019. Política, p.4

 

Risco de boicote na ONU

Simone Kafruni

Rodolfo Costa

Ingrid Soares

Leonardo Cavalcanti

06/09/2019

 

 

Poder » Fala agressiva de Bolsonaro contra Michelle Bachelet gera temor de que presidente seja mal-recebido na assembleia-geral da entidade

Embora o presidente Jair Bolsonaro tenha exagerado na resposta à declaração da alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, de que o espaço democrático está encolhendo no Brasil, o governo não vai recuar, segundo fontes do Palácio do Planalto. Nos meios diplomáticos, o clima de confronto gerou apreensão sobre um possível mal-estar no discurso de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, que o presidente fará no próximo dia 24, em Nova York. A reação agressiva de Bolsonaro contra a ex-presidente chilena, lembrando a morte do pai de Bachelet, torturado e morto na ditadura de Augusto Pinochet, provocou constrangimento, ontem, durante a primeira visita ao país do ministro das Relações Exteriores do Chile, Teodoro Ribera.

Ainda que pessoas próximas ao Planalto tenham avaliado que Bolsonaro perdeu o tom, por Bachelet ser mulher, núcleo da família tão defendida pelo presidente e seus aliados, a saída diplomática foi colocar panos quentes, diante da relevante parceria comercial entre Brasil e Chile. Após encontro com o Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), na manhã de ontem, Ribera afirmou que a relação entre os dois países “transcende” pessoas e governos.

O embaixador Marcos Azambuja, conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), ex-secretário geral do Itamaraty, considerou a postura de Ribera correta. “A relação Brasil-Chile obriga à superação. Claro que os episódios têm impacto, seria preferível que nada tivesse ocorrido, mas os dois países são importantes um para o outro, a colaboração é intensa. Ao Brasil, interessa ter um vizinho com projeção sobre o Oceano Pacífico, aos chilenos interessa o nosso imenso mercado”, avaliou.

À tarde, após almoço no Itamaraty, o chanceler chileno e o ministro brasileiro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, agiram como se nada tivesse acontecido e apenas comentaram o resultado do encontro, focado nas oportunidades comerciais entre os dois países. Para Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior, apesar do efeito diplomático sério, não dá para dizer que a troca de farpas terá impacto econômico imediato. “O que vem acontecendo nos últimos meses é um desgaste com vários parceiros comerciais do país, e o Chile é o segundo principal mercado brasileiro na América do Sul. Isso afeta a marca país, ou seja, a percepção sobre o Brasil, sobre os produtos brasileiros, sobre o turismo no Brasil.”

Farpas

As recentes declarações de Bolsonaro não devem, no entanto, interferir no discurso do brasileiro na ONU, segundo um interlocutor do governo. “Se o Brasil for boicotado, boicotará, também, outros chefes de Estado, em seus respectivos discursos”, disse. Porém, a ideia é deixar no Brasil as farpas trocadas com Bachelet e com o presidente da França, Emmanuel Macron. Bolsonaro deve usar um tom firme no que diz respeito à soberania do país sobre a Amazônia e enaltecer os avanços na segurança pública, destacando a redução de 20% na criminalidade em seis meses.

No entender de Creomar de Souza, analista político da consultoria Dharma, Bolsonaro tem um temperamento de confrontação. “Quando se sente acuado, a reação é sempre assim. E será diante da próxima crítica internacional. Isso mantém coesa a base eleitoral que ele possui e que espera dele demonstração de firmeza”, afirmou. “Do ponto de vista estratégico, gera dificuldades. O trabalho de abertura na ONU não é de confrontação, mas pode acontecer algum tipo de crítica”, acrescentou.

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Protestos no 7 de Setembro

Jorge Vasconcellos

​06/09/2019

 

O presidente Jair Bolsonaro vai enfrentar um novo teste de popularidade amanhã, em meio às comemorações do 7 de setembro. Manifestações contra os cortes na educação e em defesa da Amazônia foram organizadas pela União Nacional dos Estudantes (UNE), em parceria com o Grito dos Excluídos, em todas as capitais e outras 100 cidades. O estopim para protestos foi a convocação de Bolsonaro para que todos fossem às ruas de verde e amarelo para defender a Amazônia.

“Nossa principal bandeira é lutar contra os cortes que têm sido feitos nas universidades desde maio; as universidades podem parar. Os cortes nas bolsas estão chegando a níveis absurdos. Os estudantes não conseguem mais bolsas, a situação está desesperadora. Há também o problema da Amazônia, que não tem sido preocupação deste governo, e a negação de que há uma situação perigosa acontecendo ali”, disse o presidente da UNE, Iago Montalvão.

“Os caras pintadas estão de volta”, diz uma imagem de convocação para os atos, em uma referência ao nome dado ao movimento de estudantes que levou multidões às ruas para pedir o impeachment do então presidente Fernando Collor. Em 1992, quando enfrentava denúncias de corrupção e uma crescente rejeição entre a população, Collor convocou os brasileiros a vestirem verde e amarelo em um domingo, mas foi surpreendido por milhões que protestaram contra o governo, em várias cidades, vestidos de preto. O impedimento do presidente acabou sendo decretado no final daquele ano.

Na última terça-feira, Bolsonaro, ao convocar as manifestações para o 7 de setembro, garantiu que não terá a mesma surpresa. “Lembro que, lá atrás, um presidente falou isso e se deu mal. Mas não é o nosso caso”, declarou. “É para mostrar ao mundo que aqui é o Brasil. Que a Amazônia é nossa”, disse o presidente. Bolsonaro fez a convocação depois de o presidente Francês, Emmanuel Macron, se opor à ratificação do acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia e defender um debate sobre a internacionalização da Amazônia.

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Guedes reacende crise

06/09/2019

 

 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, contribuiu ontem para manter a tensão diplomática entre os governos do Brasil e da França. Ao comentar declarações do presidente Jair Bolsonaro dirigidas à primeira-dama francesa, Brigitte Macron, pelas redes sociais, o ministro afirmou que “o presidente falou e é verdade, a mulher é feia mesmo”.

A afirmação foi feita durante palestra a empresários, em Fortaleza. No evento, Guedes criticou a imprensa, que, segundo ele, prefere noticiar atos polêmicos do presidente em vez dos avanços alcançados pelo governo. “A preocupação é a seguinte: ‘xingaram a (Michele) Bachelet, xingaram a mulher do (Emmanuel) Macron, chamaram a mulher do Macron de feia’. O Macron falou que estão botando fogo na floresta brasileira e o presidente devolveu”, disse. “Tudo bem, é divertido. Não tem problema nenhum. É tudo normal e verdade. O presidente falou e é verdade, a mulher é feia mesmo”, completou, provocando risos na plateia.

Em 24 de agosto, Bolsonaro endossou em uma rede social um comentário ofensivo contra a primeira-dama francesa. Um seguidor postou na página do presidente fotos de Brigitte Macron e da primeira-dama brasileira, Michele Bolsonaro, e afirmou: “É inveja. Entende agora por que Macron persegue Bolsonaro?”. O post provocou comentário de Bolsonaro: “Não humilha, cara. Kkkkkkk”.

As declarações de Bolsonaro levaram brasileiros, muitos deles residentes na França, a manifestarem solidariedade a Brigitte Macron. Na semana passada, durante cerimônia pública, ela agradeceu, em português, o apoio dos brasileiros.

À noite, a assessoria do ministro da Economia divulgou nota em que ele pede desculpas pelos comentários: “O ministro da Economia, Paulo Guedes, pede desculpas pela brincadeira feita hoje em evento público em Fortaleza (CE), quando mencionou a primeira-dama francesa, Brigitte Macron. A intenção do ministro foi ilustrar que questões relevantes e urgentes para o país não têm o espaço que deveriam no debate público. Não houve qualquer intenção de proferir ofensas pessoais”.